sábado, 30 de julho de 2011

RELAÇÃO BRASIL E ARGENTINA


Embaixador da Argentina: "HÁ PUJANTE RELAÇÃO CONSOLIDADA ENTRE BRASIL E ARGENTINA"

Em entrevista ao jornal [argentino] “Página/12”, o embaixador da Argentina no Brasil, Juan Pablo Lohlé, fala sobre o atual estágio da relação entre os dois países e sobre o significado da inauguração da embaixada argentina, ocorrida ontem, sexta-feira (29), em Brasília, que reuniu as presidentas Dilma Rousseff e Cristina Fernández.

Na entrevista, o embaixador também avalia a evolução das relações bilaterais entre os dois países ao longo de oito anos de kirchnerismo e como o acordo estratégico vem ajudando a superar divergências conjunturais.

Por Darío Pignotti, no jornal argentino “Página/12”:

Cristina Fernández e Dilma Rousseff tiveram sua primeira reunião oficial em Brasília na sexta-feira, quando foi inaugurada a embaixada argentina, “símbolo da pujante relação consolidada nestes oito anos”, disse o embaixador Juan Pablo Lohlé, abarcando, com isso, os governos de Néstor Kirchner e Luiz Inácio Lula da Silva.

Como cabe a um diplomata de carreira, Lohlé –que está cumprindo oito anos frente à embaixada argentina no Brasil– se estende, durante a entrevista, a falar das “convergências estratégicas entre as presidentas”, e da comemoração dos 20 anos do acordo de cooperação nuclear que enterrou as intrigas alimentadas pelas ditaduras. Ainda que evite se aprofundar acerca das divergências bilaterais, exibe sóbria inquietude sobre a construção de um submarino nuclear e quatro convencionais, anunciada há uma semana por Dilma Rousseff; reconhece alguns “ruídos” comerciais, atiçados pelos capitães da indústria paulista; e é cauteloso ao falar da relação entre Brasília e Teerã.

-O que mudou com a chegada de Dilma Rousseff?

As presidentas já se viram em janeiro na Argentina e, desde então, a relação do ponto de vista estratégico segue exatamente igual, as prioridades argentinas são as mesmas, e há avanço porque pudemos enquadrar nossas controvérsias, o que nos permite alongar o horizonte para mais além do nível comercial.

-Refere-se aos atritos por conta dos obstáculos às exportações e das reclamações recentes sobre a triangulação de produtos chineses via Argentina?

A FIESP (Federação de Indústrias do Estado de São Paulo) é instituição que representa os interesses de sua classe, e a UIA (União da Indústria da Argentina) respondeu à FIESP dizendo que a situação não é tão grave e que há exageros. A imprensa também desempenhou seu papel nessa questão. Mas, naturalmente, quem tem a condução política são as presidentas Cristina e Dilma. Elas têm que olhar para o conjunto. Entendo que elas estão cumprindo seu papel de garantir equilíbrio para conduzir a situação.

-Qual é o elemento central na relação entre Brasil e Argentina?

Eu recordo que completamos, e comemoramos a data, 20 anos do acordo de cooperação nuclear no marco da ABBAC (Agência Brasileiro-Argentina de Controle e Contabilidade de Materiais Nucleares). Isso nasceu em 1985, nos acordos firmados por Alfonsin e Sarney. Nossos homens de Estado viram que era necessário caminhar para a dissuasão nuclear. Isso foi levado adiante e segue até hoje, estamos seguindo esse caminho.

Precisamos colocar em órbita um satélite oceânico meteorológico conjunto.

Estamos projetando a criação de um avião cargueiro para nossas forças aéreas. Isso é positivo. A própria inauguração da embaixada é um sinal de como caminha a nossa relação.

-Um símbolo?

Construir esse prédio tão importante foi decisão política tomada pelo presidente Néstor Kirchner, e foi trabalho coletivo do qual participaram desde o chanceler (Rafael) Bielsa, o chanceler (Jorge) Taiana e, agora, o chanceler (Héctor) Timerman. Ter agora a senhora Cristina Kirchner conosco (na inauguração) é algo que coroa uma visão, conforme se pensou a relação entre Argentina e Brasil nestes oito anos.

-Dilma Rousseff anunciou a construção de quatro submarinos convencionais e um atômico. Isso altera o equilíbrio de poder?

Se o Brasil está em condições de construir um submarino atômico, a Argentina também está. Em última análise, é uma decisão política. Temos, hoje, uma relação cooperativa e cada país tem as suas prioridades. Temos um litoral muito importante e não está descartado que a Argentina também desenvolva o seu submarino. Não digo que vamos fazer isso, é uma hipótese.

-A Argentina é indiferente ao tema?

Ninguém é indiferente. Esse não é o termo. Creio que ter um submarino nuclear assegura capacidade de dissuasão. A Argentina pode pensar, em algum momento, que precisa fazer o mesmo ou não. Não é minha tarefa me ocupar desses temas. A Argentina constrói reatores nucleares e tem potencial reconhecido internacionalmente. O desenvolvimento nuclear envolve decisões políticas. Mas, insisto, temos relação de cooperação e forte compromisso com a integração.

-As presidentas assistiram juntas à posse de Ollanta Humala. O Brasil apoiou sua candidatura por vê-lo mais próximo do Mercosul do que do eixo do Pacífico. A Argentina tem a mesma opinião?

Creio que o presidente Humala, efetivamente, fez manifestações explícitas de aproximação em direção à região, em direção a UNASUL, a vínculo privilegiado com o MERCOSUL, e tudo isso é bem-vindo para a integração da América do Sul e da América Latina.

-O ex-presidente Lula prometeu trabalhar em favor da integração regional. Qual sua avaliação sobre essa intenção?

Os ex-presidentes sempre mantêm atividade bastante clara na América Latina. É o caso do presidente José María Sanguinetti (Uruguai), do presidente Fernando Henrique Cardoso (Brasil). Lula ainda tem margem enorme para trabalhar na região.

-Nos últimos meses, o Brasil se aproximou dos Estados Unidos e se distanciou do Irã, países importantes na agenda argentina...

- Seria pouco elegante de minha parte opinar sobre as ações do chanceler do Brasil. A Argentina tem visão autônoma, tem relação com os Estados Unidos e relação com o Irã. O que o Brasil faz é outra questão e é preciso ver em que medida isso afeta o interesse da Argentina. Creio que, no caso em questão, não está nos afetando. Temos pleito pendente com o Irã e transmitimos nossas inquietudes para a diplomacia brasileira. Você sabe que aquilo que, às vezes, parece diferença, pode ser via de solução ou de acordo. Isso pode mudar.

-A diferença com o Irã pode ser solucionada?

Não digo que se atenue, digo que o que o Brasil faz em relação ao Irã não influi naquilo que pensamos sobre o que ocorreu com o Irã e sobre o que está em andamento com esse país.”

FONTE: reportagem de Darío Pignotti, no jornal argentino “Página/12”. Transcrita no site “Carta Maior” com tradução de Katarina Peixoto (http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=18120) [pequena adaptação temporal no texto (a Embaixada já foi inaugurada ontem) feita por este 'democracia&política'].

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