Prefeito Fernando Haddad em seu gabinete; em entrevista, ele afirmou que 'o PT não vai perder o bonde'
Por Mônica Bergamo e Eduardo Geraque, na [tucana] “Folha de São Paulo”
“Uma semana depois de anunciar que baixaria as tarifas de ônibus na cidade, o prefeito Fernando Haddad recebeu a “Folha” em seu gabinete para um balanço.
“Uma semana depois de anunciar que baixaria as tarifas de ônibus na cidade, o prefeito Fernando Haddad recebeu a “Folha” em seu gabinete para um balanço.
Disse que a prefeitura está "insolvente" e que seu problema agora é fechar as contas até dezembro. Afirmou que não pode "desperdiçar" a energia das ruas e que pretende, se necessário, "comprar briga" com os usuários de carro para melhorar o transporte público.
Para Haddad, que é professor de ciência política, ainda não está clara a agenda das manifestações que tomaram conta do país. Tanto podem ser "progressistas" quanto "desaguar em retrocessos". Leia abaixo os principais trechos da entrevista:
Folha - O senhor foi insensível e tratou como técnico um problema que era político, inclusive demorando para receber os manifestantes?
Fernando Haddad - Discordo. Os fatos não são esses. Nas duas primeiras manifestações aqui na Prefeitura, nós tínhamos uma comissão para receber aqueles jovens [do Movimento Passe Livre]. E eles disseram que não havia o que negociar. Era baixar ou baixar [a tarifa de ônibus]. Os jornalistas registraram a recusa [de diálogo]. E escreveram, inclusive, que eu não deveria negociar com vândalos. Fui criticado por abrir diálogo com aqueles que eram considerados vândalos. E que hoje são festejados pela mesma imprensa que os acusou.
E o que diria a eles?
Eu queria explicar que a tarifa estava defasada há dois anos e que toda a região metropolitana tinha feito o reajuste, em janeiro, para R$ 3,30. E que em SP ele seria menor do que a inflação. Mas só houve o pedido de diálogo [dos manifestantes] no dia em que eu e o governador Geraldo Alckmin estávamos em Paris, por causa da Expo 2020. O município e o Estado foram pegos no contrapé por atenderem ao pedido do governo federal para não dar o aumento antes, aguardando as desonerações. E ficaram isoladamente como aqueles que estavam aumentando.
Por que relutou tanto em baixar a tarifa?
Porque isso vai ter consequências de médio e longo prazo imprevisíveis. Não estamos falando só de 2013.
Será impossível um aumento em 2014?
Não vou nem discutir esse tema. Tenho que fechar as contas de 2013. Meu longo prazo é dezembro.
A prefeitura quebrou?
Você quer uma palavra [rindo]... A posição da prefeitura é de “insolvente”.
São R$ 200 milhões para cobrir a baixa da tarifa em 2013?
Que nós não tínhamos. Mas tem uma boa notícia: o sucesso do programa de parcelamento do governo estadual, que aumenta o repasse do ICMS para o município na ordem de R$ 276 milhões. A repactuação da dívida com a União, no Congresso, se tornou premente. SP é hoje a cidade mais debilitada do país em função da dívida e dos precatórios, questão em aberto [no STF], com repercussões desastrosas sobre as finanças municipais. [Reflexo das desastrosas administrações Serra e Kassab, que somente muito investiram em comunicação social].
E para investir?
Temos cerca de R$ 3 bilhões. Que, para SP, não é nada. Precisaríamos de R$ 6 [bilhões] para chegar em patamar mínimo. Por isso fiz questão de deixar claras as consequências desse gesto [de baixar a tarifa]. Em termos per capita, SP investe menos da metade do Rio. Os contratos de terceirização tiveram aumento vertiginoso, muito acima da inflação nos últimos três anos. Fizemos um enorme esforço e conseguimos economizar R$ 500 milhões, para fechar a conta.
E quando decidiu baixar?
Foram três fatores. A decisão da prefeitura do Rio, que estava com uma megamanifestação prevista para o dia seguinte; a decisão do governo [de não votar novas desonerações]; e relatos sobre a segurança pública [em SP].
