quarta-feira, 29 de julho de 2015

TESTES FATAIS NA EUROPA

Cartoon de Royaards.
Imagem obtida no http://resistir.info/europa/lopez_07mai12.html



Testes fatais 

Por Boaventura de Sousa Santos, de Portugal

"A Europa transformou-se num laboratório do futuro. O que nele se experimenta deve causar preocupação a qualquer democrata e, muito mais, a qualquer pessoa de esquerda. 


Duas experiências estão em curso em ambiente laboratorial, isto é, supostamente controlado: 

A primeira experiência é um teste de stress à democracia. A hipótese que orienta o teste é a seguinte: a deliberação democrática de um país forte pode sobrepor-se antidemocraticamente à deliberação democrática de um país fraco sem que tal altere a normalidade da vida política europeia. As condições para o êxito dessa experiência são três: 

1) controlar a opinião pública de modo a que os interesses nacionais do país mais forte sejam convertidos no interesse comum da zona euro; 
2) dispor de um conjunto de instituições não eleitas (Eurogrupo, BCE, FMI, Comissão Europeia) capazes de neutralizar e punir qualquer deliberação democrática que desobedeça ao 'diktat' do país dominante; 
3) demonizar o país mais fraco de modo a que não suscite nenhuma simpatia junto dos eleitores dos restantes países europeus, especialmente junto dos eleitores dos países candidatos a desobedecer. 

A Grécia é a cobaia desta tenebrosa experiência. Trata-se do segundo exercício de ocupação colonial do século XXI (o primeiro foi a Missão de Estabilização da ONU no Haiti a partir de 2004), um colonialismo de tipo novo, executado com o consentimento do país ocupado, ainda que sob inaudita chantagem. E, tal como o velho colonialismo, justificado como servindo o melhor interesse do país ocupado. A experiência está em curso e os resultados do teste de stress são incertos. Ao contrário dos laboratórios, as sociedades não são ambientes controlados, por maior que seja a pressão para os controlar. 

Uma coisa é certa, depois dessa experiência, qualquer que seja o seu resultado, a Europa não será mais a Europa da paz, da coesão social e da democracia. Será o epicentro de um novo despotismo ocidental, rivalizando em crueldade com o despotismo oriental estudado por Karl Marx e Max Weber.

A segunda experiência em curso é um exercício sobre a solução final para a esquerda europeia. A hipótese que orienta essa experiência é a seguinte: não há lugar na Europa para a esquerda na medida em que esta reivindicar a existência de uma alternativa às políticas de austeridade impostas pelo país dominante. As condições para o êxito dessa experiência são três. 

1) A primeira consiste em provocar a derrota preventiva dos partidos de esquerda punindo de maneira brutal o primeiro que tentar desobedecer. 
2) A segunda consiste em criar nos eleitores a ideia de que os partidos de esquerda não os representam. Até agora, a ideia de que "os representantes não nos representam" era uma bandeira do movimento dos indignados e do "Occupy" contra os partidos de direita e seus aliados. Depois de o "Syriza" ser forçado a beber o cálice da cicuta 'austeritária' apesar do "não" do referendo grego que ele próprio apoiara, os eleitores serão levados a concluir que, afinal, também os partidos de esquerda não os representam. 
3) A terceira condição consiste em 'armadilhar' a esquerda em falsas opções entre falsos Planos A e Planos B. Nos últimos anos, a esquerda dividiu-se entre os que pensam que é melhor permanecer no euro e os que pensam que é melhor sair do euro. Ilusão: nenhum país pode optar por sair ordenadamente do euro, mas, se desobedecer, será expulso e o caos desabará implacavelmente sobre ele. Passa-se o mesmo com a restruturação da dívida que até agora tanto dividiu a esquerda. Ilusão: a restruturação ocorrerá quando tal servir os interesses dos credores e é por isso que mais essa bandeira de alguma esquerda se transforma agora numa política do FMI.

Também os resultados dessa experiência são incertos e pelas mesmas razões acima referidas. Uma coisa é certa: para sobreviver a essa experiência, a esquerda terá de se refundar para além do que é hoje imaginável. Tal envolverá muita coragem, muita audácia e muita criatividade."


FONTE: por Boaventura de Sousa Santos, de Portugal   (http://cartamaior.com.br/?/Coluna/Testes-fatais/34054).

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