Li hoje no site “Carta Maior” o seguinte artigo de Argemiro Ferreira. O autor é jornalista. Desde a década de 1980, escreve para o diário Tribuna da Imprensa, do Rio de Janeiro. É autor dos livros "Informação e Dominação" (edição do Sindicato de Jornalistas do Rio de Janeiro, 1982 - esgotado), "Caça às Bruxas - Macartismo: Uma Tragédia Americana" (L&PM, Porto Alegre, 1989), "O Império Contra-Ataca - As guerras de George W. Bush antes e depois do 11 de setembro" (Paz e Terra, São Paulo, 2004):
“Foi sensato o comentário de B. Mull, da Califórnia, recomendado pelos editores do Times e por 184 leitores (até 7 da noite de domingo): “Por que é tão engraçado um operário, torneiro mecânico, ser presidente? Por que é tão divertido Lula dizer o que bilhões de pessoas pensam hoje? Aposto que não ia parecer piada se parentes de vocês estivessem morrendo de cólera porque em Nova York um banqueiro irresponsável decidiu brincar de roleta e falir o país deles.” O artigo é de Argemiro Ferreira.
Que me desculpem os tucanos (e demo-pefelês), mas a cada gesto ou palavra do nosso imprevisível torneiro mecânico sem dedo e monoglota que choca o mundo, menos por soar ofensivo do que por oferecer a franqueza dura da verdade, não consigo deixar de pensar na humilhação de FHC, o farol de Alexandria, que se orgulha de ter feito tanto para enfeitar a imagem de seu país aos olhos dos ricos do mundo.
Essa reflexão é sugerida pela coluna bem humorada de Maureen Dowd, no New York Times de domingo, sobre o desabafo de Lula contra os banqueiros gananciosos de olhos azuis que criaram a atual crise mundial (título: “Blue Eyed Greed?”). Referiu-se ainda ao ataque do império Murdoch de mídia (New York Post, “Fox News”), que chamava Saddam de “açougueiro de Bagdá” e agora chama Lula de “Brazil nut” e “Lula lulu”.
Pobre FHC, deve estar corado de vergonha. É admirável o esforço dele para vender um Brasil culto aos ricos e sofisticados, convencendo-os de que não somos bugres como eles imaginam. Não viveram aqui Villalobos, Machado, Drummond, Niemeyer, Portinari? E quantos países tiveram a honra de eleger presidente um sociólogo, PhD e tudo, ainda hoje ativo e faturando feitos acadêmicos, honorários ou não?
UMA MUDANÇA DE QUALIDADE
Era comovente, no passado recente, o esforço da presidência FHC para paparicar a banda desenvolvida do mundo - como se isso nos tornasse parte dela, com nossa respeitável bagagem intelectual. Clinton conseguiu dele, pelo telefone, o contrato do Sivam para a Raytheon. Bush não falava diretamente mas mandava bagrinhos tipo John Bolton exigir a cabeça de embaixadores como José Maurício Bustani.
Uma vez, ao desembarcar nos EUA, FHC deparou com anúncio de página inteira da indústria farmacêutica no Wall Street Journal acusando o Brasil de “pirata de patentes”. Prometeu dobrar o Congresso e aprovar a lei exigida pela indústria. Cumpriu. Depois veio a onda de privatizações, uma orgia romana. E o que resultou de tantos agrados? Elogios a ele na TV. De Barbara Walters, Lou Dobbs, essa gente.
Tem sido assim há décadas com governantes do que os EUA chamam de “países amigos” do continente. Hoje é diferente. O recado mudou. Passamos dos agrados com lamúrias ao realismo da cobrança, em outro tom. Quando o país faz o dever de casa, pode falar grosso - e questionar. E se passou a exercer papel relevante em fóruns internacionais e sua liderança política é respeitada, o quadro muda.
IRONIA É BOM MAS NÃO IMPRIME
No salão Oval da Casa Branca, dia 14, Lula falou como um presidente que já tem o que mostrar no campo da energia alternativa - pois já começou a realizar uma das promessas do presidente dos EUA aos americanos na campanha. “Acho que o Brasil demonstra extraordinária liderança em biocombustíveis. Sou um grande admirador do que fez o presidente Lula para desenvolvê-los”, reconheceu Obama.
Lula foi franco. Disse não entender porque, quando o mundo está preocupado com mudanças climáticas e com as emissões de gases que causam o efeito estufa, são impostas tarifas ao combustível limpo, como o etanol brasileiro (não mérito apenas de seu governo, como observou, mas um trabalho de “30 anos de controle tecnológico e know-how nesse campo”).
Mesmo declarando admiração pela “liderança progressista” de Lula na América Latina e no mundo, Obama respondeu que a situação das tarifas sobre o etanol não mudaria da noite para o dia, mas pode ser resolvida na medida em que evolua a troca de idéias sobre o comércio. O que foi entendido por Lula como “um processo”, no qual outros países, aos poucos, vão somar-se ao esforço.
Volto à colunista do Times. Ironia é seu forte. Mas como ironia não imprime, ela acabou castigada nos comentários de leitores da versão online. Eles não acharam graça no ressentimento de Dowd (que tem olhos castanhos) contra os próprios irmãos, de olhos azuis. E ela ainda citou os abomináveis olhos azuis de Bush e Cheney (chamada a ratificar, a filha do ex-vice, Liz Cheney, alegou com humor ser a informação “classificada”).
AQUELES DEMÔNIOS DA GANÂNCIA
A colunista contou mais histórias sarcásticas. Mas a reação dos leitores foi implacável. Suspeitei da cor dos olhos deles, já que foram levados a ver um racismo abjeto nas palavras de Lula. “É uma referência aberta e direta à expressão racista ‘demônio de olhos azuis’. E ao dizê-lo ele sabia muito bem disso”, esbravejou Katherine, de Atlanta, num comentário elogiado por mais 29 leitores.
Havia muita irritação e mau humor nessa e em outras críticas ao suposto racismo de Lula. Estranhei. Que diabo, essa mesma elite branca (supostamente de olhos azuis) inventou a campanha contra os odiados “politicamente corretos”, horrorosamente favoráveis ao que é justo e honesto. Ela julga ter conquistado, entre outras coisas, o direito de usar expressões racistas ofensivas a negros, índios, asiáticos e minorias em geral.
De qualquer forma, foi sensato o comentário de B. Mull, da Califórnia, recomendado pelos editores do Times e por 184 leitores (até 7 da noite de domingo): “Por que é tão engraçado um operário, torneiro mecânico, ser presidente? Por que é tão divertido Lula dizer o que bilhões de pessoas pensam hoje? Aposto que não ia parecer piada se parentes de vocês estivessem morrendo de cólera porque em Nova York um banqueiro irresponsável decidiu brincar de roleta e falir o país deles.”
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