domingo, 23 de dezembro de 2012

O MUNDO EM 2012

Por Emir Sader

“Os marcos mais gerais do panorama internacional são a prolongação da crise econômica do capitalismo, iniciada em 2008, assim como os focos de enfrentamento militar promovidos pela hegemonia imperial norte-americana.

A crise, retomada com força em 2011, seguiu devastando as sociedades europeias, com seu foco concentrado na Grécia, em Portugal, na Espanha e na Itália, estendeu seus efeitos para o conjunto da economia europeia, que entrou em recessão. Teve continuidade a expropriação de direitos fundamentais da população, fazendo com que essa crise marque o fim do Estado de bem-estar social, que caracterizou a Europa nas três décadas imediatamente posteriores à segunda guerra mundial.

Não há horizonte de recuperação econômica e de superação da crise para os próximos anos, fazendo com que a década inteira seja marcada por retrocessos. São os próprios fundamentos da unificação europeia – a unidade monetária – que estão em questão, sem que haja força política dos países mais vitimados pela crise para recolocar em discussão as bases dessa unidade. A unificação, da forma como foi concebida e colocada em prática, terminou sendo uma armadilha, da qual a Europa não se mostra capaz de sair, pesando sobre o conjunto da economia internacional como um fator recessivo.

A economia norte-americana, por sua vez, às voltas com a difícil resolução dos seus déficits, já não poderá desempenhas o papal de locomotiva da economia mundial. O crescimento da China, mesmo em patamar inferior ao das décadas passadas, segue sendo o fator dinâmico mais forte da economia mundial, aumentando proporcionalmente seu peso, em contraste com a estagnação dos EUA, da Europa e do Japão.

A América Latina passou pelo seu pior ano em termos de desempenho econômico, desde que conseguiu retomar um ciclo econômico expansivo, sob os efeitos da recessão internacional e da diminuição da demanda do centro do capitalismo.

De qualquer maneira, uma crise como a atual, no centro do sistema, que em outras circunstâncias teria levado a todos os nossos países a recessões profundas e prolongadas, conseguiu ser enfrentada apenas com a diminuição dos ritmos de crescimento. Porque a nova configuração da economia mundial já apresenta um mundo economicamente multipolar, de forma que nossas economias, com a diversificação da sua inserção internacional, puderam contar com o comércio com a Ásia, com a intensificação do comércio de integração regional e com a expansão dos mercados internos de consumo popular, para resistir à crise.

A perspectiva é de recuperação de ritmos um pouco maiores de crescimento econômico para 2013, porém sem voltar aos níveis que tivemos na década passada.

Do ponto de vista geopolítico, nos focos centrais de guerra – Iraque, Afeganistão, Palestina, Síria – se intensificaram os conflitos. Ao anúncio da retirada das tropas do Iraque e do Afeganistão, não se corresponde diminuição do ritmo dos combates, diminuição das ações da resistência interna e das baixas das tropas de ocupação, não se prevendo normalização militar e tampouco estabilidade política nesses dois países, que seguirão sendo epicentros de enfrentamentos militares.

A Palestina sofreu nova ofensiva contra Gaza e continuidade da ocupação pela multiplicação dos assentamentos israelenses no seu território, mas o cenário político teve mudanças, com o reconhecimento da Palestina como país observador na ONU. A votação trouxe, também, a novidade do esfacelamento do bloco ocidental solidário com os EUA, com a quase totalidade dos países europeus votando a favor da Palestina ou se abstendo, deixando os EUA reduzido a aliados de pouca projeção.

Esse novo estatuto da Palestina representa a aceitação do seu Estado, assim como a possibilidade de participação em Tribunais internacionais, onde é possível a aprovação de condenações concretas de Israel pela ocupação da Palestina e por outras ações repressivas contra o povo palestino.

