O jornal francês Le Monde ontem publicou o seguinte artigo de Pierre-Antoine Delhomme (li no “vermelho”):
Aqui está a prova definitiva de que esta crise econômica é formidável: ela afeta não apenas os mais modestos, como ocorre em uma recessão clássica, mas também os ricos. Os pobres! Infelizes vítimas da queda simultânea de imóveis, ações e matérias-primas, das vigarices de Bernard Madoff, do alvoroço nos fundos de hedge, bônus e stock-options que viraram fumaça. Infelizes vítimas de uma crise subprime que cortou como nunca os seus rendimentos e jogou por terra seu patrimônio.
A história é de qualquer forma bem maliciosa, ao determinar que tenham sido os americanos pobres, que se endividaram para comprar sua casinha, os causadores de tantas pequenas misérias para os ricos do planeta. Por uma vez na vida, a mão invisível do mercado foi também a da justiça. Tal como o fora durante a Grande Depressão, quando a crise limou as grandes fortunas tão implacavelmente como esfomeava a milhões. Os Estados Unidos tinham 39 mil milionários em 1929, e 11.800 apenas dez anos mais tarde.
Estamos agora assistindo à mesma hecatombe. Um estudo da empresa Spectrem Group, citado no dossiê especial que The Economist acaba de dedicar aos ricos, calculou que os Estados Unidos tinham no final de 2008 entre 6 e 7 milhões de milionários, contra 9,2 milhões um ano antes.
Globalmente, o consultor Oliver Wyman acredita que os ricos tenham perdido em um ano US$ 6,6 trilhões, um quarto da sua fortuna. As fortunas dos ultrarricos, bilionários, derreteram, de acordo com a revista Forbes, de US$ 4,4 trilhões para US$ 2,4 bilhões; seu número retrocedeu de 1.125 para 793.
Em suma, este minúsculo país, um enclave de luxo onde os rios de champanhe serpenteiam aprazivelmente por entre colinas de pedras preciosas, este pequeno território que o escritor Robert Frank apelidou belamente de ''Riquistão''... está devastado. E ele enterra seus mortos.
A crise atingiu indistintamente todos os endinheirados: o oligarca russo, o príncipe saudita, passando pelos operadores de Wall Street, os herdeiros – e herdeiras –, os self-made-men e os novos ricos. Causou estragos nas empresas especializadas no fabrico de sinais exteriores de riqueza: diamantes, alta costura, relógios suíços, palácios, armadores de iates e proprietários de grandes vinhos classificados.
Todo esse pequeno mundo sofre em silêncio. E observa, com alguma inquietação a ira que cresce contra eles, em uma opinião pública erroneamente persuadida de que se aproveitam da crise para enriquecer ainda mais.
A explosão da bolha do mercado de crédito esvaziou também a riqueza que se formara junto com ela. A riqueza combinada das 400 pessoas mais ricas do mundo chegava em 1982 a US$ 92 bilhões; em 2006 alcançava US$ 1,9 trilhão.
Junto com a bolha riqueza, estourou também a das desigualdades. Pelo menos é uma boa notícia na frente política. Em termos de eficiência econômica, não se sabe, pois os estudos mais recentes da OCDE não conseguiram estabelecer uma correlação precisa entre nível de crescimento e nível de desigualdade .
No entanto, sabe-se que estas últimas tinham aumentado em proporções inéditas nos últimos trinta anos, na maioria dos países industrializados. A diferença entre a renda de um alto executivo e um assalariado, nos Estados Unidos, era de 1 para 40 em 1980, mas chegou a 1 para 411 em 2005. O resultado foi espetacular para os 300 mil americanos no topo da pirâmide, que naquele ano ganharam o mesmo que os 150 milhões de americanos no andar de baixo. Na França, onde o fenômeno surgiu mais recentemente, o economista Camille Landais calculou que, entre 1998 e 2006, enquanto a renda média dos 90% franceses mais pobres ficou quase estagnada, a dos 10% mais ricos aumentou 8,7%; e, principalmente, a do 0,01% mais rico decolou 42,6%.
É esta máquina de produzir desigualdade e ultrarricos que a crise do subprime pode ter quebrado. Levará tempo para reconstruí-la. Porque o pior ainda pode estar por vir para essas ''estrelas'' do mercado que operam nas finanças, indústria, publicidade, música ou esportes. Não só porque os paraísos fiscais – onde muitos tinham tomado o mau hábito de colocar as suas economias – vão se tornar menos paradisíacos. Mas também porque os Estados estão em busca de dinheiro para financiar seus planos de retomada. E estão especialmente ansiosos para curar os cidadãos nauseados com os proventos anuais de muitos e muitos milhões.
O economista Thomas Piketty recorda que Franklin Roosevelt, assim que chegou à Casa Branca, em 1933, mais que dobrou o imposto federal sobre a renda dos mais ricos, de 25% para 63%, e em 1941 elevou-o para 91%. Ele permaneceu acima dos 70% até o início da década de 1980, quando Reagan puxou-o para cerca de 30%.
A questão é saber se, com altos níveis de tributação dos superricos, os empreendedores empreenderão o bastante, os criadores criarão... E, acima de tudo, se Thierry Henry, Samuel Eto'o e Lionel Messi [craques de futebol ultra bem pagos] continuarão a fazer gols como antes.”
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