quarta-feira, 1 de outubro de 2014

AÉCIO E MARINA E A SUBSERVIENTE "DIPLOMACIA DOS PÉS DESCALÇOS"




A diplomacia dos pés descalços

Por Cláudio Gonzalez

"No início de 2002 [Gov FHC/PSDB], meses depois do atentado terrorista às Torres Gêmeas, os Estados Unidos ainda viviam a paranoia do reforço da segurança nacional. Nesse contexto, intensificaram as revistas de passageiros nos aeroportos e até mesmo alguns chanceleres como o brasileiro Celso Lafer foram obrigados a tirar os sapatos ao embarcarem em voos dentro de território americano. O Brasil protestou contra a humilhação imposta ao seu ministro de Relações Exteriores. Washington se desculpou de forma protocolar, mas o episódio ficou para sempre registrado como símbolo de uma política externa brasileira cabisbaixa e submissa aos Estados Unidos. A diplomacia dos pés descalços.

Quando Lula assumiu o governo em 2003, as relações exteriores do Brasil ganharam nova dinâmica, com posturas mais altivas e soberanas, alguns enfrentamentos necessários com as grandes potências e uma revisão estratégica da política externa, priorizando as relações com países latinos e emergentes. Diretrizes que vêm sendo mantidas no governo Dilma.

A direita brasileira, historicamente servil e subordinada aos interesses de Washington, nunca engoliu essa nova política externa inaugurada por Lula. Os esperneios direitistas são frequentes, sobretudo nos meios de comunicação. Na última semana, o discurso da presidenta Dilma Rousseff na Assembleia Geral da ONU deu margem para nova gritaria equivocada da direita. A diferença, desta vez, é que as vozes mais estridentes partiram das duas candidaturas presidenciais oposicionistas.

Marina Silva condenou o governo brasileiro por não ter assinado um suposto “tratado internacional” que estabelecia o compromisso de desmatamento zero de florestas até 2030. Já Aécio Neves, além de concordar com a bronca de Marina na questão ambiental, tratou de acusar a presidenta Dilma de “pactuar com terroristas”.

Quem acompanha os fatos da política apenas pelas redes sociais e dispõe de pouca informação, talvez dê razão para as críticas de Aécio e Marina em relação à política externa do governo brasileiro. Mas basta um pouquinho de interesse em buscar informação correta e especializada para constatar que as opiniões de Marina Silva e Aécio Neves não passam de provas constrangedoras de submissão às diretrizes do imperialismo estadunidense. 




Vamos aos fatos:

Sustentabilidade sem soberania

O documento que Marina Silva queria que o Brasil tivesse respaldado durante a Cúpula do Clima das Nações Unidas não é um documento da ONU. Longe disso. O tal “acordo” contra o desmatamento, intitulado “Declaração de Nova York sobre Florestas”, não passa de uma carta de intenções produzida por um punhado de ONG internacionais que conseguiu convencer apenas 28 dos quase 200 países membros das Nações Unidas a respaldá-lo.

Os outros 132 assinantes do textos são empresas multinancionais como a Cargill (sementes e rações), a Unilever, McDonald’s, Walmart, Nestlé, Johnson & Johnson; além de dezenas de ONG como a suspeita WWF, alguns governos “subnacionais” e 16 tribos indígenas. Entre os países que assinaram a Carta estão os Estados Unidos, a Alemanha, a França, o Reino Unido e mais um punhado de Nações sendo que algumas delas sequer têm florestas para preservar. Em contrapartida, países com grandes reservas florestais como Argentina, China, Austrália, Rússia, África do Sul, Índia e tantos outros agiram como o Brasil e não assinaram o acordo.

Ainda que a "Carta de Nova York" seja bem intencionada, ela tem dois problemas fundamentais: é fruto de um debate fechado para o qual o Brasil sequer foi convidado a participar e, além disso, não reconhece a possibilidade de deflorestamento legal, algo que está contido na legislação brasileira e é importante para o desenvolvimento sustentável da Amazônia. Portanto, o Brasil estaria pregando contra suas próprias leis ambientais – algumas delas defendidas por Marina Silva – se assinasse a Carta. Mesmo assim, a candidata do PSB-Rede, na pressa de fustigar o governo Dilma, atropelou a lógica e se alinhou automaticamente às ONG estrangeiras para “condenar” a posição brasileira.

Não se espera outra atitude de quem tem, entre seus principais apoiadores, um ambientalista como João Paulo Capobianco, que já chegou a afirmar que a soberania do Brasil sobre a Amazônia é relativa; e outro como o economista Mauricio Rands, que visita os Estados Unidos a 10 dias da eleição presidencial para prometer acordos bilaterais com Washington no caso de eleição de Marina. No fundo, esta é a agenda de Marina: "sustentabilidade sem soberania".

