OBS DESTE BLOG: Segundo a Wikipedia, Ozires Silva (Bauru, 8 de janeiro de 1931) é oficial da Aeronáutica e engenheiro formado pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA). Capitaneou a equipe que projetou e construiu o avião Bandeirante. Liderou em 1970 o grupo que promoveu a criação da Embraer. Deu início à produção industrial de aviões no Brasil. Presidiu a empresa até 1986, quando foi designado presidente da Petrobras, onde atuou até 1989. Em 1990, assumiu o Ministério da Infraestrutura e, em 1991, retornou à Embraer, atuando na condução do processo de privatização da empresa, concluído em 1994. Também atuou como presidente da Varig por três anos (2000-2003) e criou em 2003 a Pele Nova Biotecnologia, primeiro fruto da Academia Brasileira de Estudos Avançados, empresa focada em saúde humana cuja missão é a pesquisa, desenvolvimento e produção de tecnologias inovadoras na área de regeneração e engenharia tecidual. Em 18 de novembro de 2008, a Unimonte nomeou Ozires como seu novo reitor.
“O governo assumiu posição de dono do país ”
"RIO - O engenheiro Ozires Silva, reitor da Unimonte (Centro Universitário Monte Serrat, em Santos, SP), onde lidera o Projeto 2012 de desenvolvimento educacional, e ex-presidente da Empresa Brasileira de Aeronáutica (Embraer), está preocupado:
- Corremos o grande risco de ter muitos brasileiros como cidadãos de segunda classe nessa nova ordem mundial de conhecimento.
Segundo ele, o Brasil não está se preparando adequadamente para o atual cenário de concorrentes – países, empresas e pessoas – num mundo que está se universalizando.
Ozires Silva, em outra área de atividade, critica a concorrência internacional feita pelo país para a compra de caças pela Força Aérea Brasileira (FAB) e a intervenção estatal.
- Nós temos a terceira maior fábrica de jatos do mundo e o Brasil lançou uma concorrência internacional da qual a Embraer não participa. O governo assumiu a posição de dono do país, e não deixa ninguém fazer nada sem a autorização dele. Não libera nada, não faz e não deixa fazer.
Aos 78 anos, ele pondera que sua entrevista ao Jornal do Brasil pode ser entendida como “um monte de criticas”.
- Quero colocar uma observação: entenda isso como múltiplos desafios e múltiplas oportunidades. Fico muito preocupado, pois tenho três filhos e sete netos, e gostaria sinceramente que eles vivessem em um país melhor, mas corremos o risco de que isso não aconteça.
O que é o Projeto 2012 do Centro Universitário Monte Serrat (Unimonte), em Santos ?
- O número de qualificação média de brasileiros está caindo visivelmente, em um mundo que está se globalizando, o que significa que os nossos concorrentes, não só de empresas, mas as pessoas também, estão se universalizando. As comunicações globais fazem com que o mundo seja muito menor do que era no passado, e os concorrentes não terminam mais nas fronteiras nacionais. Existe universalização de conhecimento, da competência, da criação de produtos crescentemente com maior valor agregado. A diferença entre a matéria-prima e o produto é a dose de inteligência que é colocada em cada produção.
Este cenário preocupa?
- Ele levou nossa instituição a refletir, perguntar se a metodologia e que nós utilizamos hoje para ensinar e as ferramentas que nós oferecemos aos nossos alunos, se elas são as melhores para que eles tenham um coeficiente de aprendizagem extremamente acentuado. Obrigou-nos a fazer estudos pedagógicos, culturais e comportamentais de que certamente estamos fabricando para o futuro u m brasileiro que possa ser um vencedor neste mercado desafiante, que não é mais o brasileiro, é o mercado mundial. Nós, então, decidimos fixar um programa de trabalho, até o ano de 2012, daqui a três anos. É para que nós possamos, a partir de 2012, transmitir aos nossos alunos esse novo mundo que já está aqui, na extensão de nossa capacidade, na extensão da possibilidade.
Que riscos exigem ações assim?
