segunda-feira, 17 de março de 2014

AINDA A UCRÂNIA


Golpistas neonazistas e neoliberais destituíram, à força, o presidente eleito e assumiram o governo na Ucrânia


Por José Viegas, Embaixador e ex-Ministro da Defesa

"Se fosse um jogo de xadrez entre Rússia e EUA eu diria que Pútin soube colocar melhor as suas pedras, enquanto que os EUA estão com as suas adiantadas demais.

Nas últimas décadas, os EUA se engajaram em guerras que, se ganhas, atenderiam o seu objetivo principal, que é a demonstração do poder hegemômico. Essas guerras, portanto, são travadas em lugares remotos, contra inimigos informais, causando quase nenhum entusiasmo nacional, obtendo um respaldo internacional cada vez menor, agindo sem consideração para com o direito internacional e, quando necessário, sem autorização da ONU.

As guerras do Iraque e do Afeganistão não apontaram um vencedor, pelo menos do ponto de vista dos locais, e os EUA se transformaram num país belicoso.

Já a Rússia, que ainda tenta reconstruir-se como nação, enfrenta guerras reais nas suas fronteiras, com interesse nacional direto, e isso faz uma grande diferença, por mais que à Rússia também se apliquem as outras críticas feitas acima.

Dessa maneira, é muito difícil, neste caso, fazer a Rússia perder, ou seja que ela deixe de alcançar os seus objetivos. As condições logísticas lhe são francamente favoráveis.

Tanto assim é que na Europa Central ninguém acredita que a Crimeia voltará para a Ucrânia no futuro previsível. Conversei nesta semana com um colega que entende do assunto e ele me disse que, mesmo na Europa Oriental, as pessoas estão muito desorientadas, tanto os "românticos" que desejam uma nova guerra fria, quanto os pragmáticos, que desejam evitá-la.

A impressão que me passa o meu colega é que essa região, entre a OTAN e a Rússia, sente-se estrategicamente só. Acham que a Alemanha tem interesses demais com a Rússia, que os EUA se desinteressaram da Europa e que a França está envolvida com seus próprios problemas.

Acreditam cada vez menos na OTAN e entendem que a prioridade dos EUA está na Ásia, na competição com a China.

Esse é outro fator, além do esporádico bom-senso norte-americano, a limitar o arsenal de medidas anti-Rússia que os EUA podem usar efetivamente. Dada a clara inviabilidade de uma ação militar contra a Rússia, passa-se a pensar em sanções, que, como sabemos, podem ser brutais, ou simbólicas.

As do primeiro tipo visariam a desengajar a economia russa da Europa ocidental e dos EUA, congelando ativos, reduzindo compras de petróleo e gás etc.

Mas isso seria difícil porque Alemanha e Reino Unido são contra, e vários outros hesitam. Mais provável seria, portanto, que acabasse havendo sanções meramente simbólicas, para não deixar "passar em branco", o episódio, como aquelas impostas em 1998 à Índia, depois do seu teste nuclear.

Uma das maiores preocupações dos defensores de uma acomodação é manter a integridade territorial da Ucrânia (menos a Crimeia), evitar uma espécie de Estado falido na Europa Oriental, e eleger um presidente e um governo bem aceitos e legítimos em 25 de maio próximo. Para isso, será preciso negociar com a Rússia.

Essa nova Ucrânia, mesmo mais próxima do Ocidente, não poderá ser membro da OTAN, como a Geórgia tampouco conseguiu ser, porque a Rússia tudo fará para impedi-lo. E um país que tem parte de seu território em secessão e ocupado por uma potência estrangeira não pode ser membro da OTAN...

Por outro lado, é bom observar que a Rússia inicialmente não queria anexar a Crimeia: Isso seria visto como uma violação clara da Carta da ONU e, de qualquer forma para ela, seria mais conveniente utilizar a Crimeia para influenciar a política ucraniana, seja para tentar eleger um presidente aceitável na Ucrânia ou, ao menos, forçar o novo presidente a negociar arranjos aceitáveis com Moscou.

Mas aí veio a história do referendum e as coisas se complicaram para os dois lados. Quando se estira demasiado a corda, ela pode partir-se. As sanções podem ser mais fortes e a resposta russa a elas também.

Embora ninguém ainda esteja falando de guerra, pode haver, por exemplo, atritos sérios entre as comunidades ucranianas fieis ao Ocidente ou à Rússia. Nesse caso, os eventos podem ganhar uma dinâmica própria e sair do controle. Vamos ver como estará o tempo nesta segunda-feira."

FONTE: escrito p
or José Viegas, Embaixador e ex-Ministro da Defesa. Publicado no "O Globo" e transcrito no blog do Noblat (http://oglobo.globo.com/pais/noblat/post.asp?blogadmin=true&cod_post=527204&ch=n).[Imagem do google adicionada por este blog 'democracia&política'].

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