sexta-feira, 29 de maio de 2009

A CORUJA DO HEGEL

Li hoje no blog do Noblat o seguinte artigo de Luis Fernando Veríssimo:

“Já me recomendaram que começar um texto citando Hegel (Georg Wilhelm Friedrich, século dezenove, alemão, muito alemão) serve dois propósitos:

Criar no leitor uma expectativa de profundidade ou espantá-lo logo nas primeiras linhas, pois quem tem tempo para o Hegel hoje em dia? A você que continua a ler devo avisar que a tal profundidade não virá. Recorro a Hegel, ou à coruja do Hegel, para fins estritamente superficiais.

Hegel certa vez comparou a filosofia com a coruja da deusa Minerva, que carrega toda a sabedoria do mundo mas só voa ao anoitecer, quando não há mais luz para aproveitá-la. O que Hegel quis dizer (eu acho) é que qualquer período histórico só pode ser compreendido quando está no fim, e que a filosofia sempre chega tarde para explicá-lo. No fundo estava denegrindo o seu ofício. Ninguém tratou de interpretar a História com mais densidade do que Hegel mas no fim todas as suas teses e todo o seu palavrório não passavam do vôo tardio de uma coruja inútil, no seu próprio conceito.

Quando aquele outro alemão denso, o Marx, escreveu que os filósofos não podiam mais se contentar em interpretar o mundo e deveriam tentar mudá-lo, estava, sem citá-la, reivindicando um vôo mais conseqüente da coruja e um aproveitamento mais prático da sua sabedoria. O que Marx propunha era que a coruja, voando mais cedo, vencesse o vasto abismo que separava a filosofia da política.

Um abismo que não começara com Hegel mas existia desde que Platão, desgostoso com a execução de Sócrates, renunciara à atividade política. Marx recrutava a coruja para a sua revolução. Se todo o marxismo pode ser visto, algo simplistamente, como uma crítica de Marx a Hegel, o que mais diferenciava os dois era sua opinião sobre os usos da filosofia, ou sobre a relevância da coruja e suas explicações.

No fim o que Hegel diz com sua metáfora é o óbvio, que a gente vive para frente mas compreende para trás, e que nenhuma filosofia ajuda a percorrer o caminho já percorrido. Na sua crítica Marx sustenta que o caminho percorrido nos mostra para onde ir e que a filosofia é que diz isso para a História. Por mais atrasada que chegue a coruja.”

2 comentários:

Andréa Godoy disse...

Também li esse artigo, no Globo de sábado (coluna do Veríssimo.) Adorei! Filosofia é tudo de bom e lindo, por mais que contestem os críticos!

Unknown disse...

Prezada Andréa
Concordo. Ainda mais linda e boa quando exposta com o talento de Luis Fernando Veríssimo.
Maria Tereza