Por Marcos Coimbra, na
revista “Carta Capital”
“Enquanto perdem fôlego
e amainam as manifestações de protesto que afetaram o País nas últimas semanas,
está na hora de procurar entender seu significado.
Uma das maiores
dificuldades para compreendê-las é que não tiveram sentido único. Salvo,
talvez, nos primórdios, quando usuários de transportes públicos foram às ruas
em São Paulo para reclamar do aumento no preço das passagens. Lá, ainda
tínhamos o cenário que explica as mobilizações sociais mais características:
causa concreta, pessoas afetadas concretamente, reivindicações concretas.
Muito se diz que as
manifestações seguintes foram novas. Diferentes, por exemplo, das que a direita
fez pela deposição de João Goulart ou das que empurraram o governo Collor para
a crise final.
Mas, será que a
“horizontalidade” e a “difusão” das atuais as tornam mesmo originais?
Não terá existido, nas
manifestações do mês de junho, um segmento que desempenhou papel definidor
análogo ao dos anticomunistas e dos conservadores católicos nas marchas de
1964? Dentre os muitos tipos de gente que foi às ruas, não houve um que
forneceu personalidade ao “movimento”?
Para identificar o
sentido das que aconteceram agora, temos o perfil mais típico dos
participantes, suas bandeiras mais características e as reações mais comuns que
suscitaram.
Nada ilustra melhor a
mudança do perfil socioeconômico dos manifestantes que a imagem veiculada pela
TV Globo nos primeiros jogos do Brasil na Copa das Confederações: madames vestidas a caráter e cheias de
balangandãs, brandindo cartazes sobre o “fim da corrupção” e fazendo propaganda
de um endereço no Twitter. Os jovens que, no YouTube, se tornaram astros
dos “insatisfeitos”, parecem seus filhos ou irmãos.
No conteúdo, o elemento
central da “ideologia das ruas” foi a
crítica à representação política e às instituições, particularmente os partidos
políticos. Os manifestantes gritaram País afora que não se sentiam
representados por ninguém, que estavam na rua para denunciar os “políticos” e “fazer política com as próprias mãos”. As
vagas perorações em favor de “mais verbas
para a educação e a saúde” ou contra os “gastos exagerados na Copa do Mundo”
nada mais foram que pretextos para externar sua aversão ao sistema político e
ao governo.
Quem monitorou as redes
sociais durante esses dias percebeu que os defensores mais entusiastas das
passeatas foram os antipetistas radicais. Esses é que se sentiram em íntima
comunhão com os participantes e torceram para que as manifestações escalassem,
enfraquecendo o governo e prejudicando as chances de reeleição da presidenta.
Para dizer o óbvio,
quem deu o sentido das manifestações foi a classe média antipetista,
predominantemente de direita. Nem sempre, nem todos os participantes, mas em
seu núcleo característico.
Ou seja: embora tenham participado do movimento desde
punks neonazistas a adolescentes apenas curiosos (e mesmo gente
genuinamente progressista), seu rosto é
nítido.
A classe média
antipetista tem motivos reais para estar insatisfeita com a representação que
tem. Ao contrário do cidadão que simpatiza com o PT e outros partidos de
esquerda, e que majoritariamente aprova o governo, ela se sente mal
representada.
Faz tempo que Fernando
Henrique Cardoso lhe dá razão. Em texto de 2011, em que tentava explicar a
vitória de Dilma e definia novos caminhos para a oposição, propunha ao PSDB que
deixasse o “povão” para o PT e fosse procurar a classe média: “É a essa que as oposições devem dirigir suas
mensagens prioritariamente”. Dizia que o partido precisava “mergulhar na vida cotidiana” e encontrar
“ligações orgânicas com grupos que
expressem as dificuldades e anseios do homem comum” (leia-se, de classe
média).
Lembrava que havia “toda uma gama de classes médias”, empresários
jovens, profissionais, “novas classes
possuidoras”, que estariam “ausentes
do jogo político-partidário, mas não desconectadas das redes de internet,
Facebook, YouTube, Twitter etc.”. Considerando seu “pragmatismo”, o
discurso para atraí-las não deveria ser “institucional”, mas centrado em temas
como a corrupção, o trânsito, os problemas urbanos, os serviços públicos.
FHC queria uma oposição
que “suscitasse o interesse” da
classe média e lhe “oferecesse
alternativas”. Se não conseguisse ser “uma
alternativa viável de poder, um caminho preparado por lideranças nas quais
confie”, sequer adiantaria “se a
fagulha da insatisfação produzisse um curto-circuito”.
Falou, mas não fez.
Nessa, como em outras oportunidades, as oposições brasileiras mostraram-se mais
competentes na conversa que na ação. Perceberam os desafios, mas não lhes deram
resposta.
Foram de Serra, quando
precisavam renovar-se. Apresentam Aécio como prosseguidor da “herança de FHC”.
Nada fizeram para “organizar-se pelos
meios eletrônicos, dando vida a debates verdadeiros sobre os temas de interesse
dessas camadas”, como sugeria o ex-presidente.
Presas de seus
paradoxos, as oposições criaram a crise de representação dos setores da
sociedade a quem pretendiam (e deveriam) expressar. Talvez principalmente, foi
a impaciência das classes médias antipetistas com a oposição que as levou às
ruas.
Depois, é claro, de um
ano de ataque da mídia conservadora ao governo. Seus estrategistas acharam que
conseguiriam, através de incursões cirúrgicas, eliminar somente as lideranças
do PT. O que fizeram foi ferir valores fundamentais da democracia.”
FONTE:
escrito por Marcos Coimbra, na revista “Carta
Capital” desta semana. Transcrito no portal
“Conversa Afiada” (http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/o-sentido-das-manifestacoes-por-marcos-coimbra).
[Imagem do Google adicionada por este blog ‘democracia&política’]
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