No entanto, não reaparece, ainda, em Israel uma força interlocutora desse amplo consenso internacional favorável à Palestina, que permita destravar a situação atual de bloqueio dos processos de paz e de reconhecimento formal do Estado palestino. Pode-se prever que se fortaleçam vozes dissidentes em Israel no futuro imediato, sob a pressão também dos EUA, que se desgasta ao se isolar no apoio às políticas belicistas de Israel.

O foco que mais intensificou os enfrentamentos militares foi a Síria. Desapareceram as mobilizações populares dos dois lados e a situação ficou totalmente marcada pelos bombardeios da parte do governo sobre zonas sob influência ou controladas pela oposição, e ações terroristas por parte desta.

Como tendência, se pode constatar fortalecimento político da oposição, com reconhecimento internacional quase generalizado, enquanto o governo sírio conta apenas com o apoio do Irã, da Rússia e da China, mas também sob os efeitos do enfraquecimento do governo de Assad, já se nota, pelo menos por parte da Rússia, um certo distanciamento em relação ao governo de Assad. O Irã mantém firmemente seu apoio, até porque sabe que a eventual queda do governo de Assad deixa o Irã como principal foco de ataques do bloco ocidental na região. Provavelmente, se acelerarão os apoios militares externos à oposição, na busca de intensificar as pressões sobre o governo de Assad, com perspectivas de enfrentamentos ainda mais violentos no próximo ano, até que se vislumbre uma solução à prolongada e violenta crise síria.

Na América Latina, o quadro atual tende a estabilizar-se com a relativa recuperação econômica. No Equador, Rafael Correa deve se reeleger em fevereiro, restando saber que tipo de maioria manterá no Congresso, diante das forças de direita e de ultraesquerda que se opõem ao governo.

As eleições no Paraguai têm previsões incertas, diante das duas principais forças opositoras – partidos Colorado e Liberal -, com as candidaturas mais fortes, pela divisão – até aqui – do campo de Fernando Lugo com dois candidatos. Se chegarem a se unificar, podem ter chances de disputar a presidência.

A situação da Venezuela está na dependência da situação de saúde de Hugo Chávez. Caso ele possa tomar posse e o país possa evitar novas eleições presidenciais, as perspectivas imediatas são positivas, mesmo que Chávez não possa retomar seu cargo. Ainda com eleições eventuais, no imediato a herança de Chávez é suficientemente forte – confirmada pela eleição de governadores – para tornar favorito a Maduro para dar continuidade ao processo bolivariano na Venezuela.

Na Argentina, o quadro de instabilidade tende a se prolongar, pelo menos até as eleições parlamentares, quando o governo joga a possiblidade – pouco provável hoje – de conseguir 2/3 no Parlamento para promover a reforma constitucional que permitiria à Cristina se candidatar a um terceiro mandato. Caso não consiga, se abre diretamente o clima de disputa aberta pela presidência na sucessão de Cristina. Caso essa maioria seja obtida, Cristina seria favorita – mesmo que enfraquecida em relação à eleição anterior – para seguir como presidente.

No cenário continental, a maior novidade é a extensão do Mercosul, com o ingresso da Venezuela e da Bolívia, e a provável próxima entrada do Equador. Esse novo panorama rompe com os círculos viciosos de disputa por corporações privadas brasileiras e argentinas por mercados, permitindo que o Mercosul venha a dispor de efetivo projeto de integração econômica, social, tecnológica, educacional, de meios de comunicação – entre outras esferas. O Mercosul passará a dispor de homogeneidade que entidades como [a Aliança do Pacífico], por exemplo, não dispõe, por conter países que têm Tratados de Livre Comércio com os EUA. Essa nova configuração do Mercosul pode ser a maior novidade no processo de integração regional na segunda década de governos progressistas na América Latina.”

FONTE: escrito pelo cientista político Emir Sader no seu “Blog do Emir” no site “Carta Maior”  (http://www.cartamaior.com.br/templates/postMostrar.cfm?blog_id=1&post_id=1159). [Imagem do Google adicionada por este blog ‘democracia&política’].

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