Não havia resposta das forças de segurança em relação aos saques e depredações. Diante das circunstâncias e dos riscos para a população, eu tomei a decisão. Para mim, o mais importante é que não terei falseado para a população as consequências. Nunca faltei com a verdade nem soneguei informação. Eu vou para onde me convidarem, rádio, televisão. É claro que, quando você convoca manifestação, aparecem 50 mil. Quando fala "vamos discutir", 40 mil somem.
Sempre se discute desonerações. Mas pouco se fala das empresas. Elas lucram muito? São máfias, cartéis?
Se há uma coisa que eu não temo é a abertura de qualquer dado ou documento sobre isso. Nós cancelamos a licitação [para renovar os contratos com as companhias de ônibus, por 15 anos e R$ 46 bilhões]. Entendemos que eles vão superar três, quatro administrações. Nesse contexto, não podem ser feitos sem muita participação.
Mas iriam ser feitos caso não houvesse passeatas.
Eles estavam em consulta pública. O contexto mudou. Ninguém pediu para... Ninguém participa dessas coisas. Fizemos reunião com milhares de pessoas nas 31 subprefeituras para discutir um programa de metas. Das 9.000 propostas que recebemos, três referem-se ao preço da passagem. Três! E nenhuma pedia o passe livre.
Essa é uma pauta de estudantes de classe média?
Do meu ponto de vista, uma pauta de todos é a da qualidade. Por isso que o edital [para a renovação dos contratos com as empresas] alterava regras como o pagamento por passageiro. Hoje, não importa se o ônibus carrega 50 ou 150 pessoas. E, muitas vezes, o empresário prefere pagar multa do que botar o ônibus para circular.
Mas o cancelamento só ocorreu depois das manifestações.
Mas é evidente que tenho que usar isso. Não posso desperdiçar a energia das ruas. Agora, assumi em janeiro, com contratos vencendo. Se não faço a licitação, sou acusado de forçar um contrato de emergência [sem concorrência] e favorecer empresário. Se faço, sou açodado. Você não escapa. Hoje, vocês publicam notícia de que a CPI [da Câmara, que investigará o sistema de transporte] é governista. Ela não é governista nem deixa de ser. Todos os partidos têm o direito de participar. E ainda, desculpa, têm o disparate de dizer que são ínfimas as chances de [a CPI] me atingir. Como assim? Qual é a acusação?
A CPI vai ser transparente?
É problema da Câmara. A minha administração vai ser. Considero quase um desrespeito dizer "são ínfimas as chances..." Estamos chegando, abrindo números, discutindo com a sociedade. Do que estamos falando, afinal?
Com a criação das faixas para ônibus, pode haver conflito com os usuários de carro.
A faixa exclusiva é uma decisão política, é comprar briga [com carro]. Uma decisão difícil de ser tomada. Tanto é que ninguém tomou. Estou cumprindo exatamente o meu programa de governo. Porque, agora, também virou pecado cumprir compromisso de campanha.
E o pedágio urbano?
Não simpatizo. Operacionalmente, é complexo. A chance de injustiça é grande. O transporte, como um todo, financiar o transporte público me parece mais engenhoso. É até paradigmático, até como política pública tipo exportação. Padrão FIFA, como se diz.
O plano de implantação do bilhete único foi afetado?
Nós temos aí o desafio de fazer essa transição na ponta do dedo. Você gerou uma instabilidade em um sistema que é muito frágil, muito delicado. Tem insegurança.
Não há certa letargia do poder público, que foi chacoalhada pelas passeatas?
Sinceramente, a energia da rua é boa, se bem canalizada, bem utilizada. Mas a administração pública tem que cumprir o seu dever com ou sem passeata. Estávamos cumprindo sem, e vamos continuar cumprindo com. O corte do meio bilhão de reais em contratos não dependeu de passeata para ser feito.
O PT está perdendo o bonde dos movimentos sociais?
