quarta-feira, 4 de julho de 2012

VENEZUELA E PARAGUAI EM DEZ LIÇÕES


“A incorporação da Venezuela ao MERCOSUL não só abre possibilidades, mas oficializa situação existente. Quanto ao Paraguai, é interessante ler artigo de Alfredo Boccia Paz, no jornal “Ultima Hora”, de Assunção: “A crise atual dividiu de maneira profunda a sociedade paraguaia. Só nas décadas de trinta ou quarenta do século passado houve conflitos políticos com um rasgo ideológico tão marcado. Foi a resolução dramática de estranha singularidade nacional: um presidente que se dizia socialista, à frente de um país com matriz social e política extremamente conservadora".

 

O artigo é de Martín Granovsky


Buenos Aires - A Venezuela será membro pleno do MERCOSUL em 31 de julho e o Paraguai foi suspenso do bloco até as eleições de abril próximo. As duas notícias ficaram ligadas porque o Senado paraguaio era o responsável por barrar a incorporação da Venezuela, mas o protocolo entre o MERCOSUL e Caracas foi assinado em 2006. À época, o presidente paraguaio não era o centro-esquerdista Fernando Lugo, mas Nicanor Duarte Frutos, um colorado da ala que não tem vínculos com os herdeiros do regime ditatorial que, entre 1954 e 1989, foi encabeçado por Alfredo Stroessner.

Tomando Venezuela e Paraguai como tema de análise, sobretudo depois da sexta-feira, 22 de junho, quando Lugo foi destituído, ficam algumas notas soltas que podem ser ligadas assim:

1- Em termos comerciais, a incorporação da Venezuela não só abre possibilidades, mas oficializa situação existente. Em 2003, quando, primeiro, Luiz Inácio Lula da Silva e, em seguida, Néstor Kirchner assumiram a presidência, a Venezuela importava de países do MERCOSUL um total de 916 milhões de dólares. Em 2010, já eram US$ 5,891 bilhões, US$ 1,24 bilhões da Argentina. Também aumentaram as exportações: de 278 milhões de dólares para US$ 1,562 bilhões em 2010. Quer dizer que o volume total de comércio passou então, nesses sete anos de 1,194 para 7,453 bilhões de dólares. Aumentou em mais de seis vezes.

2 - A venezuelana PDVSA e a brasileira Petrobras, associadas, poderiam ser a primeira empresa petrolífera do mundo. Uma YPF reconstruída, mesmo em outra escala, poderia ser parte desse conglomerado gigante.

3 - O MERCOSUL se enriquece com um sócio aberto para a região andina, como acontece com o Brasil e sua participação no grupo negociador multilateral dos BRICS, junto com a Rússia, a Índia, a China e a África do Sul.

4 - O Brasil e a Venezuela são países fronteiriços que já desenvolveram projetos importantes de integração física: a rodovia que comunicará a cidade amazônica de Manaus com a Venezuela, a interconexão ferroviária do sudeste de Venezuela ao norte do Brasil e a interconexão elétrica entre a empresa venezuelana “Del Gurí” e Manaus, que ainda é zona franca e centro industrial.

5 – Apesar do incômodo que sentiram os governos da Argentina e do Brasil pela ocasião utilizada por Samuel Pinheiro Guimarães para renunciar ao seu cargo de Alto Representante do MERCOSUL – a cúpula dedicada, por força, ao caso paraguaio –, no documento que ele escreveu figura um argumento interessante para colocar à discussão pública: “Apesar de sua importância política, a ‘União Sul-americana de Nações’ não pode ser a pedra fundamental para a construção de um bloco econômico da América do Sul”. Também recomendou a incorporação da Venezuela e a adesão gradual do Equador, Bolívia, Suriname e Guiana. Peru e Colômbia assinaram tratados de livre comércio com terceiros países [EUA].

Em um mundo cada vez mais multipolar, o fortalecimento de um bloco econômico próprio deveria se apoiar no desenvolvimento de infraestrutura comum e na industrialização. Ambas equilibrariam o fato, negativo, de que “as facilidades de importações e a grande demanda de produtos agrícolas e minerais retira estímulos a novos empreendimentos na indústria e à atração de maiores investimentos nos setores mineiro e agropecuário”.

6 - O governo paraguaio foi suspenso do MERCOSUL até as eleições de abril próximo. Não foi expulso nem bloqueado, duas alternativas que, na verdade, nem sequer foram cogitadas em nível de governos. O ex-presidente Fernando Lugo tenta, agora, aproveitar a suspensão para ganhar margem de manobra maior em seu plano de reconstruir ou edificar força própria que lhe permita encarar as eleições, talvez como candidato a senador em uma chapa com um candidato a presidente que poderia ser o ex-jornalista Mario Ferreiro.

7 – Enquanto o Paraguai encara seu futuro, é interessante ler o começo de um artigo de Alfredo Boccia Paz (um dos médicos que tratou de Lugo, historiador, jornalista) no jornal “Ultima Hora”, de Assunção: “A crise atual dividiu de maneira profunda a sociedade paraguaia. Só nas décadas de trinta ou quarenta do século passado houve conflitos políticos com um rasgo ideológico tão marcado. Foi a resolução dramática de estranha singularidade nacional: um presidente que se dizia socialista, à frente de um país com matriz social e política extremamente conservadora. (...) à coalizão conservadora se somaram poderosas forças externas, como os sindicatos empresariais, a hierarquia católica e boa parte da imprensa comercial. Isso contrasta com realidade submersa: a enorme desigualdade social que pode levar a uma espiral de violência no campo. Lembre que foi em Curuguaty onde começou a comoção pública que os oportunistas políticos aproveitaram para derrubar o governo de Lugo”.

8 - Outra nota para a história recente é que Lugo não modificou o regime agrário. Segundo a especialista Lorena Soler, do CONICET, os médios e pequenos agricultores não foram regularizados; três por cento dos proprietários de terras continuam tendo 80% da superfície cultivável; e as exportações de soja só agregam fiscalmente 0,1% do Produto Interno Bruto.

9 - Ao mesmo tempo, Lugo não foi um mau gestor. Segundo dados da “Comissão Econômica para América Latina” (CEPAL) que foram processados pelo jornalista brasileiro Paulo Daniel, “em 2007, quando o Partido Colorado comandava a política e a economia do Paraguai, os investimentos líquidos internacionais chegaram a 199 milhões de dólares”. Já com Lugo, pularam para US$ 225 milhões em 2009, 389 em 2010 e 566 em 2011. De 2010 a 2011 os salários aumentaram 8,7% e o salário mínimo 2,7%, até alcançar os 330 dólares. A inflação foi reduzida de 7,2% em 2010 a 4,9% em 2011. Aumentou o superávit das contas do Estado, as exportações cresceram 23,1%, as importações 21,5% e o déficit em conta corrente caiu para 2,1% do PIB.

10 - Para Daniel, como para Boccia, o problema é que “a maioria dos deputados são proprietários de latifúndios” e Lugo percebeu que, se falasse em reforma agrária, seu futuro poderia se complicar.”

FONTE: artigo de Martín Granovsky, de Buenos Aires. Publicado no site “Carta Maior” com tradução de Libório Junior (http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=20508).

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