domingo, 7 de julho de 2013

O GOLPE MILITAR NO EGITO

Derrubada da Irmandade Muçulmana atinge islã político no Egito

Por José Antonio Lima, na revista “Carta Capital” desta semana

“A derrubada de Mohamed Morsi, anunciada na quarta-feira (3) pelo Conselho Supremo das Forças Armadas do Egito, terá repercussões não apenas no Egito, mas também no resto do Oriente Médio. O golpe derrubou a Irmandade Muçulmana, grupo ao qual Morsi pertence, mas também atingiu em cheio o islã político, movimento presente em diversos países e cuja inserção no diálogo democrático é fundamental para a estabilidade regional.

Em 2011, no despontar da chamada Primavera Árabe, a expectativa era de que a derrubada de ditadores abrisse espaço para transições democráticas, nas quais teriam espaço todas as forças políticas existentes. Esta abertura tinha um grande desafio intrínseco a ela – inserir no processo democrático os grupos do islã político, duramente reprimidos pelos governos derrubados e também naqueles que persistem até hoje.

No caso do Egito, o grupo fundamentalista mais proeminente é a Irmandade Muçulmana, que passou a maior parte de seus 85 anos de história na ilegalidade. Nesse período, enquanto enfrentava perseguições e torturas, o grupo recorreu à violência e deu guarida a alguns dos pensadores mais radicais do islã, como Sayyid Qutb, o responsável pela ideologia de grupos como a Al-Qaeda. Ao longo dos anos, entretanto, a Irmandade Muçulmana moderou suas posições. Abandonou a violência, se distanciou da ideologia de Qutb e passou a disputar eleições legislativas de forma consecutiva desde 1984, sempre apresentando candidatos “independentes” no pleito.

Com a queda de Mubarak, a Irmandade vislumbrou a primeira chance não apenas de disputar o poder, mas de, legitimamente, conquistá-lo. O grupo, extremamente organizado, obteve 50% das cadeiras no Parlamento egípcio (posteriormente dissolvido pela Justiça) e elegeu Morsi presidente do país. De fato, uma vez no poder, a Irmandade Muçulmana foi uma grande decepção. O grupo não conseguiu resolver os graves problemas econômicos do Egito e, na política, se mostrou pouco inclusivo, uma sede de poder que ajudou a radicalizar a oposição.

MAIS PERSEGUIÇÃO?

Nas primeiras horas após o golpe, os sinais emitidos pelo novo regime foram altamente preocupantes. Eles indicam, apesar do discurso de moderação, que os militares estão dispostos a realizar uma nova perseguição contra os irmãos muçulmanos e, eventualmente, até colocar o grupo novamente na ilegalidade.

Segundo o jornal “Al-Ahram”, cerca de 300 líderes da Irmandade Muçulmana foram presos. Ao menos três canais ligados ao islã político foram tirados do ar e seus jornalistas, presos. O mesmo ocorreu com a “Al-Jazeera Mubasher”, versão egípcia da emissora do Catar, vista como pró-Irmandade Muçulmana.

Não há muitas dúvidas de que a derrubada de Morsi e a perseguição aos irmãos muçulmanos entrarão para o ideário dos islamistas, não apenas dos egípcios, como prova de que não há espaço para eles nos processos de democratização do Oriente Médio. Um possível reflexo dessa impressão não é mais democracia, mas sim mais violência e instabilidade.

Em entrevista ao jornal “Financial Times”, Alaa Aboul Nasr, líder do “Grupo Islâmico”, ex-facção terrorista que abandonou a violência e entrou na política, afirmou que o golpe leva o Egito “a uma situação perigosa”. “Os partidos islâmicos têm a mesma ideologia, mas não a mesma forma de reagir”, disse. “Alguns deles podem retomar a violência em caso de um golpe”.

O radicalismo pode ganhar espaço porque, como mostra reportagem do jornal “The Guardian”, a queda de Morsi pode ser vista como um ataque à religião muçulmana da forma como é percebida pelos islamitas. Em um comício em apoio a Morsi registrado pelo jornal, houve promessas de derrubar seu substituto e até chamados para o “martírio” caso o governo caia nas mãos de um líder secular.

O grau da violência vai depender de como a liderança da Irmandade Muçulmana e de outros grupos islamitas (egípcios e de outros países) vão reagir a todos esses fatos. Em 1996, após um golpe contra o então premier turco Necmettin Erbakan, um jovem líder de seu partido alterou o discurso radical da sigla, também islamita, tornando-o mais palatável para o Ocidente e os setores seculares da Turquia. O jovem líder era Recep Tayyip Erdogan, atual primeiro-ministro turco, que, apesar da recente onda de violência na Turquia, lidera um país visto como exemplo na tentativa de conciliar o islã político com a democracia.

No caso do Egito, como na Turquia, está em curso uma batalha pela identidade do país: ele é secular ou islâmico? Com as posições que os dois lados têm hoje, a diferença entre elas é irreconciliável. Uma mudança de postura por parte dos islamitas se faz muito necessária, mas é difícil crer que ela se dará com seus líderes na cadeia. Se os militares egípcios e os setores seculares da sociedade local também não moderarem suas posições e mostrarem alguma tolerância, o Egito pode embarcar na repetição de um ciclo de repressão e violência capaz de contaminar todo o Oriente Médio.

FONTE: escrito por José Antonio Lima, na revista “Carta Capital”. Transcrito no blog “Escrivinhador” (http://www.rodrigovianna.com.br/geral/derrubada-da-irmandade- muculmana-atinge-isla-politico.html#more-20495).

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