quarta-feira, 17 de setembro de 2008

TURQUIA ENTRE OS EUA E A RÚSSIA

O site do jornal alemão Der Spiegel publicou domingo análise do dilema hoje vivido pela Turquia. O texto é de Daniel Steinvorth em Istambul (Turquia), traduzido por Luiz Roberto Mendes Gonçalves

CRISE NO CÁUCASO: TURQUIA FICA NA CORDA BAMBA ENTRE RÚSSIA E OCIDENTE

“A Turquia foi tradicionalmente adepta da política de manter boas relações com a Rússia e com o Ocidente - até a eclosão da crise na Geórgia. Hoje os dois lados fazem exigências à Turquia. Chegou a hora de Ancara escolher um deles?

Vladimir Jirinovsky, 62, é o político de extrema-direita mais veemente da Rússia e afirma ser um grande amigo da Turquia. "Ninguém a ama como eu", cantou recentemente o robusto populista, que fala turco fluentemente, diante de uma platéia turca em Istambul.

Jirinovsky, que é formado em estudos orientais, visitou a Turquia pela primeira vez em 1962 como tradutor para a Comissão de Exportações da União Soviética. Durante sua visita, foi detido por divulgar "propaganda comunista" e passou 17 dias na cadeia. Depois escreveu um panfleto sobre suas experiências e recomendou que seu país ameaçasse todos os países de herança turca, porque o soldado russo "deve limpar suas botas no oceano Índico".

Hoje a paixão de Jirinovsky pelo vizinho do sul foi novamente ativada. "Aprendam russo, não olhem para o Ocidente, olhem para o norte", prega o encrenqueiro durante suas visitas regulares à Turquia. "A União Européia não quer vocês, mas nós queremos. Nós lhes daremos gás, vocês nos darão nozes!"

MAIOR PARCEIRO COMERCIAL

É verdade que a Turquia e a Rússia se aproximaram recentemente, e não apenas por causa dos recursos energéticos. A Rússia é o maior parceiro comercial da Turquia, que é membro da Otan. Ela importa quase 70% de suas necessidades de gás e 50% de carvão da Rússia. Na riviera turca, em Antalya e Side, os turistas russos hoje superam os alemães.

E sempre que os europeus criticam seu governo, o primeiro-ministro turco, Recep Tayyip Erdogan, resmunga que ao país tem uma alternativa e poderia se alinhar com outro país. Não há dúvida de que se refere à Rússia.

Se realizasse uma aliança com Moscou, Erdogan estaria virando a história de ponta-cabeça. A Guerra da Criméia (1853-56) foi o nono conflito entre os dois países. Outros vieram, até que finalmente o Império Otomano ficou em ruínas após a Primeira Guerra Mundial. Depois Kemal Ataturk, o fundador da Turquia moderna, fez o possível para proteger seu país dos agentes de Stálin. O sucessor de Ataturk mais tarde permitiu que os EUA estacionassem mísseis nucleares na Anatólia, juntamente com verdadeiras florestas de antenas para espionar os soviéticos.

MODELOS EUROPEUS

A Turquia sempre se voltou para o Ocidente, aspecto que foi desprezado pela Europa no debate sobre a proposta turca de entrar para a UE. O governo turco ofereceu em 1999 tropas terrestres para o conflito com o ditador sérvio Slobodan Milosevic. Ancara, assim como a Europa, mantém boas relações com Israel e se opõe às ambições nucleares do Irã. Na semana passada, o ministro das Relações Exteriores turco, Ali Babacan, assinou um acordo com os países do golfo Pérsico com o objetivo de conter a influência de Teerã.

E foram os turcos que pressionaram para receber o oleoduto Baku-Tbilisi-Ceyhan, através do qual o petróleo do mar Cáspio é bombeado para a Europa, contornando a Rússia e o Irã. Fora o conflito de Chipre, os turcos são, em termos de política externa, modelos de europeus.

