quinta-feira, 13 de novembro de 2014

AS BOBAGENS IDEOLÓGICAS EM TORNO DO "SUPERÁVIT PRIMÁRIO"




As bobagens ideológicas em torno do "superávit primário"

Por JOSÉ CARLOS DE ASSIS, doutor pela Coppe/UFRJ

"O que os economistas de mercado chamam, pejorativamente, de “criatividade fiscal”, com o propósito explícito de expor ao mundo a “falta de transparência e de credibilidade” do Governo, não tem o menor efeito ou a menor importância macroeconômica. Ao contrário, é apenas a expressão ideológica da corrente central do neoliberalismo para a qual a economia é um conjunto de relações individuais dominadas, não por interesses reais, mas por “expectativas racionais” num mercado de acesso igualitário a informações.

Vejamos por partes. A crítica da “criatividade” diz respeito à intenção do Governo de esconder a queda do chamado superávit primário – o que a imprensa chama de “economia” para pagar o serviço da dívida pública. Para que serve esse superávit primário do ponto de vista ideológico? Serve, dizem eles, para conquistar a confiança do mercado no pagamento da dívida pública e controlar a inflação. Não havendo superávit, teríamos que concluir, não há garantia de pagamento dos títulos da dívida do Governo.

É claro que isso é uma grande bobagem. Se não houver superávit – na verdade, mesmo quando há um déficit – o Governo paga a dívida velha e o fluxo dos juros, lançando no mercado dívida nova, sem necessidade de superávit primário, que é o resultado de uma receita tributária inferior à despesa corrente. Como essa dívida nova, uma vez lançada, é como dinheiro vivo nas mãos do seu tomador, porque pode ser trocado no BC a qualquer momento por moeda pelo tomador dos papéis, não há possibilidade de calote.

"Déficit primário gera inflação", retornam eles. Outra bobagem. Inflação é um fenômeno do ciclo econômico: se a economia está em baixa, o déficit não só é permitido pela boa macroeconomia como é benéfico por estimular a demanda agregada. A ideia de que todo déficit, em qualquer circunstância, e independentemente do ciclo econômico, gera inflação é uma tese recorrente dos neoliberais ortodoxos, produto exclusivo de ideologia, já que um aumento de déficit significa mais poder econômico em mãos do Estado.

Quando a economia está aquecida, aí sim, o déficit primário gera inflação. Não é o nosso caso neste momento. Quando o Governo retira das contas primárias o investimento no PAC, como acaba de fazer, ele está apresentando uma relação fiscal legítima do ponto de vista macroeconômico. O que se investe aí tem uma correspondência direta com a criação de ativos econômicos e sociais. Não é gasto solto no espaço. Financia o crescimento, e portanto reduz o déficit como porcentagem do PIB, como normalmente ele é medido.

Também a desoneração fiscal pode ser entendida conceitualmente, pelo menos parcialmente, como um investimento na economia que concorre para o aumento do PIB. No meu entender, teria sido preferível que o Governo mantivesse o nível dos impostos para aplicar os recursos correspondentes no investimento ou no gasto público, de forma direta. Haveria mais certeza na expansão do investimento. De qualquer modo, tomar a desoneração como investimento, como ele fez, não é de todo absurdo.

Dadas essas observações, o que se deve criticar não é a “criatividade” fiscal, mas a postura do Governo em não assumir diretamente a redução do superávit primário ou mesmo o déficit. A economia está em recessão, e vai continuar assim por algum tempo até que alguma iniciativa heroica externa ou interna nos leve a um novo ciclo de produção e consumo. Acho que o Governo não assume de vez uma política anticíclica de tipo keynesiano por um motivo muito simples: teme as notas baixas das agências de risco alimentadas por nossos economistas de mercado, e determinadas a dobrar de joelhos nossa política econômica em nome de interesses especulativos globais".

FONTE: escrito por J. Carlos de Assis,  economista, doutor pela Coppe/UFRJ, professor de Economia Internacional da UEPB. Publicado no "Jornal GGN"  (http://jornalggn.com.br/noticia/as-bobagens-ideologicas-em-torno-do-superavit-primario-por-j-carlos-de-assis).

