Ajustar para crescer ou crescer para ajustar
"O país viverá no próximo período mais um capítulo da ferrenha disputa entre desenvolvimentistas e neoliberais sobre o caminho econômico a tomar.
Por Flavio Lyra (*)
Diante do quadro de estancamento econômico recente da economia brasileira, associado a pressões inflacionárias resistentes, desequilíbrios crescentes nas transações correntes com o exterior e nas contas fiscais, o governo recém-eleito estará colocado frente a duas alternativas de política econômica para recuperar o crescimento.
A alternativa ortodoxa, defendida pelos economistas da oposição, derrotada nas eleições, consistente em realizar fortes ajustes que restaurem os chamados fundamentos micro e macroeconômicos, como condição prévia e necessária à recuperação da confiança dos agentes econômicos (dos mercados), especialmente das empresas para que voltem a investir. Esses ajustamentos consistiriam em correção dos preços defasados de alguns insumos básicos, redução da taxa de crescimento dos gastos públicos, desvalorização do câmbio e redução do papel dos bancos públicos no financiamento dos investimentos. Adiciona-se a isso, uma intensamente propalada "flexibilização da legislação trabalhista", que reduza o peso dos salários e dos direitos do trabalhador nos custos das empresas e nos gastos do governo com a previdência social.
Faria parte do pacote uma redução da carga tributária sobre as empresas, como instrumento para aumentar a competitividade da produção industrial nos mercados interno e externo.
Dentro da mesma ótica, situa-se o desmantelamento progressivo dos mecanismos de integração regional, como o Mercosul e o acordo com os BRICS, em favor de acordos bilaterais comerciais e de investimento com as grandes potências ocidentais.
Do outro lado, situa-se a alternativa defendida pelos economistas desenvolvimentistas, simpáticos ao governo que saiu vitorioso das eleições, consistente em buscar intensificar o crescimento econômico como condição prévia para corrigir os desajustes existentes, sem produzir um choque recessivo que reduza o nível de atividade econômica e prejudique o emprego e as políticas sociais. Nesse caso, os desajustes existentes poderiam ser corrigidos mais facilmente, pois eles estariam associados à própria falta de crescimento, do que seriam em grande parte a consequência.
Ditas alternativas refletem, antes de tudo as visões de mundo a que se subordinam as duas propostas de política econômica nelas embutidas.
No primeiro caso, o suposto básico (neoliberal) é de que o mercado pode funcionar a contento, se deixado livre de fortes interferências da política econômica, pois essas gerariam desconfiança e insegurança nos agentes econômicos. Teriam sido tais interferências, especialmente no último governo, que levaram aos desequilíbrios e ao estancamento econômico.
No segundo caso, o suposto é que o funcionamento dos mercados é a própria causa dos desequilíbrios e que ação da política econômica é indispensável para corrigí-los, assegurar a volta do crescimento, e prosseguir avançando na melhoria na distribuição da renda.
A alta concentração da renda no país estaria associada intimamente ao funcionamento livre dos mercados e a falta de políticas sociais no passado, que tenderiam a concentrar os aumentos da produção e da produtividade em segmentos com baixa capacidade de geração de empregos.
Essa visão, tem a seu favor a constatação de que nos dois anos que se seguiram ao início da crise mundial foi possível crescer mediante forte intervenção estatal, especialmente através do estímulo ao consumo popular e, em menor medida, ao investimento.
Supõem-se que o impacto econômico e social da crise teria sido de maior intensidade sem as ações contracíclicas adotadas pelo governo. Essas ações teriam, entretanto sido insuficientes e chegado muito tarde para evitar o estancamento econômico.
Nesse caso, a terapia recomendada para recuperar o crescimento seria prosseguir com as intervenções estatais voltadas para estimular o crescimento, desta vez com maior ênfase no crescimento dos investimentos públicos e privados, ao lado de pequenos ajustes nas áreas fiscal e cambial que sirvam para manter a inflação sob controle, mas sem produzirem um choque recessivo que impacte fortemente sobre o nível de atividade e o emprego, nem produzam reconcentração da renda.
Existe a expectativa de que importantes investimentos que veem sendo realizados na infraestrutura econômica e no complexo petrolífero comecem a gerar impactos positivos importantes sobre a produtividade industrial e a balança comercial.
Cogita-se ainda de uma reforma tributária que melhore a eficiência alocativa dos investimentos e reduza os custos do funcionamento da administração tributária nas empresas, mas que não afete a capacidade de arrecadação tributária dos governos e que resulte na diminuição da regressividade da carga tributária.
O fortalecimento dos vínculos econômicos e políticos com o bloco do Mercosul e com os parceiros dos BRICS é parte integrante da visão desenvolvimentista.
O país estará, assim, vivendo mais um capítulo da ferrenha disputa entre desenvolvimentistas e neoliberais, acompanhada de perto pelas grandes corporações internacionais, interessadas em aprofundar o processo de globalização baseada na liberalização dos mercados sob sua liderança e contra o aparecimento de novos atores na vida econômica e política internacional."
FONTE: escrito por Flavio Lyra, economista. Cursou doutorado de economia na Unicamp. Ex-técnico do IPEA. Artigo publicado no portal "Carta Maior" (http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Economia/Ajustar-para-crescer-ou-crescer-para-ajustar/7/32210).
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