- Se iniciativas dessa natureza não forem tomadas, nós corremos o grande risco de ter muitos brasileiros como cidadãos de segunda classe nessa nova ordem mundial. Os exemplos de qualificação já adotados são muitos nos Estados Unidos e na Europa, e os analistas dizem que o mundo do futuro será mais asiático, por emergência da China, emergência da Coréia.
Que situações mostram a urgência de melhorarmos a qualidade da educação?
- É um elenco bastante grande, mas tem uma situação em particular que talvez possa responder sua pergunta. Nós descobrimos que foi no final dos anos 1700, século XVIII, que pela primeira vez no mundo foi usado um quadro negro. Um quadro negro é algo que tem mais de trezentos anos de uso. Se nós olharmos a configuração de uma aula normal hoje, o professor fica 80% do tempo de costas para os alunos, usando o quadro negro, com todo esse desenvolvimento tecnológico hoje disponível.
A velocidade do aumento de conhecimento é cada vez maior
- Muitos analistas internacionais estão dizendo que o nível mundial de conhecimento está dobrando a cada dois anos. Consta que a primeira vez que o conhecimento humano dobrou foi na época de Jesus Cristo até a Renascença, o leva a uma marca de mais ou menos 1500 anos. Mediante essa avalanche de conhecimento atual, a pergunta que nos preocupa é essa: “Estamos preparando os brasileiros para lidar com esse estoque de conhecimento mundial?
Qual sua opinião?
- Acho que não, não estamos preparando. E evidentemente, se o mundo se globalizou e a tendência dele de se globalizar e se internacionalizar é cada vez maior. Nós vemos aí que as culturas internacionais estão começando a ser uma espécie de lei sobre as leis nacionais. O que era acertado em acordos bilaterais do passado está se transformando em acordos multilaterais, obrigando a participação de todos os países mundo. Isso foi proporcionado pelas comunicações internacionais inter instantâneas que nós temos hoje, provocando uma enorme revolução. Porém, essa revolução parece que não atingiu a forma de preparar as pessoas, continua sendo o bê-á-bá, dois mais dois dá quatro.
Existe uma programação do Projeto 2012
- Não, nós estamos trabalhando agora. Essa primeira etapa termina em 2012 para efetivamente nós dizermos que estamos com uma nova universidade. É um processo progressivo.
O senhor está agregando pessoas no projeto, muitas?
- Algumas em particular, mas nós estamos procurando motivar nossos professores nesse processo de mudança, porque em uma escola, nada acontece se não tiver uma cooperação, colaboração dos professores. Vamos avançar, se nós pudermos fazer uma equipe de professores que pense para frente, crie e seja capaz de formular idéias. A receptividade dos nossos professores é ótima.
O seria prioridade brasileira, além da educação?
- É a educação que faz a mudança. A resposta me parece óbvia porque, para um país crescer e desenvolver, não no sentido de riqueza pura simplesmente, mas no sentido de transferir para a sua população uma qualidade de vida superlativa, educação é fundamental. Quando falo em educação, falo em um negócio chamado infra-estrutura humana. Um país sem infra-estrutura humana adequada não vai para frente, e a outra infra-estrutura necessária é a material. Então, diria que outro item de absoluta importância é a infra-estrutura material, a exemplo de transportes.
E o papel do governo?
- Precisamos ter um sistema muito mais eficiente de funcionamento de tudo, sem as amarras que o governo coloca hoje nas ações dos cidadãos. A infra-estrutura pública é absolutamente necessária, seja nos transportes rodoviários, no movimento marítimo, seja em linhas aéreas. As três linhas principais do Brasil - TAM, Gol e Varig - visitam 49 cidades num país de 5.650 municípios. É ridículo. Tudo isso depende de concessão governamental. É preciso simplificar os processos burocráticos. O governo assumiu a posição de dono do país, e não deixa ninguém fazer nada sem a autorização dele. Não libera nada, não faz e não deixa fazer.
O senhor foi presidente da Embraer (Empresa Brasileira de Aeronáutica). Como vê a negociação de compra dos caças que o Brasil está fazendo com a França, admitida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva?
