Li hoje no site "Terra Magazine", do jornalista Bob Fernandes, o seguinte artigo de Christopher Hitchens, jornalista, escritor e colunista de Vanity Fair e Slate Magazine. É autor do livro "Deus não é Grande: como a religião envenena tudo". Artigo distribuído pelo The New York Times Syndicate.
"Como diz a velha cantiga:
Não conte à minha mãe
Que sou um cavalo na pantomima
Não conte a ela que minha vida é uma farsa
Mas se tiver mesmo que contar
Diga que sou meio-cavalo
Mas não conte qual metade sou eu
A semana passada foi uma ocasião excepcional para se ter uma conversa com o presidente de Israel Shimon Peres. Com quase 86 anos, ele é símbolo da velha tradição do Partido Trabalhista que representa o Sionismo secular e o compromisso pela "paz através da força" com os árabes palestinos.
Se tivéssemos tempo, eu gostaria de ter perguntado a ele sobre aqueles dias em 1956, dos quais ele é a única testemunha viva, em que os governos da Grã-Bretanha, França e Israel tiveram um encontro secreto numa propriedade no interior da França para planejar a invasão do Egito. Gostaria de ter perguntado também sobre sua outra conquista no Ministério da Defesa de Israel, quando o país se tornou dono de instalações nucleares em Dimona, no deserto de Negev. (Alguns destes assuntos são mencionados em seu livro de memórias.)
Mas, como sempre, o assunto costuma ser o aqui e agora, e no momento a direita está de volta à política de Israel, com o primeiro ministro Benjamin Netanyahu formando sua coligação tênue com o governo e escolhendo como primeiro-ministro o homem - Avigdor Lieberman - que rejeita abertamente a fórmula da "terra de paz", a mesma que levou aos Acordos de Oslo de 1993 e que hoje constitui a base da diplomacia norte-americana e européia.
Lieberman e gente como ele dizem que a questão do Irã e da Palestina deve ser definitivamente separada, que o Irã deve ser reconhecido como um problema de primeira ordem e que as concessões só encorajam a milícia do Hamas e o patrocínio do Irã a ela.
As opiniões de Peres, como se percebe durante a conversa, são quase cem por cento opostas. Se um acordo puder ser alcançado para definir a situação da Palestina, diz ele, então o mundo árabe deve poder se unir para lutar contra algo que eles mesmos já veem como um problema: uma teocracia com armas nucleares no Teerã. O Irã, diz ele, não está apenas chamando a atenção para a possível destruição de um estado membro das Nações Unidas. Está procurando a "hegemonia" na região, especialmente sobre os países árabes sunitas vizinhos.
Eu perguntei se o haviam citado corretamente ao mencionar uma declaração sua para a Rádio do Exército Israelita em 2006 dizendo que o Irã deveria lembrar que ele também poderia ser "eliminado do mapa".
Com absoluta suavidade, ele me assegurou de que a declaração fora apenas um aviso para o regime iraniano de que ele não era todo-poderoso.
Em algumas frases, ele mostrou como via a situação: Da população de 66 milhões do Irã, talvez apenas a metade seja etnicamente persa. (Isto é o que eu sei de fato: Os azerbaijanos, curdos e outras minorias - incluindo muitos árabes nas províncias vizinhas ao Iraque - não são contados com exatidão e normalmente são maltratados.) Como é que 33 milhões de persas, então, poderiam dominar quase 300 milhões de árabes no resto do Oriente Médio? A resposta de Peres: "Talleyrand disse que podemos usar baionetas para conquistar mais não para sentar".
Eu estupidamente não pensei em dizer isso na época, mas esta análise de Peres reverte uma das doutrinas antigas de Israel, chamada de "doutrina da periferia". Nas fronteiras do mundo árabe (que na sua maioria cercam Israel), havia países muçulmanos como o Irã e a Turquia e muitos países cristãos como a Etiópia, que poderia servir como contrapeso. Israel possuía relações muito próximas com o Irã sob domínio do xá, e a aliança militar Israelense com a Turquia continua - apesar de algumas rusgas recentes com o regime do primeiro-ministro Erdogan, incluindo um desacordo público envolvendo Peres em Davos há alguns meses. (O que também ajuda a explicar a visão extremada de Peres de que o sofrimento dos armênios não deve ser equiparado ao holocausto judeu.)
Mas agora, a doutrina da periferia está sendo deturpada - para influenciar os árabes contra a ameaça comum de uma ditadura xiita messiânica com armamentos apocalípticos. Este é um desenvolvimento que vale a pena seguir. Vêm-me à mente alguns diplomatas árabes que dirão temer um desafio iraniano. Mas eles também tenderão a expressar um completo cansaço do progresso glacial do desenvolvimento de um estado palestino.
Eu perguntei a Peres sobre a rejeição aparente de Lieberman em aceitar Oslo como um elemento aglutinador para os futuros governos de Israel, e ele respondeu que o novo governo ainda não teve tempo de desenvolver uma política conjunta. Em seguida, eu o pressionei perguntando se ele acha que hoje em dia o surgimento do estado palestino está mais perto ou mais longe de acontecer do que na ocasião de Oslo; para o qual ele sorriu e disse que a sua opinião particular era de que este surgimento era "inevitável". Não havia alternativas, ou elas seriam pelo menos impensáveis. Neste momento eu decidi deixar de lado a minha pergunta frívola final, que teria sido: É verdade que Lauren Bacall é sua prima? Eu sei que o sobrenome de batismo dos dois é Pirsky... (a Wikipedia diz que é).
Nos corredores fora da suíte de hotel de Peres descobri que o historiador Micheal Oren seria logo anunciado como o próximo embaixador de Israel em Washington. Seu livro, "Power, Faith, and Fantasy", é um depoimento fascinante do engajamento americano com a região desde 1776, além disso, em março ele deu um discurso inflamado em Georgetown a favor de evacuar a Cisjordânia. Estar dentro do cavalo do ministério das relações estrangeiras que contém tanto Lieberman quanto Oren deve ser bastante vertiginoso. Já observar os pinotes e trotes do cavalo em que estão o primeiro ministro Netanyahu e o presidente Peres nos faz perguntar em qual metade está cada um."
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