terça-feira, 2 de julho de 2013

Entrevista com Lula: “A DEMOCRACIA É O POVO EM MOVIMENTO”

“A entrevista do ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva à repórter Cristiane Agostine, do ‘Valor Econômico’, que reproduzo abaixo, mostra um Lula tranquilo diante da crise e, até, otimista com o avanço que elas podem provocar no país.

Democracia exige que o povo esteja sempre em movimento, em manifestação, sempre reivindicando alguma coisa“, diz Lula, afirmando que as revindicações são consequências do progresso vivido pelo Brasil nos últimos dez anos:na medida em que as pessoas tiveram evolução social, é normal que elas queiram mais coisas

Lula elogia o “comportamento democrático” de Dilma e reafirmou seu apoio à sua candidatura à reeleição. O ex-presidente descartou, indiretamente, a informação, veiculada pelo assessor de imprensa de seu primeiro Governo, Ricardo Kotscho [aliás, por essa e outras do assessor citado, vem à memória o ditado “quem tem amigos assim, não precisa de inimigos”...], de que teria ficado “magoado” por ela, ao estender a Fernando Henrique Cardoso as consultas políticas que fez antes de anunciar suas propostas.

- “A Dilma é a mais importante candidata que nós temos, a melhor. Não tem ninguém igual a ela para ser candidato à Presidência da República. Portanto, ela será a minha candidata.

O ex-presidente concedeu a entrevista em Adis Abeba, na Etiópia, participando de um encontro de alto nível sobre segurança alimentar que o “Instituto Lula” em conjunto com a “Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura” (FAO) e pela “União Africana”.

A ENTREVISTA

 

Valor: Como o senhor viu essas manifestações? O que levou as pessoas às ruas?

Luiz Inácio Lula da Silva : Eu acho que, no Brasil, temos prefeitos, governadores, presidente da República... Eu sou um curioso nesse aspecto. A primeira coisa que eu acho é que, toda vez que um povo se manifesta, é sempre muito importante. Acho que democracia exige que o povo esteja sempre em movimento, em manifestação, sempre reivindicando alguma coisa. As reivindicações que o povo está fazendo, de melhoria de transporte, de saúde, de educação, isso é próprio do processo de crescimento que o Brasil vem enfrentando. Se você analisar que, em dez anos, mais do que dobrou o número de universitários no Brasil e de alunos nas escolas técnicas, e que houve a evolução social de uma camada da sociedade, essas pessoas cada vez mais querem mais. É assim. Quando aconteceu a greve dos metalúrgicos em 1978, as pessoas se perguntavam por que os trabalhadores fizeram greve. Eu dizia: porque eles tinham aprendido a comer um bife e estavam tirando o bife deles! Começaram a brigar para não perder o bife! Na medida em que as pessoas tiveram evolução social, é normal que elas queiram mais coisa. De vez em quando, as pessoas reclamam que os aeroportos estão cheios. É lógico que têm que estar cheios! Em 2007, você tinha 48 milhões de passageiros voando de avião. Hoje, você tem 101 milhões de passageiros. Obviamente, que vai ter gente brigando. Você não tem [briga de passageiros] de ônibus porque a quantidade de passageiros que andavam de ônibus em 2007 é a mesma de 2012. Na medida em que as pessoas vão evoluindo, vão querendo mais. Eu acho importante. Eu acho que, se as pessoas questionam custo da Copa, as pessoas que organizaram, que contrataram, têm que mostrar. Não tem nenhum problema fazer esse debate com a sociedade. E é fazendo o debate que você separa o joio do trigo. Quem quer realmente debater, está interessado em fazer coisa séria e aquilo que é justo. Nesse aspecto, Dilma tem tido comportamento importante. De entender o movimento, tentar dialogar com o movimento e construir as propostas possíveis. Se a gente tiver qualquer preocupação com o exercício da democracia, é muito ruim.

Valor: O senhor se reuniu com Dilma e Haddad durante a crise. O que o senhor disse a eles? Faltou ouvir as ruas?