- O governo lançou uma concorrência internacional. Nós temos a terceira maior fábrica de jatos do mundo e o Brasil faz uma concorrência internacional da qual a Embraer não participa. É um pensamento que sempre prevaleceu no país, desde que fabricamos o primeiro avião, o Bandeirantes, e diziam não éramos capazes de fabricar. Quando fizemos o Tucano, disseram que nós não sabíamos fazer avião de treinamento. Aí lançamos jatos comerciais, disseram que a gente não poderia competir com as grandes empresas mundiais.
Percebe-se que o senhor fica insatisfeito com este assunto. Por quê?
- Hoje nós competimos com as empresas mundiais e estamos ganhando, e agora vem a FAB (Força Aérea Brasileira) com uma compra de aviões de combate no exterior. E estão dizendo que nós não sabemos fazer avião. Por isso que não abriram para a Embraer a concorrência. Estão incluindo a Embraer como beneficiaria de um negócio de transferência de tecnologia, como dizendo que o pessoal lá do Hemisfério Norte sabe, e nós do Hemisfério Sul não sabemos.
O que o Brasil deveria fazer?
- Nós devíamos seguir o exemplo do governo norte-americano, que não pode importar, por lei, desde 1933, no governo do presidente Franklin Roosevelt.
Os Estados Unidos importam produtos de consumo da China e de outros países...
- Se o governo americano precisa de um produto chinês, ele tem de comprar o produto de uma empresa americana. As empresas americanas têm de participar com um mínimo de 50% de mão-de-obra. Há uma razão muito simples: o governo americano determinou que ele próprio não pode transformar o dólar do contribuinte em moeda estrangeira e gerar emprego fora dos Estados Unidos. A lei, repito, determina que o governo americano tem que usar todo seu poder de compra para o desenvolvimento do mercado interno. Claro que ele pode usar produto importado, desde que o contrato seja feito por uma empresa americana e pago em dólar no mercado americano.
O Brasil deveria adotar uma política igual?
- Igual, por que não? Eu pergunto: por que você paga seu imposto e ele é transformado em euro e vai gerar emprego para um francês?
Na Europa há práticas semelhantes, também?
- Há. Nós vendemos o avião Tucano da Embraer para a Inglaterra e tivemos que fabricar lá. Não pudemos fazer aqui no Brasil.
O Brasil tem condições de fazer seus caças aqui?
- Eu pergunto para você: os Estados Unidos tem condições de fazer seus caças? A Inglaterra tem? A Suécia tem? A França tem? Sim, nós temos. Temos, afirmo novamente, a terceira maior empresa fabricante de aviões do mundo. Sinceramente, eu fico surpreso. Ninguém pergunta se os chineses são capazes de fazer isso ou aquilo. Mas se é uma empresa brasileira já falam “não tem condições de fazer”. Por quê?
Há quem diga que temos uma herança colonial de impedir o desenvolvimento da indústria.
- Há 500 anos vivemos em um país, há cerca de duzentos anos somos independentes e nós ainda estamos culpando os portugueses? Não. Eu diria o seguinte: por que não questionamos a negociação desses caças? Ninguém questiona que o coreano pode fazer um automóvel, que o chinês possa fazer os produtos para nós, que a Tailândia possa vender aqui, que o Marrocos faça camisa para brasileiros. Não questionamos. Agora, questionamos tudo o que a indústria brasileira possa fazer. Não tem sentido isso. E mais: O governo americano não tem nem câmbio, não pode transformar o dólar em outra moeda, não pode transformar o dólar em euro, não pode, é ilegal. E aqui, sem a menor cerimônia, o governo brasileiro pega o seu imposto e gera emprego para um cara lá fora, para concorrer com seu filho aqui.
O que o senhor espera de 2010 no Brasil?
