Boa análise sobre o ambiente político norte-americano que li no blog “Vi o mundo”:
“Eles são profetas do apocalipse, sempre em busca de novos inimigos que justifiquem suas teorias mirabolantes, o belicismo e uma política externa agressiva por parte dos Estados Unidos, o "superpoder benevolente" que pode tudo em nome de "implantar a democracia" ou "derrotar o terrorismo".
Ocuparam o "vazio intelectual" de Washington com artigos em que a China e a Rússia existem no vácuo, em que o mundo se divide entre "bons" e "maus", em que os bons são todos os aliados dos Estados Unidos e em que as vozes dissonantes são desqualificadas como "menos patriotas" ou "aliados do inimigo".
Muito já se escreveu sobre os neocons, os neoconservadores que exercem influência sobre a política externa dos Estados Unidos desde quando ainda eram integrantes do Partido Democrata.
Pouco se escreveu sobre como eles se organizaram numa teia de interesses que envolve parcerias público-privadas, institutos de formadores de opinião, publicações e trocas de favores.
Já se tentou demonizar os neocons da mesma forma como eles fazem com os adversários, como se formassem um grupo homogêneo ou a liga do mal. A realidade é muito mais complexa do que isso.
Se um dia eles já foram "outsiders", prenhes de ressentimento contra a elite WASP dos Estados Unidos, hoje fazem parte do establishment: William Kristol, um dos expoentes da turma, ganhou recentemente uma coluna no New York Times. Robert Kagan escreve no Washington Post.
As grandes corporações americanas, representadas no American Enterprise Institute, financiam as bolsas de estudo e os seminários que produzem, direta ou indiretamente, o conteúdo que depois será disseminado através de publicações como a bíblia neocon, The Weekly Standard, que abre as páginas para contestar a "cientificidade" do aquecimento global ou defender o ensino religioso que coloca em xeque a teoria da evolução -- tudo de acordo com as necessidades políticas e crenças ideológicas da coalizão que hoje controla a Casa Branca.
Frederick Kagan (filho de Donald, irmão de Robert) é bolsista, assim como Paul Wolfowitz, Richard Perle (o "príncipe da escuridão"), Irving Kristol e outras estrelas menores da constelação.
O Ethics and Public Policy Center, a Fundação para a Defesa das Democracias e o Comitê do Perigo Presente -- todos eles se organizam em torno da idéia segundo a qual um grupo de "iluminados de vanguarda" nos defende do terror, do belzebu e das "ideologias exóticas", do inimigo insidioso que nos espreita, da escravidão e da decadência moral.
Medo, eles parecem ter concluído, rende. Medo paralisa. Medo gera apatia. E serve para justificar as teorias mais bizarras -- como a de que o Iraque, invadido, se tornaria "um farol" que guiaria todo o Oriente Médio no caminho da democracia. Acima de tudo, medo serve para ganhar eleição.
A rede de interesses que sustenta os neocons ainda não foi objeto de um estudo apurado, nem as artimanhas intelectuais que são marca registrada deles -- que incluem do escamoteamento dos fatos à substituição de fatos por versões e o "opinionismo".
Já escrevi que não existe Jornalismo neocon, pelo simples fato de que as duas palavras não convivem.
Os neocons são propagandistas e é pena que um dos "teóricos" que inspirou o movimento, Leo Strauss, não esteja vivo para confirmar se quando disse que mitos são necessários para assegurar a estabilidade social estava mesmo dando licença para a mentira -- como em "armas de destruição em massa do Iraque", aquelas naves não-pilotadas que jogariam agentes químicos sobre as cidades dos Estados Unidos a mando de Saddam Hussein.
O surpreendente é que, depois de terem causado tantos danos à política externa dos Estados Unidos -- promovendo o escândalo do Irangate no governo Reagan, a ação militar americana nos Balcãs no governo Clinton e a ocupação do Iraque no governo Bush -- os neocons tenham preservado seu território intelectual sem maiores danos.
Com certeza isso resulta da cumplicidade daqueles que um dia praticaram Jornalismo.
No Washington Post, por exemplo, o teórico Robert Kagan -- assessor informal do candidato republicano John McCain -- escreveu uma coluna altamente laudatória da nova estratégia dos Estados Unidos no Iraque. Só não contou aos leitores que o autor da estratégia era o irmão dele, Frederick. O jornal fez que não era com ele. Esse é um jogo de favores jogado sem qualquer constrangimento, em que amigos resenham e promovem livros de amigos e o público se confunde com o privado.
Randy Scheunemann, outro assessor importante de McCain, recebeu milhares de dólares do governo da Geórgia por serviços prestados como lobista em Washington. A empresa dele recebeu pagamentos quando ele já atuava como assessor de McCain. O senador republicano conversou mais de uma vez por telefone com o presidente da Geórgia antes e durante a crise militar com a Rússia. A mídia americana jamais cobrou de McCain se, de fato, o republicano estimulou a Geórgia a atacar a Ossétia do Sul durante essas conversações -- ou, ainda que indiretamente, levou o aliado a imaginar que poderia contar com apoio militar dos Estados Unidos.
Talvez ajude a explicar esse fenômeno -- o da contínua influência dos neocons -- a frase que um deles escreveu na revista Weekly Standard. Matt Labash disse que enquanto "a mídia conservadora bate na mídia liberal por não ser objetiva, nós criamos uma indústria em que a subjetividade compensa. Vale ser o mais subjetivo possível. É uma forma de produzir e comer o bolo ao mesmo tempo. Criticar os outros por falta de objetividade. E ser tão subjetivo quanto se quer. É um pequeno grande golpe."
Um país é bom de propaganda quando consegue, com apoio do Jornalismo acrítico, se dizer "cercado" ou "ameaçado" apesar de ter presença militar em 730 localidades de 50 países do mundo, sem falar no fato de que dispara mísseis à vontade, "preventivamente".”
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