Lula : A coisa que o Haddad mais ouviu foi as ruas. Ele tinha acabado de sair de uma eleição. Primeiro, ele ganhou as eleições por causa da proposta de transporte que fez para São Paulo, que era para novembro, mas talvez ele antecipe, não sei se tem condições de antecipar (proposta do Bilhete Único Mensal). A propaganda do Haddad era o seguinte: da porta para dentro muita coisa melhorou nesse país, mas da porta para fora nada foi feito. E ele dizia que, em São Paulo, em oito anos, não havia sido feito nenhum corredor de ônibus. Ninguém pode, em sã consciência, nem o prefeito, nem o vice-prefeito, nem um cidadão qualquer dizer que o transporte em São Paulo é de qualidade. O metrô era de qualidade quando andava pouca gente, quando tinha condição de sentar. Mas agora que você tem passageiro para três vagões andando em um vagão, vai piorando a qualidade. O que eu acho que pode acontecer no Brasil é as pessoas se convencerem que, de quando em quando, a gente precisa refletir sobre o que está acontecendo, conversar com as pessoas e tentar construir aquilo que precisa ser construído. É por isso que elogiei o comportamento da Dilma nessas coisas. Ela, humildemente, foi conversar com todos os segmentos da sociedade. Não se recusou a conversar com nenhum.

Valor: Não demorou muito para fazer isso?

Lula: Não demorou. Ela conversou no momento certo. Não poderia ter conversado antes, para discutir qualquer movimentação. O que a gente tem que entender é o seguinte: a realidade no mundo é outra, o povo está mais exigente, está tendo cada vez mais acesso à informação. Hoje, o povo não precisa esperar o jornal no dia seguinte, a televisão à noite. As pessoas estão acompanhando as coisas 24 horas por dia. As pessoas não estão mais lendo notícia. Estão fazendo notícia. Eu acho que essa coisa é que é interessante. Neste momento, só tem uma solução: é pensar, conversar e começar a colocar em prática coisas que sejam resultado das discussões com a sociedade.

Valor: O senhor concorda com essa proposta de plebiscito sobre reforma política? O senhor ficou irritado com o fato de a presidente ter consultado o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso?

Lula: Eu não posso fazer julgamento de acordo feito entre partidos políticos. Cada partido esteve representado com seu presidente e eles decidiram fazer o que tinham que fazer e vão colocar em prática. Não sei como é que vão colocar em prática, mas vão colocar. Nós temos o direito de conversar com quem bem entenda. Eu até agora não ouvi dizer que Dilma conversou com Fernando Henrique Cardoso. Ouvi setores da imprensa dizendo que ela conversou, o que ela não confirmou em nenhum momento. Mas conversar com FHC, com Sarney, com Collor, com Lula, é a coisa mais natural que um presidente tem que fazer. É conversar com as pessoas. É o seguinte: o Brasil vive um momento extraordinário de afirmação de sua democracia. Somos um país muito novo no exercício da democracia. Se você quiser pegar a eleição do Sarney como paradigma, ou a aprovação da Constituição em 1988, temos 25 anos de democracia contínua. É o período mais longo. É normal que a sociedade esteja como uma metamorfose ambulante, se modificando a cada momento. É muito bom para o Brasil.

Valor: Mas não preocupa o abalo na popularidade da presidente, que caiu 30 pontos percentuais desde o inicio do mês?

Lula: Veja, querida, não me preocupa. Se tem um cidadão que já subiu e desceu em pesquisa fui eu. Em 1989, teve um dia no mês de junho que eu queria desistir de ser candidato porque eu tinha caído tanto que ia sair devendo para o IBOPE (risos). Então, eu cheguei a pensar em desistir porque não tem como eu pagar voto. Só tenho o meu. E depois, com tantos figurões disputando a eleição, fui eu que fui para o segundo turno. A Dilma é a mais importante candidata que nós temos, a melhor. Não tem ninguém igual a ela para ser candidato à Presidência da República. Portanto, ela será a minha candidata.

Valor: O senhor volta em 2014?

Lula: Não.”


FONTE: reportagem de Cristiane Agostine, do jornal “Valor Econômico” transcrita no blog “Tijolaço” de Fernando Brito  (http://www.tijolaco.com.br/index.php/lula-a-democracia-e-opovo-em-movimento/). [Trecho entre colchetes adicionado por este blog ‘democracia&política’].

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