Multilteralismo x guerra imperialista

Na mesma linha, o candidato do PSDB, Aécio Neves e sua turba de seguidores nas redes sociais, respaldados pela grande mídia, tentaram desqualificar a política externa do governo Dilma acusando-a de apoiar o terrorismo. "A presidente propõe diálogo com um grupo que está decapitando pessoas. Realmente, essa não é a política externa que consagrou o Brasil ao longo de tempos", disse Aécio Neves. O tucano tomou como base para isso a resposta de Dilma a um jornalista que perguntava sobre os ataques americanos contra o Estado Islâmico na Síria e Dilma respondeu que achava lamentável que se continue apostando na guerra e não no diálogo como forma de solucionar conflitos.

Ok, todos sabemos que, na campanha, é preciso simplificar a mensagem para poder espalhá-la. A campanha de Dilma faz isso com o “vaca-tussa” dos direitos trabalhistas. Marina faz com o “direitos são conquistas, não favores” e Aécio Neves faz a simplificação com o “Dilma quer conversar com quem corta cabeças”. O problema, no caso de Aécio, é que sua simplificação traduz uma mensagem mentirosa e joga no denuncismo mais tosco (no pior estilo "Veja") um tema extremamente complexo e longe da realidade dos brasileiros.

O desavisado poderá questionar: ‘Ah, mas governos importantes como os da França, Inglaterra, Alemanha e diversos países árabes também apoiam a iniciativa bélica dos EUA na Síria.’ Esse tipo de questionamento ignora o básico: esses países têm interesses comerciais, internos e/ou geopolíticos, que justificam o apoio. Não se deve ter ilusão que o fazem por "razões nobres", muito menos "razões humanitárias". Respaldados por um falso discurso de combate ao terrorismo e de proteção internacional aos direitos humanos, grandes potências têm usado os conflitos para defender interesses mercantis, dominar territórios, subjugar populações. Foi essa denúncia que Dilma levou aos microfones da ONU e que nossa imprensa, de forma hipócrita e manipulada, tenta transformar em “apoio ao grupo terrorista Estado Islâmico”. O trecho relativo ao assunto presente no discurso de Dilma fala por si:

Não temos sido capazes de resolver velhos contenciosos nem de impedir novas ameaças. O uso da força é incapaz de eliminar as causas profundas dos conflitos. Isso está claro na persistência da Questão Palestina; no massacre sistemático do povo sírio; na trágica desestruturação nacional do Iraque; na grave insegurança na Líbia; nos conflitos no Sahel e nos embates na Ucrânia. A cada intervenção militar não caminhamos para a Paz mas, sim, assistimos ao acirramento desses conflitos. Verifica-se uma trágica multiplicação do número de vítimas civis e de dramas humanitários. Não podemos aceitar que essas manifestações de barbárie recrudesçam, ferindo nossos valores éticos, morais e civilizatórios. O Conselho de Segurança tem encontrado dificuldade em promover a solução pacífica desses conflitos. Para vencer esses impasses, será necessária uma verdadeira reforma do Conselho de Segurança, processo que se arrasta há muito tempo. (...) Um Conselho mais representativo e mais legítimo poderá ser também mais eficaz. Gostaria de reiterar que não podemos permanecer indiferentes à crise israelo-palestina, sobretudo depois dos dramáticos acontecimentos na Faixa de Gaza. Condenamos o uso desproporcional da força, vitimando fortemente a população civil, especialmente mulheres e crianças. Esse conflito deve ser solucionado, e não precariamente administrado, como vem sendo. Negociações efetivas entre as partes têm de conduzir à solução de dois Estados – Palestina e Israel – vivendo lado a lado e em segurança, dentro de fronteiras internacionalmente reconhecidas.”

A mensagem do governo brasileiro apenas reitera princípios tradicionais de nossa política externa, como a ênfase na diplomacia preventiva de conflitos, a prioridade aos meios pacíficos de solução de conflitos e o respeito ao direito internacional.

Apostar na cooperação, no diálogo e no multilateralismo para a promoção dos diretos humanos no mundo não é mera retórica diplomática, tampouco conivência com abusos praticados por governos ou grupos, mas sim uma visão avançada de política externa que só quem tem convicção de sua justeza é capaz de entender, formular e aplicar tal política.

Em apenas uma semana, Aécio e Marina deram diversas pistas de que não estão qualificados para manter ereta a postura do Brasil diante de questões internacionais sensíveis. E a genuflexão que eles ensaiam, infelizmente, indica que se eleitos não se acanhariam em deixar a nação descalça novamente diante de um risonho Tio Sam".

FONTE: escrito por Cláudio Gonzalez, editor-executivo da revista "Princípios". Transcrito no site "Pátria Latina"  (http://www.patrialatina.com.br/editorias.php?idprog=9313f5e96e48503b676b16e2e0d41455&cod=14398).

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