O jornal Folha de São Paulo ontem publicou o seguinte artigo de Eliane Cantanhêde:
“Lula jogou a isca, e Joe Biden, vice de Obama, mordeu.
Foi assim: no primeiro de dois discursos na 6ª Cúpula de Líderes Progressistas, no sábado, no Chile, Lula cobrou: "O mundo paga o preço de uma aventura irresponsável dos que transformaram a economia mundial em um gigantesco cassino". Defendeu um "Estado forte" e acusou "os mercados".
Em seguida, Biden discordou: "Nós não devemos exagerar. O livre mercado ainda precisa estar apto a funcionar. A mim parece que nós devemos é salvar os mercados dos "livre-mercadistas'".
De volta ao microfone, Lula engordou a isca. Jogou fora o seu texto e, de improviso, foi ainda mais contundente, responsabilizando os países ricos pela crise e cobrando que eles recuperem o crédito e a confiança internas para deixar de prejudicar os outros. Irônico, foi no fígado: "Não queremos que comece a cair primeiro-ministro e presidente pelo mundo afora".
Ao mesmo tempo em que atacava EUA e Europa, pais da crise, Lula defendeu enfaticamente a América Latina. O que o mundo desenvolvido condena como puro populismo, ele classificou de "uma onda de democracia popular".
Atingiu dois objetivos: 1) uma nítida polarização entre ele, pelos emergentes, e Biden, representando os EUA: 2) transformar a cúpula de oito líderes do Chile numa prévia do G20, na quinta, em Londres. Antes de voltar ao Brasil, ele avisou que são todos muy amigos, mas "falam línguas diferentes". Deixou claro que manterá o discurso do Chile, contra o endeusamento dos mercados e a favor de mais Estado, mais regulação, mais equilíbrio mundial, mais integração entre nações e mais inclusão social.
Megalomania à parte, tem tudo para ser destaque no G20. Dentro, por falar pelos emergentes e pelos pobres. E fora por estar em sintonia com o grito de guerra de centenas ou milhares de manifestantes: "As pessoas em primeiro lugar!".”
O CRIME PERFEITO
O jornal Folha de São Paulo ontem publicou o seguinte artigo de Rogério Cezar de Cerqueira Leite. O autor é físico, professor emérito da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), presidente do Conselho de Administração da ABTLuS (Associação Brasileira de Tecnologia de Luz Síncrotron):
Reuni especialistas históricos para desvendar o crime cometido no planejamento futuro da oferta de energia elétrica no Brasil.
“Insatisfeito com a minha própria conclusão, assim como com a convicção generalizada, de que o culpado do crime de "lesa-humanidade" configurado pela absurda preferência por termoelétricas a óleo combustível sobre hidroelétricas no planejamento futuro da oferta de energia elétrica no Brasil seria uma bem-intencionada coligação entre "ONGs do bem", duros do Ibama e equivocados procuradores de Justiça, espero aqui corrigir esse erro de julgamento.
Acredita-se que, ao erigirem obstáculos intransigentes -decorrentes da inépcia técnica e de superstições ecorreligiosas- às instalações de hidroelétricas, teriam essas coligações forçado o governo brasileiro a recorrer às termoelétricas a óleo combustível, poluidoras e causadoras de aquecimento global. Mas essa conclusão é inconsistente com algumas condições de contorno do próprio sistema decisório do setor.
Assim, recorro às origens da técnica criminalista básica usada universalmente para orientar uma investigação policial. Para isso, assessorei-me dos grandes especialistas históricos do crime. Coloquei em uma mesa redonda Sherlock Holmes, o comissário Maigret, Sam Spade, o Continental Op, Philip Marlowe e o indefectível Poirot. Foram unânimes. Uma enquete deve sempre começar com as perguntas óbvias: Quem ganha com o crime? O que ganha é motivação suficiente? Houve oportunidade? Dispõe o suspeito de meios materiais para a execução do crime?
ONGs, procuradores, burocratas ortodoxos, afinal, o que têm a ganhar é imponderável, subjetivo: holofotes por alguns dias, os tais 15 minutos de fama, um pouco de satisfação ideológica, talvez. Philip Marlowe mostrou-se cético. "Não chega, para mim não chega. E teriam eles, de fato, os meios materiais necessários?" O Continental Op, peremptoriamente, divergiu.
"Porém, eles são culpados de terem dado cobertura, por terem criado os pré-requisitos, por terem manipulado a opinião pública etc." "Bem", diz o pragmático Sam Spade, "se esses não são os principais atores, então deixemo-los de lado, pois só podem confundir a investigação. Comecemos pelo começo: quem mais ganha com esse crime abominável?"
Maigret é quem responde: "Sempre ouvi dizer que, no campo de energia, há dois parâmetros a serem considerados: os custos da energia, de um lado, e, de outro, os custos de investimentos. Devemos, pois, dividir a nossa busca em duas enquetes. Com a malfazeja escolha de termoelétricas a óleo combustível, quem ganha com a produção de energia? E quem ganha com os investimentos?".
É Poirot quem se apresenta: "A quase totalidade das 67 térmicas é alimentada por óleo combustível, uma peculiaridade inesperada. "En passant", como diz o presidente Lula, essa escolha deve ser uma boa pista".
Maigret, sempre bem informado, prossegue. "O óleo combustível tem sido rejeitado devido ao seu grau elevado de poluição; como consequência, a oferta é excessiva. Além do mais, há dificuldades para redução de sua fração na destilação."
"Ah, então é simples", conclui o pragmático Spade, "o culpado, ou melhor, quem tem a ganhar, é quem produz derivados de petróleo e não tem como comercializar esse indesejável componente, o óleo combustível."
"Todavia", interfere Holmes, "é preciso confirmar se houve oportunidade e capacidade material para perpetrar o crime." "Ora", retruca Maigret, "basta verificar se o suspeito pertence ao mesmo círculo que os supostos planejadores e se tem ascendência sobre eles." "E se forem os mesmos, "c'est a dire", planejadores e vendedores de óleo combustível, confrades e parceiros, então o caso estaria encerrado", diz o pernóstico Poirot.
"Mas, com isso, além de crime contra a humanidade, o caso se caracterizaria como formação de quadrilha", conclui Holmes. "Temos o motivo, temos a oportunidade e temos a capacidade material em um único autor. Será que alguém é capaz de duvidar de quem seria o culpado?"
"Resta ver quem tem a ganhar com a compra dos equipamentos", lembra Maigret. "Mas isso já aconteceu uma vez, não faz muito tempo, no tragicômico episódio do apagão aceso que só serviu para encher os bolsos de energúmenos oportunistas na venda e compra de exóticas usinas e geradores que jamais foram aproveitados.
Os mesmos lobistas, empresários, políticos, intermediários e atravessadores já estão à espreita. É, pois, questão resolvida trivialmente."
"Então", comenta o conformado Marlowe, "foi realizado o crime perfeito, pois a culpa recai sobre suspeitos que apenas tiveram a intenção e prepararam o campo para aqueles que tiveram poder, ocasião e forte motivação para cometer o crime."
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