domingo, 18 de outubro de 2009

ENTREVISTA COM O PREMIÊ DO IRAQUE, "MARIONETE" DAS TROPAS INVASORAS DOS EUA

"Segurança virá com melhora da economia"

Em entrevista à Folha, premiê do Iraque, que busca reeleição, exalta realizações de seu governo e diz já não precisar de tropas dos EUA

Nuri al Maliki diz que quem sente saudades dos tempos de Saddam tem ligação com o antigo regime e reclama de ingerência estrangeira


"O Iraque só conseguirá emergir da violência quando a economia trouxer melhorias na vida da população, o que deve levar de dois a três anos. O diagnóstico é do primeiro-ministro Nuri al Maliki, que tentará permanecer mais quatro anos no cargo que ocupa desde 2006 após as eleições de 16 de janeiro do ano que vem. Maliki recebeu a Folha durante 30 minutos no complexo onde mora e trabalha, na Zona Verde, área ultraprotegida de Bagdá que abriga prédios oficiais e embaixadas. Os procedimentos de segurança para entrar no local duraram o mesmo tempo da conversa e incluíram o confisco da caneta do repórter, que recebeu uma outra fornecida por um guarda-costas. Na entrevista dada em árabe com tradução para o português, Maliki, 59, pareceu cansado e abatido, num provável reflexo da pressão a qual está submetido às vésperas de uma eleição de desfecho incerto. O premiê, membro do partido xiita Dawa, vem articulando com o governo americano desde 2007 a estratégia que conseguiu diminuir drasticamente o nível da violência. Mas os atentados de 19 de setembro em Bagdá, que deixaram 101 mortos, mostraram que a paz está longe. Para Maliki, o Iraque de hoje, apesar da insegurança, é incomparavelmente melhor que na época de Saddam Hussein, o ditador deposto na invasão americana de 2003.

FOLHA - Quais são os maiores êxitos e as maiores frustrações de sua gestão?

NURI AL MALIKI -
Assumi o governo tendo como prioridade absoluta a segurança e a revitalização do Estado. O regime anterior havia arruinado a economia e exterminado milhares de pessoas, obrigando muita gente a emigrar ao exterior. O governo passado também minou a indústria petroleira, deixando sucateada a capacidade de produção. Esse contexto era muito desfavorável para a entrada de investimentos no país e ajudou a semear as bases para a insegurança e os atentados terroristas [após a queda do regime]. Conseguimos bons resultados em matéria de segurança, e esse é só o primeiro passo para alcançar outros objetivos. Com a melhora na segurança, os iraquianos do exterior voltaram, e criamos um terreno propício para a reconstrução e a entrada de investimentos para empresas estrangeiras e iraquianas. A vida está se normalizando, e a indústria voltou a produzir, inclusive petróleo e gás. As disputas étnicas estão sob controle. Sem segurança, nem sequer estaríamos falando sobre investimentos e economia. Mas temos trabalho pela frente. É preciso continuar nossos esforços para combater as quadrilhas que tentam desestabilizar o país.

FOLHA - O que responde aos iraquianos que dizem que a vida na época de Saddam era melhor, pois não havia violência?

MALIKI -
Não respondo nada. Só posso dizer que houve no antigo regime uma sucessão de guerras. Uma durou oito anos [contra o Irã] e matou milhões de pessoas forçadas a ir para o front. Depois houve mais duas, uma na entrada e outra na retirada do Kuwait. E a tal segurança interna na verdade era uma fachada para matanças e perseguições. Pessoas que têm saudade daquela época certamente eram ligadas ao regime anterior. Essa gente não falaria essas coisas se tivesse sofrido ataques biológicos ou sido enterrada viva aos montes. Como ter saudade de um tempo em que um médico ganhava US$ 7 ao mês? Hoje um médico não ganha menos de US$ 700. É verdade que em 2005 e 2006 tivemos problemas de segurança, mas quem deixou terroristas entrarem no país foi o regime antigo, para semear a instabilidade.

FOLHA - O sr. atribui os últimos atentados ocorridos no Iraque a países vizinhos?

