Por Marcelo Justo, de Londres
"A “The Economist” primeiro, o “Financial Times” depois: o governo de Dilma Rousseff entrou na mira dos grandes meios de comunicação financeiros britânicos internacionais. Ambos zombam do governo brasileiro, pedem a renúncia de Guido Mantega e qualificam Dilma como a rena do nariz vermelho. Não que as coisas na casa dessas publicações andem melhor. Justamente o contrário.
A economia britânica acaba de sair da segunda recessão em três anos graças ao pequeno estímulo dos jogos olímpicos, mas a maioria dos analistas acredita que, no próximo trimestre, ela voltará a se contrair. A Eurozona salvou-se raspando neste ano de 2012, mas ninguém se atreve a apostar no que pode acontecer no próximo ano, apesar de o diretor do Banco Central da Europa, Mario Draghi, assegurar, desde julho, que fará tudo o que estiver ao seu alcance para salvar o euro. Por último, os Estados Unidos estão fazendo o impossível para evitar o abismo fiscal, um incremento de impostos e corte de gastos públicos que entrarão em vigor, automaticamente, no dia 1º de janeiro se não houver acordo político.
Apesar desse cenário do primeiro mundo, as críticas a Dilma não surpreendem. Para as usinas midiáticas do setor financeiro, a presidenta cometeu um pecado imperdoável: forçou a baixa das taxas de juro. Quando essa crítica à presidenta brasileira vem do primeiro mundo, aparece como uma variante do famoso “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”.
Desde o estouro financeiro de 2008, Estados Unidos, Reino Unido e Banco Central Europeu se dedicaram à emissão de dinheiro eletrônico, um mecanismo conhecido em inglês como “quantitative easing”, e a baixar as taxas de juros a mínimos históricos para estimular o consumo. “A ideia é que, mantendo essas taxas de juros, o setor privado terminará investindo, algo que não está fazendo porque a demanda está estagnada. Em resumo, o problema mais grave é que essa política monetarista não está funcionando”, disse à “Carta Maior” Ismail Erturk, catedrático sênior de finanças da “Universidade de Negócios de Manchester”.
Esse monetarismo foi debatido no chamado mundo desenvolvido, mas sem a estridência desqualificadora reservada ao governo de Dilma Rousseff. No caso do Reino unido e da Eurozona, a comparação se torna mais absurda se tomamos como parâmetro a crise provocada pelos programas de austeridade vigentes na Europa. No Reino Unido, a coalizão conservadora-liberal democrata que assumiu em maio de 2010, encabeçada pelo primeiro-ministro David Cameron, herdou forte déficit fiscal, produto do estouro financeiro de 2008-2009, e incipiente recuperação de 1,7%, pela mão do estímulo fiscal do governo trabalhista de Gordon Brown.
A coalizão prometeu equilibrar as contas fiscais ao final de seu período de governo, em 2015, e projetou crescimento de 2,1% para 2011 e 2,5% para 2012. A chave-mestra para esse passe de mágica era um programa de austeridade com cortes de 80 bilhões de libras (cerca de 140 bilhões de dólares) com perda de mais de meio milhão de empregos públicos. O resultado desse apequenamento logo ficou evidente. Em 2011, o crescimento real foi de 0,8%, enquanto que, em 2012, foi negativo (menos 0,4%). Quanto ao equilíbrio fiscal, o próprio governo admitiu, neste dezembro, que para atingi-lo terá que ampliar a política de austeridade até...2018.
As coisas não andam melhor pela eurozona. Com a bandeira da austeridade, a União Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional (a “Troika”) conseguiram converter a débâcle fiscal de um país que representava pouco mais de 2% do PIB da eurozona em uma crise que pode colocar em perigo todo o projeto pan-europeu. Desde o começo da crise grega em 2010, quatro nações terminaram regatadas pela Troika (Grécia, Portugal, Irlanda e Chipre), a banca espanhola foi salva com injeção de 100 bilhões de euros do Banco Central Europeu e a Grécia recebeu novo pacote de ajuda em dezembro, no valor de 34 bilhões euros, que todos sabem que não será o último.
Em 2012, a eurozona teve crescimento negativo de 0,5% que esconde em seu interior extraordinárias disparidades (a queda da Grécia superou 7%, enquanto que a Alemanha cresceu 0,8%). Segundo um informe da ONU, divulgado em 20 de dezembro, com essas políticas de austeridade as coisas vão piorar. O cálculo é que a região crescerá um magro 0,5% em 2013.
O governo de Barack Obama não apostou na austeridade e conseguiu evitar uma queda como a do Reino Unido ou da eurozona, mas sua recuperação é menor do que a esperada e está ameaçada por uma obra prima do terror econômico: o abismo fiscal. Em agosto, o Congresso estabeleceu o 1º de janeiro como prazo para chegar a um acordo sobre o gasto público e as reduções tributárias aprovadas durante a presidência de George Bush que finalizam nessa data.
Se não houver acordo e as medidas entrarem em vigor, o resultado será recessão nos Estados Unidos e forte impacto em uma economia mundial que, nas atuais projeções, crescerá 2,4%, muito menos do que é necessário para recuperar o terreno perdido desde o estouro do “Lehman Brothers”. A responsabilidade fiscal das reduções de impostos de George Bush foi discutida em seu momento, mas nenhuma usina midiática econômica teve a ideia de colocar um nariz vermelho no artífice da invasão ao Iraque. Assim são as coisas.”
FONTE: escrito por Marcelo Justo, de Londres, e publicado no site “Carta Maior” com tradução de Marco Aurélio Weissheimer (http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=21448).
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