- O Brasil não tem planejamento. O dono do Brasil é o governo, não é verdade? Essa pergunta coloca um problema fundamental: o que as pessoas esperam? Essa palavra é muito ruim, a gente tem que perguntar ao cidadão brasileiro “o que você quer fazer em 2010”? “E que possa fazer?” Esperar é ficar parado; quem espera é poste. Eu tento entender o contexto em que estou vivendo e lanço os meus problemas. Na área educacional, estou pensando em 2012, acho 2010 muito próximo, temos que pensar em 2015/2020. Nós temos que ter planejamento que ultrapassem os governos. Hoje, os produtos estão ficando cada vez mais complexos. O ciclo de criação, de concepção e de desenvolvimento de produtos cresceu enormemente e isso ultrapassa os anos fiscais, ultrapassa de longe todas essas micro analises do momento atual.
O senhor acredita que tem muitas pessoas no Brasil seguem na mesma direção pensada pelo senhor?
- Devem existir muitos, porque precisa. Um empresário hoje no mundo não pode fazer nenhum produto se não tiver uma visão de longo prazo. Com a velocidade com que as coisas estão mudando, e a velocidade com que novos produtos entram no mercado, ou ele encontra um lugar para fabricar e chegar de uma forma competitiva, ou ele já está com a empresa dele condenada.
Qual o exemplo existente na indústria de aviação?
- O avião é um produto complexo desde a concepção até as vendas, em operações que podem ocorrer de cinco a dez anos. Vamos supor que nós dois agora podemos projetar um avião, para voar em 2015/2020. Que tipo de avião estará voando em 2015/2020? Um empresário que está tentando fazer um automóvel e coisas dessa natureza, produtos complexos, eletrônicos, computadores, etc., tem de pensar cinco ou seis anos na frente.
Se olharmos o passado recente, os disquetes de computador, por exemplo, praticamente desapareceram. A evolução é muito rápida.
- Nós podemos entender essa linha de entrevista como um monte de critica. Quero colocar uma observação: entenda isso como múltiplos desafios e múltiplas oportunidades. Nós não podemos ficar parados, esse cenário é visível, ele está de pé. Esse cenário prontinho, vem vindo novas nações emergentes aí, que vão seguir caminho, tipo China, tipo Coréia.
O que o deixa frustrado?
- A pergunta que eu fico frustrado em tentar responder é “o que nós estamos fazendo?” Temos um Presidente da República que goza do maior prestígio histórico, de acordo com a opinião pública. Se ele não usar esse prestígio para fazer essas reformas todas, que julgamento nós podemos fazer desse presidente? Ele tem que entender isso como uma enorme responsabilidade de prover para essa população, que acredita nele, com as melhores condições de vida em um mundo competitivo que hoje é global e não mais nacional.
Qual o papel dos políticos?
- É engraçado que nossos políticos, de um modo geral, cultivam vitórias pessoais e acham que isso é suficiente. Eu diria que cada vitória representa uma enorme responsabilidade em relação ao futuro, porque esse pessoal, por menos que eles considerem isso, é pago por nós. Fico muito preocupado, pois tenho três filhos e sete netos, e gostaria sinceramente que eles vivessem em um país melhor, mas corremos o risco de que isso não aconteça. Um alto risco. Para que o país possa crescer, é preciso criar um mecanismo de cultura. Em 1989 estive na China, junto com uma equipe liderada por Peter Grove, para fazer um plano de desenvolvimento para a China. A China estava planejando fazer o que está fazendo hoje, não é impressionante? Estamos falando de vinte anos. Nós estamos planejando os próximos 20 anos no Brasil, como eu vi na China em 1989? Não, não estamos.
O Brasil ocupa o 75º lugar no IDH, o Índice de Desenvolvimento Humano.
- Vou até mais longe. Veja no site do Banco Mundial (www.doingbusiness.org): estudo mostra que o Brasil, na melhor posição, é o 123º de uma lista de 181 países, no sentido de promoção e realização de negócios. Foram colocaram 50 ou 60 parâmetros de comparação entre os países. E sabe quais países estão liderando esse índice mundial de promoção de negócios? Hong Kong, Cingapura, Estados Unidos, China, estão liderando. Nós, por exemplo, para abrir uma empresa, precisamos de cento e cinqüenta e dois papéis. Um absurdo."
FONTE: reportagem de José Aparecido Miguel publicada no Jornal do Brasil de hoje (18/10). [exceto título e dados da Wikipedia, adicionados por este blog]
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