O jornal francês Le Monde de hoje publica um artigo sobre a economia brasileira, abaixo transcrito, do seu correspondente no Rio de Janeiro Jean-Pierre Langellier e traduzido por Jean-Yves de Neufville. Foi republicado pelo portal UOL Mídia Gobal.
“Brasil espera escapar da crise financeira graças a reservas recordes e à diversificação da sua economia
”Frente à crise financeira internacional, o Brasil vem dando mostras de uma bela serenidade.
Acima de tudo, o país se considera atualmente capaz de resistir aos perigos vindos do exterior. A 10ª economia do mundo - entre a do Canadá e a da Rússia - está vivendo um período muito favorável que inspira confiança tanto aos seus parceiros quanto a ela mesma. Além disso, o seu crescimento, robusto e equilibrado, ingressou num processo virtuoso.
O produto interno bruto (PIB) progrediu em 5,4% em 2007, contra 3,7% em 2006. Esta foi a segunda boa notícia do ano depois do anúncio, no final de fevereiro, de que o Brasil se tornara credor. O Brasil é a nação emergente que mais aumentou as suas reservas de câmbio em 2007. O nível das suas reservas - cujo montante tornou-se superior aos das suas dívidas externas, pública e privada - lhe garante um confortável colchão de divisas que o protege dos sobressaltos do mercado.
É o comércio exterior que vem puxando este crescimento. O mercado mundial, cujo protagonista mais dinâmico é a China, vem registrando fortes aumentos da demanda em produtos agrícolas e em matérias-primas, as quais o Brasil produz em abundância e que lhe garantem os dois terços dos seus dividendos: carne bovina, soja, minério de ferro e etanol, entre outros.
Diferentemente da Venezuela, cuja riqueza provém quase que exclusivamente do petróleo, o Brasil conseguiu diversificar as suas exportações. Ele também ampliou o leque dos seus clientes. Os Estados Unidos absorvem apenas 15% das suas vendas - o que equivale a pouco mais de 2% de seu PIB, não mais. Por comparação, o México vende 80% dos seus produtos ao seu vizinho do Norte. A China, por sua vez, compra 10% das exportações do Brasil - ou seja, cinco vezes mais do que dois anos atrás, e mais do que a vizinha Argentina.
Sob a coordenação do Banco Central, que atua de maneira autônoma e transparente, a instauração em 1999 de uma taxa de câmbio flutuante entre a moeda local, o real, e o dólar facilitou o controle da inflação, que foi reduzida para 4,5% em 2007. O real viu o seu valor duplicar em cinco anos em relação à moeda americana. Quanto à Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), a sua valorização foi multiplicada por dez desde 2002, registrando um aumento de 60% em 2007.
Dinamismo interno
Neste processo, o Brasil também passou a ser fortalecido por um dinamismo interno baseado num forte crescimento da demanda dos consumidores e das empresas. Em 1999, as taxas de juros haviam alcançado um recorde, de 45%. Atualmente, elas estão fixadas em 11,25%, ou seja, em 7% em termos reais. Uma taxa desta importância ainda seria enorme para muitos países, mas este não é o caso aqui. Esta redução drástica fez florescer o crédito e estimulou o consumo (+ 6,5%), sobretudo nos setores da construção civil, automobilístico e da informática.
A confiança do governo na boa evolução futura da economia vem sendo temperada por uma prudência legítima. Isso porque dois perigos estão se aproximando.
Em primeiro lugar, a balança das contas correntes registrou em 2007 um ligeiro déficit que foi provocado pela diferença - do simples para o dobro - entre as exportações e as importações. Para atenderem à demanda interna, as empresas aumentaram consideravelmente as suas importações a preços competitivos, graças à valorização do real, e venderam menos para o exterior, aonde as suas margens vêm sendo prejudicadas por esta mesma valorização da sua moeda. As autoridades brasileiras acabam de tomar medidas financeiras destinadas a estimular as exportações, e a tornar o país menos atraente para os capitais especulativos que estimulam a valorização do real.
A inflação constitui o segundo perigo. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva a considera como a pior inimiga dos brasileiros mais pobres, dos quais ele diz defender a causa. O fato de ele ter controlado a inflação contribuiu para a sua reeleição em 2006 e permitiu-lhe redistribuir parte da riqueza para milhões de famílias, por meio de programas sociais. O chefe do Estado prefere apostar na meta de um crescimento mais modesto, que não traga embutido o retorno da inflação. Esta ameaça permanecerá contida enquanto o aumento dos investimentos for superior àquele da demanda, o que foi o caso em 2007. Contudo, os investimentos, que representam 18% do PIB, permanecem nitidamente inferiores àqueles registrados na China (40%) ou na Índia (35%).
Para tornar o seu crescimento duradouro, o Brasil precisará enfrentar problemas fundamentais cuja solução é tanto política quanto econômica. Ele precisará reduzir a dívida interna do Estado, promovendo apertos nas despesas públicas. Ele também precisará desenvolver as suas infra-estruturas, aliviar o seu sistema de impostos e simplificar a sua burocracia. Ou, em outras palavras, diminuir aquilo que os investidores aqui chamam de "o custo Brasil".”
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