O jornal Folha de São Paulo ontem publicou o seguinte artigo de Paulo Nogueira Batista Jr. O autor é Diretor-executivo no FMI, onde representa um grupo de nove países (Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Haiti, Panamá, República Dominicana, Suriname e Trinidad e Tobago):
NADA GARANTE QUE, APÓS A FASE MAIS AGUDA DA CRISE, AS VELHAS POTÊNCIAS NÃO QUEIRAM VOLTAR ÀS PRÁTICAS TRADICIONAIS
“Desde a eclosão da crise, o Brasil e os demais países de renda média têm colhido uma sucessão de vitórias no que diz respeito à reforma do FMI e outros aspectos da arquitetura financeira internacional.
Bem sei, leitor, que, para a população em geral, isso está longe de compensar os custos econômicos da crise produzida pelos "louros de olho azul". Arquitetura financeira não enche barriga.
Fora a China e a Índia, que devem continuar crescendo 5% ou 6% em 2009, os demais emergentes tendem à submersão. Quase todos terão taxas de crescimento baixas ou negativas neste ano. O desemprego deve aumentar consideravelmente.
Por outro lado, é fundamental que países como o Brasil aumentem a sua voz nas organizações financeiras e a sua influência sobre os rumos da economia mundial. No curto prazo, isso determina a nossa capacidade de interferir sobre a maneira como está sendo enfrentada a crise e, em especial, sobre a distribuição dos seus custos entre os países. No longo prazo, o aumento da presença nos foros internacionais dará a nossos países condições de se defender melhor de crises futuras.
A partida está muito disputada, com carrinho, bola dividida, pé alto, canelada e tudo quanto é golpe baixo. Por enquanto, estamos levando a melhor. Em termos de G20 e FMI, abrimos uma vantagem de 2 a 0 ou, vá lá, 2 a 1. O Brasil tem tido um papel destacado, leitor.
Vamos superando aos poucos o velho complexo de vira-lata que Nelson Rodrigues identificava como traço marcante da psicologia nacional. Mas eis o que eu queria dizer: estamos só no meio do primeiro tempo e não podemos ficar driblando na área. Nem podemos nos iludir. O outro lado -as velhas potências- entrou em campo prejudicado por contusões e psicologicamente abalado. A crise financeira e seus desdobramentos minaram o moral do time adversário, não há dúvida. Mas isso pode ser apenas temporário.
Tomemos algumas das nossas vitórias, que já comentei nesta coluna. Uma delas foi a transformação do G20 em foro de chefes de Estado e de governo. Desde o final de 2008, o G20 efetivamente substituiu o G7 como principal foro de coordenação das respostas à crise. Mas nada garante que, passada a fase mais aguda da crise, as velhas potências não procurem retornar ao formato anterior, isto é, ao G7, ou, na melhor das hipóteses, a um G7 ampliado com alguns poucos países em desenvolvimento.
Outra das nossas vitórias recentes foi a reforma dos instrumentos de empréstimo do FMI, em especial a criação da Linha de Crédito Flexível. México e Polônia já se candidataram à nova linha. Mas tudo depende da aplicação. Temos que estar vigilantes para garantir que a nova linha seja aplicada de maneira justa e correta, de acordo com o que foi aprovado pela Diretoria Executiva. Não podemos descartar a hipótese de que setores do Fundo procurem revogar, na prática, as inovações aprovadas pela Diretoria. Pode até acontecer que, passada a crise, os países mais conservadores queiram acabar com a linha, alegando que a sua existência estava estritamente relacionada a uma situação emergencial.
Leitor, estou dando apenas uma pálida ideia das lutas que travamos por aqui todo santo dia. Teremos alma e energia para levar a partida até o final?
Clóvis Rossi foi mais longe e talvez tenha razão. Referindo-se à cúpula do G20 em Londres, escreveu: "Tudo somado, fica claro que o Brasil não é mais vira-lata (...), mas também não é um rottweiler nem tem a vocação de ferocidade indispensável para comandar a matilha".
Veremos.”
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