Leonardo Boff
Por Eliakim
Araujo
“Em nossa última coluna, alertávamos para o risco de o movimento dos
jovens brasileiros estar sendo usurpado pelos que perderam ontem nas urnas e
agora querem ganhar no grito, aproveitando-se de um movimento espontâneo
nascido nas ruas de São Paulo, por causa de um reajuste nas tarifas de ônibus,
que acabou ganhando as ruas das principais cidades brasileiras.
Na minha coluna, citei o caso dos manifestantes de Miami, cerca de 400,
segundo seus organizadores, que, sob o pretexto de apoiar o movimento no Brasil
pela melhoria dos serviços públicos em seus diversos segmentos, querem, na
verdade, aproveitar a carona para pregar a derrubada do governo Dilma,
legitimamente eleito pela maioria do povo brasileiro. Confirmei com números do
TSE que os brasileiros de Miami votaram com Serra, 59 por cento, e Dilma, 15
por cento. Portanto, não é preciso ser genial para deduzir que ali, naqueles
400, estavam muitos dos derrotados de 2010.
Alguns leitores entenderam que eu estava me colocando contra o direito
de manifestação, coisa que não existe em meu texto. Ao contrário, sou
plenamente favorável às manifestações populares em suas diversas formas,
principalmente nas ruas, um legítimo exercício de cidadania. Nem poderia ser
contra, pois eu mesmo participei de inúmeros protestos de rua, quando aluno da
Faculdade Nacional de Direito, num tempo em que as forças da repressão não eram
contemplativas como agora.
Mas o fato é que recebi comentários de alguns (poucos) leitores,
aparentemente líderes das manifestações de Miami, que deixei de publicar por
estarem eivados de ódio e ofensas pessoais, revelando bem a intransigência
dessas pessoas que preferem agredir a responder com argumentos a quem não se
alinha com suas ideias.
Felizmente, não estou só em minhas observações. Aliás, estou em ótima
companhia. Acabo de ler na revista “Forum” artigo do teólogo e escritor
Leonardo Boff (foto acima) cujas observações vão ao encontro das nossas.
Dele, cito alguns trechos que submeto à reflexão dos leitores:
“É notório que a direita brasileira, especialmente aquela
articulação de forças que sempre ocupou o poder de Estado e o tratou como
propriedade privada (patrimonialismo), apoiada pela midia privada e familiar,
está se aproveitando das manifestações massivas nas ruas para manipular essa
energia a seu favor. A estratégia é fazer sangrar mais e mais a Presidenta
Dilma e desmoralizar o PT e assim criar uma atmosfera que lhes permita voltar
ao lugar que por via democrática perderam.
Se por um lado não podemos nos privar de críticas ao governo do
PT, mas críticas construtivas, por outro, não podemos ingenuamente permitir que
as transformações político-sociais alcançadas nos últimos 10 anos sejam
desmoralizadas e, se puderem, desmontadas por parte das elites conservadoras.
Estas visam a ganhar o imaginário dos manifestantes para a sua causa que é
inimiga de uma democracia participativa de cariz popular.
Seria grande irresponsabilidade e vergonhosa traição de nossa parte,
entregar à velha e apodrecida classe política aquilo que por dezenas de anos
temos construído, com tantas oposições:
um novo sujeito histórico, o PT e partidos populares, com a inserção na
sociedade de milhões de brasileiros. Essa classe se mostra agora feliz com a
possibilidade de atuar sem máscara e mostrando suas intenções antes ocultas: finalmente, pensa, temos chance de
voltar e de colocar esse povo todo que reclama reformas no lugar que sempre lhe
competiu historicamente: na
periferia, na ignorância e no silenciamento. Aí não incomoda nem cria caos na
ordem que, por séculos, construimos, mas que, se bem olharmos, é ordem na
desordem ético-social.
Então, se devemos criticar a nossa classe política por ser
corrupta e o Estado por ser ainda, em grande parte, refém da macroeconomia
neoliberal, devemos fazê-lo com critério e senso de medida. Caso contrário,
levamos água ao moinho da direita. Esta se aproveita dessa crítica, não para
melhorar a sociedade em benefício do povo que grita na rua, mas para resgatar
seu antigo poder político especialmente, aquele ligado ao poder de Estado a
partir do qual garantia seu enriquecimento fácil. Especialmente a mídia privada
e familiar, cujos nomes não precisam ser citados, está empenhada fevorosamente
nessa empreitada de volta ao velho status quo.
Por isso, as demonstrações devem continuar na rua contra as
tramóias da direita. Precisam estar atentas a essa infiltração que visa a mudar
o rumo das manifestações. Elas invocam a segurança pública e a ordem a ser estabelecida.
Quem sabe, até sonham com a volta do braço armado para limpar as ruas.
Dai, repetimos, cabe reforçar o governo de Dilma, cobrar-lhe, sim,
reformas políticas profundas, evitar a histórica conciliação entre as forças em
tensão e o oposição para juntas, novamente, esvaziar o clamor das ruas e
manterem um status quo que prolonga benefíciois compartilhados.
Dessa forma se enfrentarão as articulações da direita e se poderá,
com mais força, reclamar reformas políticas de base que vão na direção de
atender a infraestrutura reclamada pelo povo nas ruas: melhor educação,
melhores hospitais públicos, melhor transporte coletivo e menos violência na
cidade e no campo.
Na quinta-feira (11), transformada em Dia Nacional de Luta, milhares de
manifestantes foram às ruas de todo o Brasil. É preciso que estejam atentos à
presença daqueles que pretendem transformar os verdadeiros anseios populares em
benefício de interesses políticos pessoais. A pureza do movimento popular não
deve ser conspurcada por quem apenas está interessado em golpear as
instiuições.”
FONTE: escrito
por Eliakim Araujo. Ancorou o primeiro canal de notícias em língua portuguesa, a CBS
Brasil. Foi âncora dos jornais da Globo, Manchete e do SBT e na Rádio JB foi
Coordenador e titular de "O Jornal do Brasil Informa" Em parceria com
Leila Cordeiro, possui uma produtora de vídeos jornalísticos e institucionais.
Artigo publicado no site “Direto da Redação”
(http://www.diretodaredacao.com/noticia/quem-e-quem-nos-protestos).
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