CONSTITUINTE NÃO ERA IDEIA TÃO ABSURDA
“A votação de terça-feira (9) no Senado, que derrubou projeto
que eliminaria a figura do segundo suplente de senador e proibiria a escolha de
parentes do candidato titular para a primeira suplência, e a articulação rápida
dos partidos aliados na Câmara para derrubar o plebiscito sobre a reforma
política, mostram que não era absurda a proposta da presidente Dilma Rousseff,
de convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte exclusiva para fazer a
reforma política.
O erro foi tático – ter anunciado a proposta sem articulá-la
antes com as forças que a apoiam e depois retirá-la quase que imediatamente.
Mas foi uma boa visão estratégica. Os parlamentares que lidam com as questões
relativas a mudanças nas regras atuais para as eleições de deputados e
senadores sabem que as propostas encontram obstáculos intransponíveis num
Congresso eleito por elas.
Um referendo que não seja antecedido
de um plebiscito sobre os temas a serem abordados pela reforma é a melhor
garantia para os atuais parlamentares de que nada vai ser mudado. Se, como no
caso dos suplentes dos senadores, o Congresso se recusar a derrubar as
coligações partidárias para as eleições proporcionais e manter inalterado o
financiamento de campanha, nada poderá ser submetido a referendo porque nada
foi mudado. Será a melhor forma de tudo permanecer exatamente como está.
No caso da suplência dos senadores,
o projeto do Senado não caiu simplesmente porque chovem suplentes no plenário
do Senado. A suplência é a forma mais
eficiente de garantia de financiamento da campanha do senador titular. A
primeira e a segunda suplência podem ser incluídas nos acordos com
financiadores de campanha mais abonados para incluir representantes mais
diretos de seus interesses, ou os próprios financiadores, sem que a eles seja
pedido nenhum voto – basta que fiquem
escondidos atrás da campanha do titular financiado pelo seu dinheiro. [FHC foi “eleito”senador sem um único voto.
Era suplente de Franco Montoro, que se afastou para governar São Paulo. Esse e
inúmeros outros exemplos mostram o mal que essa prática causa ao país].
Na Câmara, uma matéria de interesse
direto para depurar o plenário dos políticos de negócios deve ter o mesmo
destino. A bancada de deputados federais formada por um partido define quanto
dinheiro ele vai dispor do Fundo Partidário e o tempo a que terá direito no
horário eleitoral gratuito. Essa é a base da ambição dos chamados “partidos de
aluguel”, aqueles que conseguem registro definitivo e aparecem apenas na hora
de negociar novamente o seu horário eleitoral com um candidato majoritário
forte.
O pequeno partido “aluga” a sua
parcela no horário eleitoral gratuito para um grande partido, obrigando a
legenda que terá o candidato na eleição majoritária (para presidente ou governador) a se coligar com ele nas eleições
proporcionais; ou ainda “vendendo” (muitas
vezes literalmente) seu horário para falar bem do candidato com quem
negociou, ou mal do adversário do candidato. É o que se chama, na gíria
política, de “boca de aluguel”: aquele
que fala do adversário aquilo que o candidato não pode falar, sob pena de
perder votos. No caso simplesmente de coligação para obter mais tempo de
rádio e televisão, um segundo pode não fazer diferença para um candidato, mas a
soma de minutos e segundos de vários partidecos podem dar a ele vantagem sobre
o adversário principal que, em regra, nenhum deles despreza em sã consciência.
É a origem daquela lista interminável de partidos que os candidatos devem
declinar no horário eleitoral e que, para economizar tempo, o locutor fala
muito depressa.
Quando aluga (às vezes também literalmente) o seu horário e faz a coligação
proporcional, o pequeno partido passa a figurar na mesma lista partidária que
os demais coligados. Com isso, escapa da única regra existente para limitar a
existência de partidos que não tenham representação mínima na sociedade (uma cláusula de barreira, segundo a
terminologia legal), que é o quociente partidário. Por lei, se um partido
não obtém o quociente partidário, produto de uma complexa equação entre voto e
eleitorado, ele não elege nenhum representante. Numa coligação proporcional, o
quórum é definido pela soma dos votos dados a todos os partidos aliados. O
quórum real do partido nanico simplesmente some no meio de uma imensidão de
votos que não são seus.
Se o partido nanico sobreviveu
graças a esse expediente, se perpetuará no quadro partidário, ganhando Fundo
Partidário e horário eleitoral para vendê-los ou alugá-los na eleição seguinte,
graças a outro benefício que tem com a coligação proporcional. Quando se
coligam, passam a integrar uma mesma lista partidária para eleger seus
deputados e senadores. Todos os votos de todos os partidos coligados vão para a
mesma conta – e passam a fazer jus a uma
porcentagem das cadeiras de deputados federais (ou estaduais, ou
vereadores) a que a coligação tem direito.
Se a coligação tiver direito a 30 deputados, eles serão eleitos pela ordem de
votação – um deputado que tenha um milhão
de votos [elege] até o trigésimo da lista, que pode ter apenas algumas centenas
de eleitores. Nas últimas semanas, no horário partidário, um pequeno
partido chamava para a legenda pessoas interessadas em se candidatar - e como vantagem apontava o fato de o partido
ter eleito parlamentares com o menor número de votos do Brasil.
Com isso, os partidos nanicos, mesmo
que não tenham representação, ao se coligarem a partidos fortes, acabam com
grandes chances de eleger deputados federais. Garantindo uma bancada federal,
continuam a ter direito a Fundo Partidário e ao horário eleitoral gratuito. E
assim, mesmo sem ter nenhuma representatividade, acabam dando suas cartas nas
eleições e depois no Legislativo – graças
ao Supremo Tribunal Federal, eles têm garantido direito a liderança e
participação nas comissões do Congresso e negociam seus votos dentro do
Legislativo ou com o governo (normalmente são governistas) como qualquer outro da base aliada. De
mordida em mordida, mantêm um sistema distorcido em sua representação.
Essa distorção foi tolerada durante
algum tempo porque esses partidos são mais maleáveis a negociações rápidas,
pois elas não dependem de definições doutrinárias. E também como um gesto de
reconhecimento aos partidos que eram exceção à regra, como os comunistas e
socialistas, que não tinham número de votos suficientes para sobreviver
sozinhos, mas tinham uma representação ideológica na sociedade que a democracia
não deveria desprezar.
Esses partidos pequenos, porém
ideológicos, conseguiram vida própria nesses 28 anos de democracia, mas ainda
assim essa é uma questão que, por interesses vários, inclusive dos pequenos,
não anda. Se prevalecer a ideia de um referendo, sem que seja antecedido por um
plebiscito, e a lei continuar a mesma, vale para as regras de coligações
proporcionais a mesma coisa do que para a suplência do Senado: o que o eleitor vai referendar? Uma mudança
que não aconteceu [e nunca acontecerá por iniciativa parlamentar]?”
FONTE:
escrito por Maria Inês Nassif, no jornal GGN. Transcrito
no portal de Luis Nassif
(http://www.jornalggn.com.br/blog/constituinte-nao-era-ideia-tao-absurda).
[Título, imagem do Google e trechos entre colchetes acrescentados por este blog
`democracia&política`].
Nenhum comentário:
Postar um comentário