MALIKI -
A interferência desses países é bem anterior aos ataques de 19 de agosto. Já lhes pedimos que parem de se imiscuir nos nossos assuntos e que, como o caso da Síria, deixem de abrigar organizações nefastas para o Iraque. Alguns países vizinhos acharam que poderiam aproveitar a saída das tropas americanas das ruas para interferir diretamente na política iraquiana. O Iraque tem provas dessas tentativas de envolvimento nos nossos assuntos internos. Mas agora o Iraque está cogitando pleitear os seus direitos nas organizações jurídicas internacionais [a Síria pode ser processada no Tribunal Penal Internacional]. Os atentados contra os ministérios do Exterior e das Finanças só podem ter sido orquestrados por um Estado. Uma pessoa jamais poderia realizar ataques desse porte sem ajuda de um governo.

FOLHA - O Irã é o maior fator de instabilidade no Iraque?

MALIKI -
Todos os países vizinhos têm alguma culpa, mas Irã e Síria nos preocupam mais, pelo fato de estarem envolvidos nas nossas disputas étnicas e por terem problemas com os EUA. Na verdade, a interferência iraniana diminuiu após a retirada dos americanos para as bases. Mas a influência militar da Síria aumentou.

Já em termos de interferência política, todos os países querem palpitar, mas nós jamais permitiremos isso. E, se as etnias tiverem algum problema entre elas, que tratem de resolvê-lo fora do Iraque.

FOLHA - O sr. não teme que o Curdistão, com suas instituições e economia cada vez mais fortes, esteja virando uma espécie de país dentro do Iraque?

MALIKI -
Isso jamais acontecerá. O Iraque é um país único e indivisível. Em sistemas federativos, os Estados têm suas próprias bandeiras, sempre colocadas ao lado da do país. O regime e a política do norte estão totalmente submetidos às leis do governo central. Não toleraremos nenhum passo fora dessa regra. Há assuntos ainda em descompasso, mas estamos corrigindo as coisas diariamente, sempre no âmbito da Constituição iraquiana [adotada em 2005].

FOLHA - O que aconteceria se todos os soldados americanos saíssem hoje do país?

MALIKI -
Não aconteceria nada. A situação seria a mesma de hoje. Até mesmo antes de 30 de junho [data da retirada dos EUA das ruas iraquianas], a segurança já estava sob controle do governo iraquiano. Foram as nossas forças que acabaram com as quadrilhas e terroristas. Com o fim da Al Qaeda e do Baath [partido de Saddam Hussein, socialista], não era mais necessário o uso da força pesada com tanques etc. Agora a luta está nas mãos da inteligência e da polícia secreta. Em caso de necessidade, podemos pedir caminhões e força pesada aos americanos.

FOLHA - Quanto tempo levará até o Iraque ser um país totalmente seguro e estável?

MALIKI -
A situação está amarrada. Para termos segurança, temos que nos focar nos investimentos e na economia. Não haverá segurança sem conquistas para a população. É preciso acabar com o desemprego. É preciso mudar a cultura do povo iraquiano em relação às divisões sectárias. É preciso riscar de vez o passado. O problema é que vários países tentam se imiscuir nos assuntos iraquianos nas vésperas das eleições. Nossa polícia secreta conseguiu impedir muitos desses esforços, mostrando ser totalmente capaz de administrar a segurança no país depois que as tropas americanas se recolheram para as suas bases. Claro que casos isolados de ataques ainda podem vir a acontecer, mas acho que, dentro de dois ou três anos, com ajuda do crescimento econômico, chegaremos a uma situação de total controle.

FOLHA - O acordo petrolífero com a China sem licitação gerou criticas das grandes potências, e o governo iraquiano é acusado de não ter regras claras na concessão de contratos petroleiros no Iraque.

MALIKI -
Aquilo foi uma decisão soberana, não aceitamos interferência de nenhum país. O acordo foi assinado por mim pessoalmente, não pelo Ministério do Petróleo. Trata-se de um pacto estabelecido no governo passado, e que nós tratamos de melhorar. É um contrato bom para o Iraque. Todos os nossos acordos são transparentes, e não temos nada a esconder. As negociações ocorrem no estrito respeito das leis iraquianas de petróleo. Não fizemos acordo político com nenhum país, embora fosse do nosso interesse fazê-lo."

FONTE: reportagem de Samy Adghirni [exceto título, acrescentado por este blog], enviado especial da Folha de São Paulo a Bagdá. Publicada hoje (18/10) na Folha.

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