terça-feira, 25 de março de 2008

ENTREVISTA DO MINISTRO DAS RELAÇÕES EXTERIORES NA TV CULTURA, ONTEM À NOITE

O programa “Roda Viva”, da TV Cultura de São Paulo, ontem à noite, “entrevistou” (?) o Ministro das Relações Exteriores Celso Amorim.

Preparava-me para escrever sobre o que vi, mas descobri a tempo o ótimo texto de Eduardo Guimarães sobre a entrevista, publicado no seu blog “Cidadania.com”. Vou transcrevê-lo mais abaixo. Antes, alguns comentários.

O comportamento estereotipado dos “entrevistadores” foi ridículo, de tão típico da nossa grande mídia. Pareciam caricaturas.

Essa tipicidade da nossa imprensa está bem retratada hoje pelo jornalista Luiz Carlos Azenha no seu blog “Vi o mundo” (seção “Opinião”). Ele, no caso, especifica a TV Globo, mas o retrato se aplica a toda a grande mídia brasileira:

“A política externa defendida pela TV Globo é a dos Estados Unidos. Sem medo de errar: a TV Globo coloca os interesses do governo Bush acima dos interesses do governo brasileiro.

Porém, admitir isso publicamente pega mal com o público, especialmente num momento em que a emissora sente-se acossada pela concorrência. Como já escrevi mais de uma vez, a TV Globo vem tirando proveito de ocasiões especiais - Jogos Panamericanos, Copa América e logo mais Olimpíadas - para se vestir de verde e amarelo. Mas, se você tirar a casca, estão lá as cores dos Estados Unidos. Não é uma atitude de todos os jornalistas da emissora. É da cúpula, que reproduz no Brasil a rejeição de Washington aos governos que "não servem" na América Latina: os da Venezuela, Bolívia e Equador, entre outros.

Mas e se houver uma divergência séria entre o governo Lula e os Estados Unidos? Eu assino embaixo: a Globo apóia o governo Bush. A emissora não fará isso de forma descarada, pelos motivos que já expliquei. Fará de forma malandra. Distorcendo, manipulando e omitindo informações.”

Voltando ao “Roda Viva” de ontem. Achei hilariantes as longuíssimas exposições em altos brados (travestidas de “perguntas”) do entrevistador Demétrio Magnoli, não interrompidas pelo mediador. Exigia de Celso Amorim manifestações oficiais de defesa da invasão militar de Uribe, e posições duras do Itamaraty contra Chávez, as Farc, contra Cuba por violação dos direitos humanos na ilha. OBS.: Creio que o entrevistador confundiu-se com as violações desses direitos naquela ilha por parte dos EUA, na sua base em Guantánamo. Lá, os norte-americanos confinaram sem direito à justiça os suspeitos de insurgência seqüestrados em países que foram invadidos militarmente pelos EUA. Os tais combatentes revoltosos, rotulados de “terroristas”, lá são torturados, acorrentados e colocados em minigaiolas por muitos anos, muitos até a morte.

Os posicionamentos radicalmente pró-americanos (até pró-Espanha e contra o princípio da reciprocidade, no caso do representante do Estadão) eram longa e ardorosamente colocados por Eliane Catanhêde, Demétrio Magnoli e Lourival Sant’anna. Quando, ao final das extensas palestras dos citados entrevistadores, surgia uma frase sob a forma de pergunta, logo nas primeiras palavras de resposta do chanceler Celso Amorim, ele era mal-educadamente interrompido por um dos três ou pelos três... Tragicômico.

Não preciso me estender na descrição. O texto a seguir, de Eduardo Guimarães, retrata bem aquele programa de exposições de representantes da grande mídia, antes anunciado como sendo de entrevista a Celso Amorim:

“AMORIM NO RODA VIVA”

"A edição desta semana (de 24/03) do programa Roda Viva, da TV Cultura, recebeu o chanceler Celso Amorim. Para entrevistá-lo, como se poderia esperar de uma tevê supostamente pública, mas que foi transformada em arma política pelo atual governador de São Paulo, foi montada uma bancada de entrevistadores composta pelos mais representativos membros do dito PIG.

A bancada de entrevistadores abrigou a atuação hidrófoba de gente como Eliane Cantanhêde (Folha), Demétrio Magnoli (uma versão "hard" de Ali Kamel) e Lourival Sant'anna (Estadão).

Essas pessoas foram responsáveis por um programa que foi tudo, menos jornalístico. Dedicaram-se a tentar "encurralar" Amorim e, diante da falta de colaboração do entrevistado em se deixar colocar em tal situação, tornaram-se agressivos e passaram a usar a velha tática de fazer acusações e de não deixar o acusado falar.

Por vezes seguidas, Amorim pediu a Magnoli (que, de longe, foi o mais mal-educado) que o deixasse falar, porque não deixava. Fazia longas "perguntas" - que, na verdade, eram acusações à política externa do país -, no que era ouvido pacientemente pelo chanceler. Contudo, quando este tentava responder, era reiteradamente interrompido. Os três "jornalistas" supra mencionados usaram essa tática ao longo dos cerca de noventa minutos do programa.

Obviamente que se dedicaram a repetir a cantilena do presidente da Colômbia, Alvaro Uribe, e de George Bush, acusando Hugo Chávez e Rafael Correa de serem culpados da invasão do território equatoriano, porque apoiariam as Farc. Magnoli chegou a citar declarações de Chávez feitas no calor do conflito entre Colômbia e Equador, nas quais criticou duramente Uribe, e queriam porque queriam que Amorim acedesse à premissa de que o venezuelano interveio em questão interna de outro país.

Faltou presença de espírito a Amorim para perguntar aos que já não eram mais entrevistadores, mas debatedores, se as armas americanas usadas pela Colômbia na invasão do Equador e a postura do governo americano de apoiar a violação da fronteira equatoriana também não seriam intervenções em assuntos de outro país...

É compreensível. O chanceler brasileiro mal conseguia pensar. Os três prepostos do PIG usaram uma espécie de tática de bombardeio, por meio da qual desandavam a falar todos ao mesmo tempo, encobrindo a palavra do entrevistado do programa. Enquanto isso, o mediador não dizia uma palavra. Foi uma vergonha.

Apesar disso, no entanto, Amorim até que se saiu bem, dadas as condições de desigualdade em que foi colocado. O ministro das Relações Exteriores do Brasil não se intimidou e, dentro das possibilidades de que dispunha, enfrentou o massacre com galhardia.

O histórico do Roda Viva está cheio de casos semelhantes. Chega a ser ridículo que, quando o entrevistado é do governo Lula, não exija uma bancada de entrevistadores mais equilibrada e garantia de que seu direito à palavra será respeitado. Por conta disso, o telespectador passou a maior parte do programa ouvindo bate-bocas em vez de uma entrevista.

No caso em tela, Amorim, ao ver os nomes de seus entrevistadores, poderia ter exigido que um representante de uma Carta Capital, por exemplo, integrasse a bancada. E se não fosse atendido, ninguém o criticaria por se recusar a se expor a um bate-boca desigual de três contra um. Catanhêde, Magnoli e Sant'anna agiram de forma coordenada. E era possível ver como se divertiam com a situação.

O reiterado uso político da TV Cultura pelo governo tucano de São Paulo, é uma afronta. Deve haver alguma lei que garanta que uma tevê pública será usada de acordo com o interesse público e não de acordo com o interesse do grupo político que a controla. Vislumbro aí, na questão da tevê pública paulista, um manancial a ser explorado pelo Movimento dos Sem Mídia.”

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