Sobre os sacrifícios que Dilma pode e deve realizar
Talvez, o petista tenha intuído que, ao atacar o adversário, poderia fortalecê-lo. Talvez fosse ingênuo o suficiente para acreditar que poderia contar com o apoio eventual da bancada do PSDB na Câmara dos Deputados. Tendo vivenciado o que ocorreu com Jânio Quadros, talvez Lula tenha concluído que não deveria enfiar a faca até o cabo no barriga do adversário. Quem costuma fazer isso, fica exposto à máxima fragilidade político-partidária no momento de maior necessidade de apoio (foi o que ocorreu quando Jânio Quadros renunciou, acreditando que poderia voltar ao poder fortalecido).
O fato é que, em nome de um suposto republicanismo, Lula evitou o revanchismo ou não quis transformar FHC numa vítima sacrificial. Numa República, contudo, ninguém deveria ficar acima da Lei. E o fato de FHC e sua quadrilha [do PSDB e DEM] terem sido poupados é a verdadeira gênese da crise que atormenta o governo Dilma Rousseff. Ela não pode atingir FHC [e o PSDB], que enfia a faca na barriga de Dilma Rousseff porque sabe ser beneficiário da prescrição por falta de ação estatal oportuna contra os crimes cometidos no governo dele.
A vítima sacrificial poupada por Lula se esforça agora para sacrificar a herdeira política do ex-presidente. Se Dilma Rousseff cair, o pais mergulhará no caos e até mesmo as pretensões eleitorais de Lula serão comprometidas. Isso se ele mesmo não for totalmente enredado pelas conspirações jornalístico-policiais que têm sido tecidas para prendê-lo, impedindo sua candidatura. Sujar a ficha de Lula seria a maior vingança de FHC, cuja ficha ficou limpa justamente porque não foi perseguido depois que passou a faixa para ele.
Política e religião são fenômenos diferentes e, paradoxalmente, semelhantes. Os religiosos olham para o passado, os políticos olham para o futuro, mas ambos atuam no presente para organizar, suavizar e pacificar a vida em sociedade. Política e religião são, portanto, os dois espaços criados pelos homens para permitir que eles convivam uns com os outros de maneira estável a fim de que possam criar seus filhos e, eventualmente, desfrutar seus netos.
Muito embora o sagrado (campo da religião) e o profano (campo da política) estejam separados, na Cidade Antiga ambos caminhavam juntos. A autoridade do líder que deveria comandar homens e não poderia obter a sujeição de todos mediante violência, nascia tanto da política quanto da religião. Por isso, não era incomum a mesma pessoa transitar entre os dois campos. Júlio Caesar foi eleito Consul de Roma, mas antes disso ele foi Flamen Dialis https://pt.wikipedia.org/wiki/Fl%C3%A2mine_dial. Aquele que um dia foi encarregado de organizar as festas e os sacrifícios em honra de Júpiter organizaria exércitos e sacrificaria milhares de homens durante a Guerra da Gália e na Guerra Civil. Não causa estranhamento o assassinato de Júlio Caesar no Senado ter se revestido de um caráter expiatório e, portanto, sacrificial e religioso.
“...como bem mostrou R. Smith, o puro e o impuro não são contrários que se excluem, mas dois aspectos da mesma realidade religiosa. As forças religiosas se caracterizam por sua intensidade, sua importância, sua dignidade e por conseguinte são separadas. É isso o que as constitui, mas o sentido no qual são exercidas não é necessariamente predeterminado por sua natureza. Elas podem ser exercidas tanto para o bem quanto para o mal, o que depende das circunstâncias, dos ritos empregados etc. Assim se explica como o mesmo mecanismo pode satisfazer necessidades religiosas extremamente diferentes. Ele tem a mesma ambiguidade das próprias forças religiosas. É apto ao bem e ao mal; a vítima representa tanto a morte quanto a vida, a doença e a saúde, o pecado e o mérito, a falsidade e a verdade. Ela é o meio de concentração do religioso: exprime-o, encarna-o, transporta-o. É agindo sobre ela que se age sobre ele, que se dirige o religioso, seja atraindo-o e absorvendo-o, seja expulsando-o e eliminando-o. E explica-se do mesmo modo que, por procedimentos apropriados, essas duas formas da religiosidade possam se transformar uma na outra e que, em alguns casos, ritos que parecem opostos sejam às vezes quase indiscerníveis.” ("Sobre o Sacrifício", Marcel Mauss e Henri Hubert, editora Cosacnaify, 2013, São Paulo, p. 66-67)
José Dirceu foi condenado sem provas, porque não provou sua inocência com base "na literatura" e sob a influência evidente de uma teoria jurídica alemã que, além de ter sido distorcida, não se ajusta muito bem aos princípios constitucionais do direito penal e do direito processual penal. Nenhum tucano foi julgado da mesma forma que ele. Portanto, podemos concluir que José Dirceu foi sacrificado http://jornalggn.com.br/blog/fabio-de-oliveira-ribeiro/jose-dirceu-a-vit....
O sucesso do sacrifício de José Dirceu parece ter animado os mestres que movimentam a cordinhas da oposição. Eles se empenham agora para sacrificar Dilma Rousseff e Lula. Sacrificariam a própria democracia se tivessem maioria no STF.
No Brasil, política e religião voltaram a caminhar juntas. Mas a finalidade dessa estranha reunião do sagrado e do profano promovida pelo PSDB (um partido que se diz laico) não é unir o país e sim provocar o oposto. Aqueles que sacrificam os líderes do povo querem, na verdade, fazer com que o povo sacrifique a si mesmo numa Guerra Civil. Talvez esteja na hora de Dilma Rousseff retirar as luvas e exercer o poder em que está investida. Nunca antes no Brasil a vida de tantos e a preservação da unidade territorial do país dependeu do sacrifício de algumas aves agourentas e envelhecidas."
FONTE: escrito por Fábio de Oliveira Ribeiro no "Jornal GGN" (http://jornalggn.com.br/blog/fabio-de-oliveira-ribeiro/sobre-os-sacrificios-que-dilma-pode-e-deve-realizar-por-fabio-de-oliveira-ribeiro).
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