“A entrevista do ex-Presidente Luiz
Inácio Lula da Silva à repórter Cristiane Agostine, do ‘Valor Econômico’, que
reproduzo abaixo, mostra um Lula tranquilo diante da crise e, até, otimista com
o avanço que elas podem provocar no país.
”Democracia exige que o povo esteja sempre em movimento, em
manifestação, sempre reivindicando alguma coisa“, diz Lula, afirmando que as
revindicações são consequências do progresso vivido pelo Brasil nos últimos dez
anos:“na medida em que as pessoas tiveram evolução
social, é normal que elas queiram mais coisas”
Lula elogia o “comportamento democrático” de Dilma e reafirmou seu apoio à sua
candidatura à reeleição. O ex-presidente descartou, indiretamente, a
informação, veiculada pelo assessor de imprensa de seu primeiro Governo, Ricardo
Kotscho [aliás, por essa e outras do assessor citado,
vem à memória o ditado “quem tem amigos assim, não precisa de inimigos”...],
de que teria ficado “magoado” por ela, ao estender a Fernando Henrique Cardoso
as consultas políticas que fez antes de anunciar suas propostas.
- “A Dilma é a mais importante
candidata que nós temos, a melhor. Não tem ninguém igual a ela para ser
candidato à Presidência da República. Portanto, ela será a minha candidata.
O ex-presidente concedeu a
entrevista em Adis Abeba, na Etiópia, participando de um encontro de alto nível
sobre segurança alimentar que o “Instituto Lula” em conjunto com a “Organização
das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura” (FAO) e pela “União Africana”.
A ENTREVISTA
Valor:
Como o senhor viu essas manifestações? O que levou as pessoas às ruas?
Luiz Inácio Lula da Silva : Eu acho que, no Brasil, temos prefeitos, governadores, presidente da
República... Eu sou um curioso nesse aspecto. A primeira coisa que eu acho é
que, toda vez que um povo se manifesta, é sempre muito importante. Acho que
democracia exige que o povo esteja sempre em movimento, em manifestação, sempre
reivindicando alguma coisa. As reivindicações que o povo está fazendo, de
melhoria de transporte, de saúde, de educação, isso é próprio do processo de
crescimento que o Brasil vem enfrentando. Se você analisar que, em dez anos,
mais do que dobrou o número de universitários no Brasil e de alunos nas escolas
técnicas, e que houve a evolução social de uma camada da sociedade, essas
pessoas cada vez mais querem mais. É assim. Quando aconteceu a greve dos
metalúrgicos em 1978, as pessoas se perguntavam por que os trabalhadores
fizeram greve. Eu dizia: porque
eles tinham aprendido a comer um bife e estavam tirando o bife deles! Começaram
a brigar para não perder o bife! Na medida em que as pessoas
tiveram evolução social, é normal que elas queiram mais coisa. De vez em quando,
as pessoas reclamam que os aeroportos estão cheios. É lógico que têm que estar
cheios! Em 2007, você tinha 48 milhões de passageiros voando de avião. Hoje,
você tem 101 milhões de passageiros. Obviamente, que vai ter gente brigando.
Você não tem [briga de passageiros] de ônibus porque a quantidade de
passageiros que andavam de ônibus em 2007 é a mesma de 2012. Na medida em que
as pessoas vão evoluindo, vão querendo mais. Eu acho importante. Eu acho que,
se as pessoas questionam custo da Copa, as pessoas que organizaram, que
contrataram, têm que mostrar. Não tem nenhum problema fazer esse debate com a
sociedade. E é fazendo o debate que você separa o joio do trigo. Quem quer
realmente debater, está interessado em fazer coisa séria e aquilo que é justo.
Nesse aspecto, Dilma tem tido comportamento importante. De entender o
movimento, tentar dialogar com o movimento e construir as propostas possíveis.
Se a gente tiver qualquer preocupação com o exercício da democracia, é muito
ruim.
Valor:
O senhor se reuniu com Dilma e Haddad durante a crise. O que o senhor disse a
eles? Faltou ouvir as ruas?