COMPLEMENTAÇÃO

Por que o ajuste fiscal não leva ao crescimento

Do "BRASIL DEBATE"



"É com grande preocupação que vemos a maioria dos economistas posicionando-se favorável a um forte ajuste fiscal em um contexto no qual a economia brasileira corre sério risco de crescer a uma taxa bem próxima de zero. O consenso é de que o governo precisa cortar gastos para ajustar as contas públicas.

Há ainda aqueles que afirmam que apenas a diminuição dos gastos seria insuficiente – um aumento da carga tributária, dessa forma, não deveria ser descartado.

Um ajuste que implique corte dos gastos públicos e aumento dos impostos, ao contrário do que afirmam a maioria dos economistas, não conduzirá a economia ao crescimento, e por isso, não resolverá o problema do déficit fiscal.

A explicação é simples: redução dos gastos públicos em ambiente recessivo significa demanda agregada menor, e pelo princípio da demanda efetiva, uma queda da demanda agregada desestimula a atividade econômica, resultando em menores taxas de crescimento do produto.

Dessa maneira, o problema do déficit fiscal pode não ser resolvido, mas agravado, já que as receitas fiscais são pró-cíclicas, ou seja, dependem diretamente do nível de atividade econômica.

O argumento pode ser resumido da seguinte forma: em tempos de baixo crescimento econômico, esforços na manutenção de contas públicas saudáveis podem gerar um resultado exatamente oposto ao esperado, reforçando ainda mais a tendência de queda da trajetória da economia.

Ajuste inevitável?

O artigo de Franklin Serrano, “Cinco dúvidas sobre o ajuste fiscal” , questiona as bases dos argumentos que defendem a "inevitabilidade de um ajuste fiscal".

Dentre esses argumentos, estão os três seguintes:

1. "Déficit público é sempre ruim, por isso o governo deve ser sempre superavitário". Como foi argumentado acima, a realização de fortes superávits públicos em contextos de baixo crescimento é a pior decisão que um governo pode tomar. Resultados fiscais devem ser administrados para controlar o nível da demanda agregada da economia e, por isso, os resultados são “bons” ou “ruins” dependendo das circunstâncias.

2. "O ajuste fiscal reduz a taxa de juros e conduz a economia ao crescimento". Para seus defensores, a redução da taxa de juros via ajuste fiscal pode ser explicada de duas formas: a) o aumento da poupança pública representaria um aumento da oferta de recursos reais frente à demanda pelos mesmos, e b) um menor nível de demanda agregada diminuiria a pressão sobre os preços, gerando espaço para a queda da taxa de juros. Dessa maneira, com taxas de juros menores, argumentam que o investimento aumentaria, gerando maior crescimento econômico.

Tais mecanismos são, no entanto, questionáveis. Por um lado, a taxa de juros é uma variável determinada pela política econômica, e não o preço que equilibraria a oferta e a demanda de poupança.

Por outro lado, a queda da demanda agregada pode, de fato, diminuir a pressão sobre os preços, mas também afeta negativamente a atividade econômica.

Quanto à influência da queda da taxa de juros no crescimento, não há como afirmar que a simples queda do custo do investimento privado garantiria sua expansão.

O aumento da capacidade produtiva depende em grande medida das expectativas futuras de rentabilidade, e não apenas dos custos envolvidos. Empresário só investe se achar que haverá demanda. É nesse sentido que se faz determinante o papel do gasto público no estímulo à demanda agregada.

3. "O governo do país pode quebrar por causa da dívida interna". Esse ponto é discutível na medida em que não há acordo sobre qual seria o limite sustentável da dívida pública brasileira. De qualquer forma, se levarmos o argumento ao extremo, poderíamos afirmar que o governo do país não pode quebrar porque emite a dívida pública denominada em sua própria moeda, o que tornaria seu risco de inadimplência próximo de zero.

Dessa maneira, a realização de um ajuste fiscal em um contexto de baixo crescimento pode agravar ainda mais a situação presente. Se o clamor por contas públicas saudáveis deve existir, que seja feito no momento apropriado."

FONTE da complementação: texto do "Brasil Debate" transcrito no "Jornal GGN"  (http://jornalggn.com.br/blog/brasil-debate/por-que-o-ajuste-fiscal-nao-leva-ao-crescimento).

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