Não tem hipótese. O PT é a maior e mais eficiente máquina de organização popular já criada no país. Quem não quiser ver isso vai se surpreender. Em nenhum tempo houve isso. E isso não vai se perder. O PT é um patrimônio da democracia. Nasceu da base, do cortador de cana, do metalúrgico. Agora, outros movimentos surgirão.
A inflação pode estar levando as pessoas para as ruas?
A conjuntura pode afetar. O PT tem entre 25 e 30% de preferência partidária. Se nós somarmos com outras legendas, chega a 50% do eleitorado. Ou seja, tem um povo aí que talvez não esteja conseguindo fazer sua voz chegar nesses canais institucionais. Tem um povo apartidário na rua e, curiosamente, é de esquerda e de direita.
O país não tem tradição de manifestações.
Em Caracas [Venezuela], em Buenos Aires [Argentina], Santa Cruz de La Sierra [Bolívia], em Quito [Equador], é normal ter manifestação. E aqui, não. Parece que agora você vai ter uma democracia de pessoas querendo se manifestar. Contra a intolerância, o preconceito, a Copa, as tarifas. Também nos países ricos, o povo não sai da rua, até com pautas conservadoras, contra a união civil de pessoas do mesmo sexo. Não precisa estar em crise. A pergunta que cabia era: por que o Brasil é o único país do mundo que não se manifesta?
Talvez por isso tanto susto.
Tem uma disputa. E tem gente que, conhecendo o perfil conservador da sociedade brasileira, teme pelo pior.
E o senhor?
Não. As bandeiras conservadoras já vinham se expressando no Brasil, sobretudo nas eleições. E, agora, elas ganharam expressão fora do período eleitoral, o que é uma novidade. Nas manifestações das “Diretas Já” [em 1984] ou pelo “impeachment” [de Fernando Collor, em 1992], você tinha uma pauta homogênea e progressista.
E agora?
Eu diria que isso não está definido em relação, hoje, à agenda da rua. Se ela é progressista, ou se revelará contradições e tensões que podem desaguar em retrocessos. É uma preocupação razoável de pensadores que têm distanciamento para analisar. O Brasil vai ser um país mais provinciano, mais atrasado, mais conservador, fechado? Ou é uma energia que vai ajudá-lo a se abrir mais? A sociedade abriu a discussão. E, quando isso ocorre, você não sabe o fim da história. Não tem segurança sobre o fim do processo.
E o ex-presidente Lula?
Lula é muito diferenciado. Ele se sente sempre estimulado por esse tipo de ebulição. Não se deixa acuar.”
FONTE: reportagem de Mônica Bergamo e Eduardo Geraque, na tucana “Folha de São Paulo" e no portal UOL (do Grupo "Folha") (http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2013/06/1303638-o-pt-nao-vai-perder-o-bonde-afirma-fernando-haddad.shtml) e (http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidiano/116684-o-pt-nao-vai-perder-o-bonde-diz-haddad.shtml). [Título e trechos entre colchetes adicionados por este blog 'democracia&política'].
HADDAD NÃO RECUA. ELE ESTAVA CERTO
Haddad foi pra cima da “máfia dos transportes”
“O portal “Conversa Afiada” reproduz excelente entrevista de Fernando Haddad, no [jornal tucano-serrista] “Estadão”:
‘Fui o único que disse ser preciso financiar a redução das tarifas’, diz Haddad
Petista diz que não errou nas negociações, prega redução da taxa paga a empresários e nega haver mal-estar com Planalto
“Fernando Haddad afirma que não faz cálculos políticos ao tomar decisões administrativas. Em entrevista ao “Estado”, na última quinta-feira, em seu gabinete, ele relatou fatos que o obrigaram a reduzir as tarifas de ônibus, como o aviso do prefeito do Rio, Eduardo Paes, de que adotaria a medida. Mas pesaram muito os informes que recebeu sobre segurança pública e os riscos de violência. Ele elogia a parceria com o governador Geraldo Alckmin, e garante não ter sido abandonado pelo PT ou pelo Palácio do Planalto. Fala abertamente que é a favor de uma taxa de retorno menor aos empresários do setor de transporte, hoje em torno de 13%.