Lula : A coisa que o Haddad mais ouviu foi as ruas. Ele tinha acabado de sair
de uma eleição. Primeiro, ele ganhou as eleições por causa da proposta de
transporte que fez para São Paulo, que era para novembro, mas talvez ele
antecipe, não sei se tem condições de antecipar (proposta do Bilhete Único Mensal). A propaganda do Haddad era o seguinte: da porta para dentro muita coisa
melhorou nesse país, mas da porta para fora nada foi feito. E ele dizia que, em São Paulo, em oito anos, não havia sido feito
nenhum corredor de ônibus. Ninguém pode, em sã consciência, nem o prefeito, nem
o vice-prefeito, nem um cidadão qualquer dizer que o transporte em São Paulo é
de qualidade. O metrô era de qualidade quando andava pouca gente, quando tinha
condição de sentar. Mas agora que você tem passageiro para três vagões andando
em um vagão, vai piorando a qualidade. O que eu acho que pode acontecer no
Brasil é as pessoas se convencerem que, de quando em quando, a gente precisa
refletir sobre o que está acontecendo, conversar com as pessoas e tentar
construir aquilo que precisa ser construído. É por isso que elogiei o
comportamento da Dilma nessas coisas. Ela, humildemente, foi conversar com
todos os segmentos da sociedade. Não se recusou a conversar com nenhum.
Valor:
Não demorou muito para fazer isso?
Lula: Não demorou. Ela conversou no momento certo. Não poderia ter
conversado antes, para discutir qualquer movimentação. O que a gente tem que
entender é o seguinte: a
realidade no mundo é outra, o povo está mais exigente, está tendo cada vez mais
acesso à informação. Hoje, o povo não precisa
esperar o jornal no dia seguinte, a televisão à noite. As pessoas estão
acompanhando as coisas 24 horas por dia. As pessoas não estão mais lendo
notícia. Estão fazendo notícia. Eu acho que essa coisa é que é interessante.
Neste momento, só tem uma solução: é pensar, conversar e começar a colocar em prática
coisas que sejam resultado das discussões com a sociedade.
Valor:
O senhor concorda com essa proposta de plebiscito sobre reforma política? O
senhor ficou irritado com o fato de a presidente ter consultado o ex-presidente
Fernando Henrique Cardoso?
Lula: Eu não posso fazer julgamento de acordo feito entre partidos
políticos. Cada partido esteve representado com seu presidente e eles decidiram
fazer o que tinham que fazer e vão colocar em prática. Não sei como é que vão
colocar em prática, mas vão colocar. Nós temos o direito de conversar com quem
bem entenda. Eu até agora não ouvi dizer que Dilma conversou com Fernando
Henrique Cardoso. Ouvi setores da imprensa dizendo que ela conversou, o que ela
não confirmou em nenhum momento. Mas conversar com FHC, com Sarney, com Collor,
com Lula, é a coisa mais natural que um presidente tem que fazer. É conversar
com as pessoas. É o seguinte: o
Brasil vive um momento extraordinário de afirmação de sua democracia. Somos um país muito novo no exercício da democracia. Se você quiser
pegar a eleição do Sarney como paradigma, ou a aprovação da Constituição em
1988, temos 25 anos de democracia contínua. É o período mais longo. É normal
que a sociedade esteja como uma metamorfose ambulante, se modificando a cada
momento. É muito bom para o Brasil.
Valor:
Mas não preocupa o abalo na popularidade da presidente, que caiu 30 pontos
percentuais desde o inicio do mês?
Lula: Veja, querida, não me preocupa. Se tem um cidadão que já subiu e
desceu em pesquisa fui eu. Em 1989, teve um dia no mês de junho que eu queria
desistir de ser candidato porque eu tinha caído tanto que ia sair devendo para
o IBOPE (risos). Então, eu cheguei a pensar em desistir porque não tem como eu
pagar voto. Só tenho o meu. E depois, com tantos figurões disputando a eleição,
fui eu que fui para o segundo turno. A Dilma é a mais importante candidata que
nós temos, a melhor. Não tem ninguém igual a ela para ser candidato à
Presidência da República. Portanto, ela será a minha candidata.
Valor:
O senhor volta em 2014?
Lula: Não.”
FONTE: reportagem de Cristiane
Agostine, do jornal “Valor Econômico” transcrita no blog “Tijolaço” de Fernando Brito (http://www.tijolaco.com.br/index.php/lula-a-democracia-e-opovo-em-movimento/).
[Trecho entre colchetes adicionado por este blog ‘democracia&política’].
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