Derrubada da
Irmandade Muçulmana atinge islã político no Egito
Por José Antonio Lima, na revista “Carta Capital”
desta semana
“A derrubada de Mohamed Morsi, anunciada na
quarta-feira (3) pelo Conselho Supremo das Forças Armadas do Egito, terá
repercussões não apenas no Egito, mas também no resto do Oriente Médio. O golpe
derrubou a Irmandade Muçulmana, grupo ao qual Morsi pertence, mas também
atingiu em cheio o islã político, movimento presente em diversos países e cuja
inserção no diálogo democrático é fundamental para a estabilidade regional.
Em 2011, no despontar da chamada Primavera Árabe, a
expectativa era de que a derrubada de ditadores abrisse espaço para transições
democráticas, nas quais teriam espaço todas as forças políticas existentes.
Esta abertura tinha um grande desafio intrínseco a ela – inserir no processo democrático os grupos do islã político, duramente
reprimidos pelos governos derrubados e também naqueles que persistem até hoje.
No caso do Egito, o grupo fundamentalista mais
proeminente é a Irmandade Muçulmana, que passou a maior parte de seus 85 anos
de história na ilegalidade. Nesse período, enquanto enfrentava perseguições e
torturas, o grupo recorreu à violência e deu guarida a alguns dos pensadores
mais radicais do islã, como Sayyid Qutb, o responsável pela ideologia de grupos
como a Al-Qaeda. Ao longo dos anos, entretanto, a Irmandade Muçulmana moderou
suas posições. Abandonou a violência, se distanciou da ideologia de Qutb e
passou a disputar eleições legislativas de forma consecutiva desde 1984, sempre
apresentando candidatos “independentes” no pleito.
Com a queda de Mubarak, a Irmandade vislumbrou a
primeira chance não apenas de disputar o poder, mas de, legitimamente,
conquistá-lo. O grupo, extremamente organizado, obteve 50% das cadeiras no
Parlamento egípcio (posteriormente
dissolvido pela Justiça) e elegeu Morsi presidente do país. De fato, uma
vez no poder, a Irmandade Muçulmana foi uma grande decepção. O grupo
não conseguiu resolver os graves problemas econômicos do Egito e, na política,
se mostrou pouco inclusivo, uma sede de poder que ajudou a radicalizar a
oposição.
MAIS PERSEGUIÇÃO?
Nas primeiras horas após o golpe, os sinais
emitidos pelo novo regime foram altamente preocupantes. Eles indicam, apesar do
discurso de moderação, que os militares estão dispostos a realizar uma nova
perseguição contra os irmãos muçulmanos e, eventualmente, até colocar o grupo
novamente na ilegalidade.
Segundo o jornal “Al-Ahram”, cerca de 300 líderes
da Irmandade Muçulmana foram presos. Ao menos três canais ligados ao islã
político foram tirados do ar e seus jornalistas, presos. O mesmo ocorreu com a “Al-Jazeera
Mubasher”, versão egípcia da emissora do Catar, vista como pró-Irmandade
Muçulmana.
Não há muitas dúvidas de que a derrubada de Morsi e
a perseguição aos irmãos muçulmanos entrarão para o ideário dos islamistas, não
apenas dos egípcios, como prova de que não há espaço para eles nos processos de
democratização do Oriente Médio. Um possível reflexo dessa impressão não é mais
democracia, mas sim mais violência e instabilidade.
Em entrevista ao jornal “Financial Times”, Alaa
Aboul Nasr, líder do “Grupo Islâmico”, ex-facção terrorista que abandonou a
violência e entrou na política, afirmou que o golpe leva o Egito “a uma situação perigosa”. “Os partidos islâmicos têm a mesma ideologia,
mas não a mesma forma de reagir”, disse. “Alguns deles podem retomar a violência em caso de um golpe”.
O radicalismo pode ganhar espaço porque, como
mostra reportagem do jornal “The Guardian”, a queda de Morsi pode ser vista
como um ataque à religião muçulmana da forma como é percebida pelos islamitas.
Em um comício em apoio a Morsi registrado pelo jornal, houve promessas de
derrubar seu substituto e até chamados para o “martírio” caso o governo caia
nas mãos de um líder secular.
O grau da violência vai depender de como a
liderança da Irmandade Muçulmana e de outros grupos islamitas (egípcios e de
outros países) vão reagir a todos esses fatos. Em 1996, após um golpe contra o
então premier turco Necmettin Erbakan, um jovem líder de seu partido alterou o
discurso radical da sigla, também islamita, tornando-o mais palatável para o
Ocidente e os setores seculares da Turquia. O jovem líder era Recep Tayyip
Erdogan, atual primeiro-ministro turco, que, apesar da recente onda de
violência na Turquia, lidera um país visto como exemplo na tentativa de
conciliar o islã político com a democracia.
No caso do Egito, como na Turquia, está em curso
uma batalha pela identidade do país: ele
é secular ou islâmico? Com as posições que os dois lados têm hoje, a
diferença entre elas é irreconciliável. Uma mudança de postura por parte dos
islamitas se faz muito necessária, mas é difícil crer que ela se dará com seus
líderes na cadeia. Se os militares egípcios e os setores seculares da sociedade
local também não moderarem suas posições e mostrarem alguma tolerância, o Egito
pode embarcar na repetição de um ciclo de repressão e violência capaz de
contaminar todo o Oriente Médio.
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