O Sr. condenou atos de violência e depois disse que não havia espaço para reduzir tarifas. Cometeu erro de avaliação política?
Divergimos em relação aos fatos. Nas duas primeiras manifestações, eu estava em São Paulo, me dispus ao diálogo, a receber o movimento. Condenei os atos de violência, não condenei a manifestação. Estava disposto a recebê-los. Não fui atendido. Quem depois mudou de posição foi o movimento. Quando eu estava em Paris, houve pedido de audiência.
Num segundo momento, o Sr. foi intransigente em relação ao pedido de redução da tarifa.
A pedido do governo federal, adiamos para junho o aumento da tarifa, em acordo pelo qual, como contrapartida, haveria desoneração dos transportes para que o aumento da tarifa fosse bem abaixo da inflação, o que ocorreu. A inflação acumulada gira em torno de 15% e o reajuste que foi dado para R$ 3,20 é da ordem de 6%. Foi feita uma pactuação com o governo federal.
E por que o Sr. recuou e decidiu revogar a tarifa?
A Prefeitura se encontra com muita dificuldade para retomar investimentos. Investe menos do que o Rio em termos per capita. Minha campanha foi baseada na retomada dos investimentos, inclusive para transporte. Foi correto dizer que isso terá consequências para as finanças municipais. Eu repetiria aquele gesto.
Então por que voltou atrás?
Em função de uma série de ocorrências. Os informes que recebi sobre a segurança pública na cidade de São Paulo, que apontava fragilidades enormes; a informação que recebi de que não haveria votação do REITUP (projeto de lei que cria o “Regime Especial de Incentivos”, com desonerações sobre óleo diesel) e o informe que recebi do prefeito do Rio, Eduardo Paes, de que faria o anúncio da redução.
O Sr. não tinha saída?
É isso. Mas meu posicionamento, que foi feito, está mantido.
O Sr. não acha que cometeu nenhum equívoco político?
A cidade tem de ser minimamente informada das consequências. Uma coisa é a sociedade, de forma organizada, pautar o debate que considero absolutamente legítimo sobre gratuidade, modicidade tarifária – aliás, teses que defendo desde sempre. Talvez o único político que lançou a tese de que era preciso encontrar fontes de financiamento em proveito da modicidade tarifária do transporte público fui eu.
O Sr. se sentiu abandonado pelo governo federal?
Não. Mas deixei claro que isso terá consequências para hoje e para o futuro.
O Sr. conversou com a presidente Dilma quando tomou a decisão de reduzir a tarifa?
Eu liguei para ela informando.
O Sr. foi aconselhado, para não dizer pressionado, por Dilma e Lula para reduzir a tarifa?
É falso. Absolutamente falso. Eu estava rigorosamente seguindo o roteiro estabelecido e explicando que, ao contrário das cidades que tinham aumentado a tarifa em janeiro e tinham espaço para reduzir em função da desoneração, o mesmo raciocínio não cabia para São Paulo, que não reajustou a tarifa e que tinha assumido o compromisso de reajustar bem menos do que a inflação. Efetivamente, as finanças públicas da cidade são as piores do País. Não posso deixar de comunicar isso para a cidade.
Alguns petistas acham que demorou demais a reduzir a tarifa.
Não comento declarações anônimas.
Há dois anos, subsídios (para o setor de transportes) eram de R$ 600 milhões. Depois, R$ 900 milhões e passarão para R$ 1,2 bilhões. A inflação do período foi 15%…
O sistema custa em torno de R$ 5,5 bilhões. Para cada 6% de inflação que não repasso para a tarifa, dá quase R$ 300 milhões. É isso o que custa não aumentar a tarifa todo ano. Os 6% não são sobre o subsídio, mas sobre o volume de recursos arrecadados pelo sistema.
Qual a taxa de retorno dos empresários do setor?
Segundo a SPTrans, gira em torno de 13% a 14%, o que dá mais ou menos 6% da tarifa.”
FONTE DA COMPLEMENTAÇÃO: portal “Conversa Afiada” (http://www.conversaafiada.com.br/economia/2013/06/30/haddad-nao-recua-ele-estava-certo/).
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