Li no jornal francês Le Monde ontem o seguinte artigo de Jean-Pierre Langellier, em tradução de Lana Lim (via portal UOL):
Brasil quer usar sua influência na reforma do FMI
Uma velha foto tem lugar de destaque no álbum político do futuro presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva. Na época, Lula dirigia o sindicato dos metalúrgicos. Barba preta, capacete de operário e microfone na mão, ele se dirige a uma multidão operária em um estádio no subúrbio de São Paulo. E o que ele grita, entre outros bordões? "Fora, FMI!" Essa palavra de ordem clara tinha o mérito de exprimir um sentimento popular, difundido nos anos 1980 e 1990: a recusa em ver o Brasil, em dificuldade financeira e em busca de um salvador, passar pela humilhação do Fundo Monetário Internacional (FMI), algo considerado doloroso demais do ponto de vista social.
"Na minha vida agitei tantos cartazes denunciando o FMI, e por tanto tempo pedi por uma reforma do sistema econômico mundial", observa Lula, demonstrando sua satisfação pelo fato de os acontecimentos terem lhe dado razão, ainda que às custas de uma crise sísmica. E mediando a ressurreição espetacular de um FMI que antes da tormenta muitos haviam julgado desprezível, até inútil.
Foi-se o tempo em que Lula, chefe sindicalista, e depois fundador e líder do Partido dos Trabalhadores (PT) de influências trotskistas, denunciava o egoísmo da burguesia nacional, censurava o capital estrangeiro e vilipendiava as instituições de Bretton Woods. Desde sua chegada ao poder em 2003, Lula, pelo contrário, tranquilizou as elites brasileiras e os financiadores internacionais.
Hoje, o círculo se fechou. Não é mais o FMI que socorre o Brasil, mas o inverso. "Gostaria de entrar para a História como o primeiro presidente brasileiro a dar dinheiro para o FMI. Emprestar dinheiro para o FMI, não é muito chique?", brincou Lula ao mencionar a quantia - US$ 1,3 bilhão - cedida ao Fundo por seu país, e que logo poderá ser triplicada.
Porta-bandeira respeitável e respeitado dos países emergentes, mas também do mundo em desenvolvimento ao qual ele se sente solidário, o Brasil saudou como uma vitória a elevação do G20, do qual é membro ativo, ao nível de diretório informal da economia mundial, no lugar do G7. Mas ele não se deixará hipnotizar pelos elogios insistentes do diretor do FMI, Dominique Strauss-Kahn. Ele espera muito mais do Fundo. A começar por sua democratização, que o tornará mais legítimo, como se ressalta em Brasília.
O Brasil resiste em dar reforço a um FMI dentro do qual ele continuará marginalizado. Em troca do aumento de sua cota, ele exige um maior peso eleitoral na elaboração da reforma do Fundo que deve ser aplicada antes de janeiro de 2011. Suas críticas visam sobretudo os países europeus que são "super representados" no FMI (e no Banco Mundial), que sabem disso, e que no entanto resistem à mudança.
Por exemplo, os dirigentes brasileiros questionam se é normal que seu país ainda hoje tenha menos influência que a Bélgica nas votações do FMI. "Por enquanto, nossas vitórias são parciais, precárias e em nada irreversíveis. Não se pode baixar a guarda, pois a Europa se recusa a ceder terreno", avisa Paulo Nogueira Batista Jr., diretor executivo regional do FMI, brasileiro e defensor fervoroso de uma reestruturação do Fundo.
Como o Brasil está mais bem posicionado do que outros para resistir, Lula vê na crise uma "chance fantástica para fazer com audácia tudo aquilo que não pudemos fazer durante décadas por causa dos acordos da Basileia, das regras do FMI e do Banco Mundial". Ele acrescenta: "É hora de criar nossas próprias regras". Exemplo: deixar de lado o dólar, quando possível, em benefício de outros meios de pagamento. O Brasil sustenta a ideia chinesa de criar um novo sistema de reservas monetárias, e aos poucos uma moeda de reserva "super soberana" que tornaria as economias emergentes menos dependentes das emissões fiduciárias dos Estados Unidos.
Enquanto aguarda, o Brasil preconiza o recurso às moedas locais para o comércio entre sul-americanos. Essa prática já ocorre, de forma modesta, desde outubro de 2008, entre o Brasil e a Argentina. Lula a propôs à Colômbia, à Venezuela e ao Uruguai. Ela simplifica a burocracia e diminui o custo das operações comerciais, ao mesmo tempo em que reduz a dependência em relação a um dólar volátil demais. Como a prosperidade do Brasil é muito ligada à ascensão do comércio mundial, Lula alerta contra o protecionismo, uma droga cuja "euforia é só passageira".
Frente à crise, Lula professa o otimismo, ainda que seja aplicando às vezes o método Coué [método de autossugestão por meio da repetição]. Ele diz que dopar o moral dos brasileiros faz parte de sua função. "Nós fomos os últimos a entrar na crise, e seremos os primeiros a sair", ele prevê. Saudado por Barack Obama como "o político mais popular do planeta", ele espera por um diálogo privilegiado com Washington, que reflita a liderança regional do Brasil. Lula exprime assim o sentimento crescente entre seus compatriotas de que o Brasil finalmente tem um encontro feliz com a História, ao qual ele não pode deixar de comparecer. É a forma de enterrar de uma vez por todas a velha e sombria previsão de Georges Clemenceau, que via no gigante sul-americano "um país do futuro e que continuará assim por muito tempo".
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