Mas seu ato de equilíbrio entre Europa e Rússia raramente foi tão difícil quanto depois da guerra da Geórgia. O governo de Erdogan não teve opção senão unir-se à UE e aos EUA em apoio à integridade territorial da pequena república. O oleoduto do mar Cáspio significa que há interesses comuns com Tbilisi. Isso teve conseqüências para a Turquia.

Em meados de agosto, a Rússia começou a punir Ancara. Desde então oficiais da alfândega na fronteira Geórgia-Rússia têm examinado os caminhões turcos com um cuidado sem precedentes, causando congestionamentos de várias centenas de caminhões e prejuízos de US$ 500 milhões. O ministro das Relações Exteriores russo, Sergei Lavrov, prometeu que os controles "tecnicamente necessários" serão retirados em breve.

"GUERRA MORNA"

A Rússia também está irritada com a posição turca sobre a presença de navios de guerra americanos e europeus no mar Negro, independentemente do fato de esses navios supostamente estarem levando ajuda à cidade de Poti, na Geórgia. Lavrov descreveu os navios ocidentais como uma forma de "diplomacia de guerra" e pediu que a Turquia enrijecesse o controle dos estreitos de Bósforo e Dardanelos. Sob um acordo internacional que data de 1936, os navios de guerra não devem passar mais de 21 dias no mar Negro.

Mas os EUA também se irritaram porque os turcos - referindo-se ao mesmo acordo - se recusaram a permitir a passagem de outros navios de guerra, dizendo que eram simplesmente grandes demais.

"Bem-vindos à guerra morna", escreveu o colunista turco Cengiz Aktar sobre o novo dilema que seu país enfrenta. Desde o fim da Guerra Fria a Turquia vem sondando possíveis alianças em todas as direções. Agora chegou a hora de definir prioridades, escreveu Aktar. "Queremos nos comportar como nosso vizinho do norte e criar paz através da guerra?", ele pergunta. "Ou queremos ser como a União Européia e conduzir a política por meios pacíficos?"

A flexibilidade é o curinga da Turquia. Todas as portas estão abertas para ela, que sempre manteve boas relações com os EUA, a Europa e Israel. E depois do fim da Guerra Fria expandiu sua esfera de influência entre seus "irmãos turcos" na Ásia Central.

AMIGA DE TODOS

Até o mundo islâmico-árabe se aproximou da Turquia desde que o partido moderadamente islâmico AKP de Erdogan chegou ao poder. A iniciativa turca de realizar negociações secretas entre Síria e Israel é considerada o maior sucesso de política externa do governo conservador.

E o conflito da Geórgia? O primeiro-ministro turco reagiu com uma sugestão que poderia ter vindo do ministro das Relações Exteriores alemão, Frank-Walter Steinmeier. Ele propôs um fórum internacional - uma "plataforma de cooperação e estabilidade no Cáucaso" - em que todos os países poderiam resolver suas diferenças.

O fórum deverá incluir Turquia, Azerbaijão, Rússia, Geórgia e Armênia - país com o qual a Turquia está em disputa há décadas devido ao massacre de armênios por forças otomanas na Primeira Guerra Mundial. Até hoje Ancara se recusa a reconhecer as mortes como genocídio. Entretanto, as relações diplomáticas entre os dois países só foram rompidas em 1993, depois que a Armênia tomou o controle de Nagorno-Karabach - um enclave armênio no Azerbaijão.

Assim, o fato de o presidente turco, Abdulla Gul, ter voado para a capital armênia, Yerevan, no último fim de semana para assistir a um jogo de futebol com seu homólogo armênio, Serzh Sarkisian, está sendo visto como o início de uma reaproximação.

E Jirinovsky? O nacionalista russo viajou mais uma vez à Turquia recentemente. Ele chamou a Otan de "clube imperialista" e mais uma vez aconselhou a Turquia a esquecer a Europa e forjar uma aliança com seu país, um amante da paz”.

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