quarta-feira, 6 de maio de 2009

EMIR SADER DEFENDE PROTECIONISMO REGIONAL NA AMÉRICA LATINA

Li hoje no site “Vermelho” a seguinte entrevista com o filósofo e cientista político Emir Sader publicada pelo jornal argentino “Página 12”:

“O filósofo Emir Sader analisou, em entrevista ao diário argentino Página 12, o posicionamento da América Latina frente a crise econômica mundial. Para o secretário executivo do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (CLACSO), os países do sul não estão preparados para oferecer soluções coletivas à crise. Ele defendeu um protecionismo regional para potencializar o consumo interno, política que deveria ser complementada com a criação de uma moeda comum para a região.

Neste processo, ele considera necessária a integração da Venezuela ao Mercosul. Em relação ao plano político, assegurou que o conflito entre o governo e as entidades agropecuárias deixou desnuda a "nova direita" argentina. Sader também defendeu a designação, por parte do Estado, de diretores nas empresas privadas.

QUAL É A SUA VISÃO SOBRE AS RELAÇÕES DE PODER ENTRE OS AGENTES ECONÔMICOS DA AMÉRICA LATINA, COMO CONSEQÜÊNCIA DA ECLOSÃO DA CRISE MUNDIAL?

Esta é uma crise de superprodução ou subconsumo, com a característica atual de que a desregulação neoliberal promoveu uma fenomenal transferência de capitais do setor produtivo ao financeiro. Desde o Manifesto Comunista é conhecida a tese do subconsumo, onde se conjuga o potencial capitalista para produzir com a incapacidade para redistribuir renda para o consumo.

Este é um movimento histórico do capitalismo. Mais de 90% dos intercâmbios comerciais do mundo não envolvem bens, mas papéis. Se criou um sistema totalmente especulativo, com o sistema financeiro na cabeça. Portanto, era lógico que a crise surgisse do setor financeiro, que impôs formas fictícias de consumo.

A novidade é que a crise se deu no centro do capitalismo. A segunda novidade é que o Estado voltou a ser um agente econômico. E a terceira é que a crise resulta em uma oportunidade para os globalizados. Com as diferentes cúpulas mundiais, os estados nacionais voltam a ser protagonistas do concerto internacional. Contudo, o sul do mundo foi à reunião do G-20 desarticulado, sem uma proposta própria.

POR QUE O SENHOR ACHA QUE HOUVE ESSA DESARTICULAÇÃO?

A América do Sul reagiu à crise de maneira diversificada, ao invés de popor a coesão. Por exemplo, o Banco do Sul não propôs a implementação de uma moeda única na região. Isto só foi pensado pela Alternativa Bolivariana para os Povos da América (Alba), com o Sistema Único de Compensação Regional (Sucre), porém de maneira muito restrita.

Por sua vez, a Argentina reagiu com o protecionismo nacional, enquanto o Brasil arremeteu com o livre comércio.Se prosperam ambas as ideias em separado, se produziria a debilidade regional. Por sorte, agora ressurgiu a ideia de um protecionismo regional para fortalecer o mercado de consumo interno. No entanto, a América do Sul não está preparada para oferecer soluções coletivas.

NESTE CONTEXTO, O SENHOR CRÊ QUE HÁ UMA DISPUTA POLÍTICA ENTRE O BRASIL E A VENEZUELA PARA VER QUEM DIRIGE A INTEGRAÇÃO ECONÔMICA DA REGIÃO?

A linha divisória na América Latina não é entre esquerda boa e esquerda má. Se Lula brigasse com Hugo Chávez, perderiam os dois e a região também. A linha divisória deve ser entre os que estão a favor dos tratados de livre comércio e aqueles que estão a favor da integração regional.

A Unasul, por exemplo, agrupa alguns países que estão pelo livre comércio, portanto não podem se integrar economicamente, já que estão em outra sintonia política. O Chile tem 70% de sua exportação voltada para os Estados Unidos. Embora a Unasul venha ganhando peso geopolítico, não pode ser um acordo econômico.

Por isso, o âmbito natural para a integração econômica é o Mercosul. O freio ao ingresso pleno da Venezuela atrasa a integração, já que Chávez tem propostas na área energética, social, política e de comunicação.

O MERCOSUL DEVERIA AVANÇAR ATÉ UMA MOEDA COMUM?

Uma moeda única na região pressionaria para a criação de um Banco Central único e para que haja convergência na política econômica. Rafael Correa (presidente do Equador) disse que está disposto a abandonar o dólar, mas que não pode voltar ao velho Sucre.

Se a América Latina quer sair melhor preparada da crise, tem que regular o sistema financeiro e fortalecer seu mercado interno. É neste contexto que se faz cada vez mais relevante contar com uma moeda regional. Além disso, esta questão é levantada com veemência pela Rússia e a China, sobretudo pelo caráter falso da moeda norte-americana.

Os Estados Unidos estão preparando uma bolha em torno do dólar, fabricando uma moeda que não tem respaldo. Por isso não tem sentido que o Banco do Sul deposite reservas em dólares, nem em bancos norte-americanos.

