O jornal O Estado de São Paulo ontem publicou o seguinte texto de Denis Lerrer Rosenfield, professor de Filosofia das Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS:
“Visitei, no início de dezembro, a região a convite do Comando Militar da Amazônia.
A viagem fez-se dentro do Programa Calha Norte, voltado para a manutenção da soberania nacional e da integridade territorial da Região Amazônica e para a promoção do desenvolvimento regional. As observações a seguir são de minha inteira responsabilidade e não envolvem nenhuma das autoridades militares que fizeram parte dessa missão.
O objetivo da missão era visitar os Pelotões Especiais de Fronteira (PEFs), postos avançados do Exército nas fronteiras da Amazônia, brigadas do Exército, o VII Comar (Manaus) e o Distrito Naval de Manaus, abrangendo, portanto, as três Forças. Os locais visitados foram Manaus, Barcelos, São Gabriel da Cachoeira, Maturacá, Sucurucu e Boa Vista.
A visão aérea da região, sobretudo na viagem à fronteira norte em direção à Venezuela e à Guiana, é de completo despovoamento, com floresta amazônica cerrada.
Os Pelotões Especiais de Fronteira, no caso das visitas a Sucurucu e a Maturacá, situam-se, podemos dizer, “in the middle of nowhere”. Se não fossem eles, teríamos uma região totalmente desprotegida, que apenas poderíamos dizer que se trata de terra brasileira. A soberania não é somente uma questão abstrata de demarcação territorial, mas de efetiva presença brasileira. Sem o Exército e as Forças Armadas em geral, as portas estariam abertas para que essa região pudesse tornar-se de outras nações, o que, no vocabulário atual, significa “patrimônio da humanidade”. Não nos deixemos seduzir por esse jogo ideológico das palavras.
A presença militar nessa região de fronteira é constituída por em torno de 26 unidades militares, claramente insuficientes para as reais necessidades do País.
Hoje se fala muito, a partir de um decreto assinado pelos ministros da Justiça e da Defesa, de ampliação para mais 28 PEFs, assegurando a soberania nacional nessas terras indígenas. Há, porém, um componente demagógico nessa discussão, pois os pelotões existentes têm muitas carências. Não há, atualmente, recursos para a construção desses novos PEFs. O que houve foi um ato de desviar a atenção do julgamento da Raposa-Serra do Sol, com o intuito de favorecer a demarcação contínua.
O Estado brasileiro nessas regiões é completamente ausente. Ou melhor, a sua presença se faz unicamente graças às Forças Armadas. Toda a região de fronteira amazônica se caracteriza pelos mais diferentes tipos de ilícitos, do tráfico de drogas ao desmatamento, passando por contrabando de armas e garimpo. Trata-se, literalmente, da lei da selva. As fronteiras são extremamente permeáveis, pois, por exemplo, a distância entre um pelotão e outro varia de 150 a 300 quilômetros.
O Cimi e a Funai têm propagado a idéia de que o Exército não é necessário, pois os índios defendem a fronteira. Nada de mais falso. Os índios não têm nenhum sentido inato de pátria. Os ianomâmis, por exemplo, vivem em pequenas aldeias, com pouco contato com os civilizados, brancos e caboclos, alimentando-se basicamente de farinha e de pouca caça. Circulam entre fronteiras e são tutelados pela Funai e por missões religiosas que lhes inculcam ainda mais o sentido do isolamento, da separação e, mais recentemente, a idéia de nação, distinta da brasileira. Quem defende a fronteira é o Exército.
O que, sim, existe são brasileiros índios. São índios que se tornaram brasileiros, o que significa, nas regiões visitadas, que se tornaram brasileiros graças à sua incorporação ao Exército. Nem teriam, não fosse isso, o domínio de nossa língua.
Não faz o menor sentido falar de defesa do território nacional, de nossa soberania, sem as Forças Armadas. Quem o faz, na verdade, está fazendo um jogo contra o próprio País. No dizer de um membro da comitiva, são “brasileiros índios”, e não “índios brasileiros”. Os índios incorporam-se voluntariamente ao Exército, que se torna um meio de sua integração ao Brasil. Ganham, em suas próprias tribos, prestígio e melhoram a sua condição de vida. Guardam também as suas tradições, voltando às suas aldeias, no interior desse processo de aculturação que os faz brasileiros. É isso que suscita a reação da Funai e do Cimi, que têm como objetivo segregá-los e isolá-los, dentro de um outro projeto político.
Em São Gabriel da Cachoeira há um batalhão completamente indígena, de diferentes etnias. Em Maturacá, o pelotão é constituído por indígenas de 22 etnias.
Todos uniformizados e bem treinados para a guerra na selva. Segundo os Comandantes militares, trata-se dos melhores “guerreiros da selva”. Presenciei uma cerimônia militar altamente impactante. É difícil não ser sensível a ela. O local foi, em São Gabriel da Cachoeira, uma colina que dá para o Rio Negro. Lá, a tropa estava perfilada, para uma formatura, com a presença do Comandante militar da Amazônia, o general Heleno. Fazia parte do ritual cantar o Hino Nacional. Naquele ermo do mundo, os soldados indígenas cantavam o hino a plenos pulmões, numa adesão pouca vezes vista. É como se sua alma falasse através desse canto, dessas palavras, numa irmandade que conferia a todos os presentes uma mesma união, uma união nacional.
Os brasileiros indígenas são índios aculturados, que se sentem brasileiros.
Terminam se identificando com os caboclos, que são o resultado da miscigenação de brancos com índios. O caboclo é o nativo da região e termina servindo, para o indígena, como modelo de integração ao mundo não-indígena. É um equívoco conceitual opor índios aos brancos, dentro de uma região que já é o produto de um processo de aculturação e, sobretudo, de miscigenação racial, com casais constituídos de diferentes raças e etnias. O caboclo é fruto de todo o processo histórico brasileiro. Os que se opõem à aculturação e propugnam pelo isolamento visam, na verdade, a se opor a todo o processo histórico que resultou na Nação brasileira.”
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