COMO REAÇÃO À CRISE, A EUROPA ESTÁ APOSTANDO NO PROTECIONISMO SOCIAL, DESPEDINDO E PERSEGUINDO OS TRABALHADORES IMIGRANTES. HÁ UM APROFUNDAMENTO DA DIREITA. O SENHOR CRÊ QUE É POSSÍVEL QUE A AMÉRICA LATINA DÊ UM GIRO PARA O CONSERVADORISMO, COMO CONSEQUÊNCIA DA CRISE?

Todas as analogias com a crise de 29 são mecânicas. Em um seminário de economistas, que aconteceu em Cuba, muitos diziam que agora viriam as guerras. Mas guerras de quem contra quem? Algumas análises são muito lineares.

Na Europa governos conservadores têm aparecido muito antes da atual crise econômica. O único caso em que se deu a queda de um governo conservador foi na Islândia, que quase não existe. Porém, em um momento de crise como o atual, pode aparecer certa desconfiança com as políticas de mercado para gerar mecanismos de proteção social e de emprego.

Os mais conservadores tratam de se limitar aos modelos clássicos, como Alemanha e França. Na América Latina, o nacionalismo tem símbolos diferentes dos da Europa. No Velho Continente, o nacionalismo foi de direita. Diferentemente, o protecionismo do sul tem um instinto progressista.

Agora, se o protecionismo atenta contra a integração regional, debilitará os países. Por isso insisto que a alternativa é a proteção regional.

Em relação ao giro à direita na América Latina, pode ver-se em Santa Cruz, na Bolívia, e em Guayaquil, no Equador, tentativas de dividir a região e de que as zonas ricas sejam as únicas a usufruírem dos recursos naturais. Também ocorreu na Argentina a raiz do conflito com o setor agropecuário.

Não creio que na Bolívia se dê a separação como pedem os santacruzenhos. Ameaçam com essa possibilidade para que a reforma agrária não chegue a suas terras e para que o Estado não se aproprie mais dos direitos de exportação do gás.

Eles cobram 18% e Evo (Morales, presidente da Bolívia), 84%. Na Argentina, quem representou os interesses do campo no conflito do ano passado foi a nova direita.

Se equivocaram tanto os que diziam que não houve contradições interburguesas no conflito, como aqueles que apoiaram os pequenos produtores, que estavam metidos no meio do conflito, porém, hegemonizados pelo grande capital agrário exportador dos agronegócios, que é claramente o lado da direita política, social e econômica. E que, além disso, contou com a ajuda frontal da imprensa de oposição. Não há como se enganar, eram blocos políticos muito claramente identificáveis.

Outra coisa foram os erros do governo que permitiu que os pequenos produtores fossem hegemonizados pelos grandes agentes econômicos. Não existiu, nem existe, nenhuma justificativa para aqueles setores que se dizem de esquerda, mas que apoiaram as entidades agropecuárias. Esse foi a face da direita, que serviu para despertar a reação da classe média branca dos centros urbanos.

A CLASSE MÉDIA BRANCA DE QUE O SENHOR FALA FOI O SUSTENTO SOCIAL DA OPOSIÇÃO AGROEXPORTADORA (FORMADA TANTO POR ENTIDADES, COMO POR PARTIDOS POLÍTICOS OPOSTOS AO KIRCHNERISMO). COMO O SENHOR IMAGINA O CENÁRIO ELEITORAL (NA ARGENTINA) PARA 2011?

Todas as eleições na América Latina são parecidas. Há um bloco de direita, com toda a imprensa a favor dele. Porém, o povo aparece votando a favor das políticas sociais.

Quando Lula foi reeleito, um jornalista no Brasil disse que o povo havia votado contra a opinião pública. Os meios de comunicação fabricam a opinião pública e nela acreditam, mas o povo não respeita essa opinião, branca, cristiana.

Aqui, as fronteiras entre esquerda e direita dentro do peronismo são menos definíveis. Por razões oportunistas, muitos menemistas se aliaram a Kirchner. O peronismo, através de Menem, levou a cabo o neoliberalismo. E não houve rejeição da esquerda.

Atualmente, há um bloco de direita e outro de esquerda, ambos articulados ao redor do governo. No nosso caso, o Estado, no Brasil, significa Petrobras. Lula perdeu o controle do aparato estatal. Os setores de esquerda se equivocam, enquanto a direita nunca se equivoca, porque sabe qual é o inimigo e os interesses econômicos que estão em jogo.

A NOMEAÇÃO DE DIRETORES, POR PARTE DO ESTADO ARGENTINO, EM ALGUMAS EMPRESAS PRIVADAS E DE SERVIÇOS PÚBLICO, NA SEQUÊNCIA DA NACIONALIZAÇÃO DAS AFJP (ADMINISTRADORAS DE FUNDOS DE APOSENTADORIA E PREVIDÊNCIA ), É UMA FORMA DE IMPEDIR QUE O MANEJO DO ESTADO ESCORREGUE DAS MÃOS DO GOVERNO, COMO ACONTECEU NO BRASIL?

É uma novidade. Se o Estado tem direitos, por que não vai exercê-los? O Estado argentino foi muito mais privatizado que o brasileiro. Por isso, a estatização das AFJP foi uma medida interessante, correta do ponto de vista político e econômico. A medida tinha que ter tido apoio de toda a esquerda, além do que está agora exigindo que os trabalhadores deste setor sejam amparados.”

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