Gilmar Mendes, o Lobão do STF
Por Laura Capriglione
"Por mais uma dessas descomposturas a que o país parece estar se acostumando, agora é o ministro Gilmar Mendes quem vem apresentar seu soco inglês no corredor polonês pós-eleitoral. Em vez da contenção e do aprumo que esperaria quem não o conhecesse, “avisou e denunciou” que o STF (Supremo Tribunal Federal) corre o risco de se tornar uma “corte bolivariana" com a possibilidade de governos do PT nomearem 10 de seus 11 membros a partir de 2016.
Trata-se de uma aleivosia. Irresponsabilidade sem fim.
Quando os 2.500 nostálgicos da Ditadura saíram em passeata por São Paulo, clamando pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff, legitimamente eleita pela maioria dos brasileiros, de Gilmar Mendes não saiu um só arrufo em defesa da democracia. Em vez disso, ele agora surge para ajudar a agitar o espantalho de um tal “bolivarianismo”, como se o Brasil estivesse prestes a se converter em uma ditadura de esquerda.
Está em companhia de gente como Lobão e Eduardo Bolsonaro, deputado federal eleito por São Paulo (PSC), que em discurso disse que se seu pai, o deputado federal Jair Bolsonaro (PP-RJ), fosse candidato a presidente, ele teria “fuzilado” a presidente. Preparado para isso, o filho já mostrou que está: compareceu ao ato com uma pistola enfiada no cinto, como se no faroeste vivesse.
Isso pode?
Entre outras delicadezas, a turma implorou pela “intervenção militar”, mandou “Dilma para a Cuba que a pariu”, ameaçou petistas que encontrou pelo caminho. Nem o CQC, a Rede Globo, a “Folha de S.Paulo” ou “Estadão” escaparam. E, sempre muito bem educadinha, a malta carregou faixa com os dizeres: “Pé na bunda dela. O Brasil não é a Venezuela.” Ela, no caso, é a presidente, uma senhora de 66 anos, diga-se.
Maus perdedores existem no gamão, no futebol, no bingo. E nas eleições.
Contê-los é tarefa de quem tem interesse em ver o jogo –no caso, o democrático—prosseguir.
Eis por que é simplesmente repugnante ver um ministro da mais alta corte do Brasil repetir palavras-de-ordem que são um chamamento à ruptura do Estado Democrático e de Direito.
Como o ministro Gilmar Mendes sugere que se evite “a possibilidade de governos do PT nomearem 10 dos 11 membros” do STF? Cassando o direito de a presidente fazê-lo é uma das respostas. Cassando a própria presidente é outra. Estendendo a idade-limite para a aposentadoria dos ministros, dos atuais 70 anos para 75 anos, é outra.
Em todos os casos, o que se pretende é ganhar no tapetão a eleição que se perdeu nas urnas.
O descalabro da entrevista que o ministro Gilmar Mendes deu à “Folha de S.Paulo” e publicada na segunda-feira (03/11) não fica nisso. Ofendeu os demais membros do STF ao falar sobre os riscos de a mais alta instância do Judiciário se transformar em uma “corte bolivariana”, sugerindo que todos se curvariam mansamente aos ditames do Executivo.
Convenientemente, ele esqueceu-se de que no julgamento do mensalão foi um tribunal formado em sua maioria por ministros indicados por petistas o que condenou a antiga cúpula do PT…
Não há nada, contudo, que demova o agitador. Para demonstrar sua tese, Gilmar Mendes sacou a história do ex-diretor do Banco do Brasil Henrique Pizzolato, condenado no Brasil a 12 anos e 7 meses de prisão por corrupção, peculato e lavagem de dinheiro no processo do mensalão. Pizzolato, como se sabe, ante a condenação, simplesmente fugiu para a Itália, onde por fim foi capturado.
Segundo Gilmar Mendes, exemplificando o risco do tal “bolivarianismo”, “já tivemos situações constrangedoras. Acabamos de vivenciar esta realidade triste deste caso do Pizzolato” [refere-se ao fato de a Justiça italiana ter negado a extradição dele para cumprir pena no Brasil pela condenação no mensalão].
Em seu afã de defender o indefensável, o ministro também atacou a Justiça italiana, ao acusá-la de tomar suas decisões movida por interesses alheios ao estrito cumprimento da lei. Seria “bolivariana” também a Justiça de lá? Nem Bolsonaro ousou tanto.
Se fosse pouco, Gilmar Mendes ainda se deu ao desfrute de comentar um caso que se encontra em fase de investigação, atropelando todos os ritos processuais. “Enquanto estávamos julgando o mensalão já estava em pleno desenvolvimento algo semelhante, talvez até mais intenso e denso, isso que vocês estão chamando de Petrolão. É interessante, se de fato isso ocorreu, o tamanho da coragem, da ousadia.”
Um apresentador de programa sensacionalista não faria diferente.
Por fim, como nunca poderia se tivesse o mínimo de apreço pela liturgia do cargo que ocupa, Mendes partiu para o bate-boca mais baixo, acusando o ex-presidente Lula de não ser um abstêmio: Será que ele “passaria no teste do bafômetro?”, indagou. Lula, para quem não sabe, não concorreu a nenhum cargo eletivo, não atropelou ninguém e nem sequer dirige automóveis.
Convenhamos, o Brasil merecia bem mais do que um ministro Lobão no STF."
FONTE: escrito por Laura Capriglione no "Jornal GGN" (http://jornalggn.com.br/noticia/gilmar-mendes-o-lobao-do-stf-por-laura-capriglione).
COMPLEMENTAÇÃO
'DEVOLVE'
Gilmar Mendes segue sem querer julgar o fim do financiamento empresarial de campanhas [o qual possibilita o comandamento do poder econômico sobre o poder político]
"O Ministro do STF mandou para a gaveta a principal raiz da corrupção e aproveita a 'docilidade' da mídia tradicional para não acenar com nada que realmente interesse ao país.
Por Helena Sthephanowitz, para a "Rede Brasil Atual" (RBA)
Gilmar Mendes: em vez de reformas essenciais, bravatas e desrespeito a colegas e países vizinhos
O jornal "Folha de S. Paulo" conseguiu a façanha de entrevistar o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, sem fazer a principal pergunta: quando ele devolverá o processo para prosseguir o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) 4.650, proposta pelo Conselho Federal da OAB, contra o financiamento empresarial de campanhas eleitorais?
Aliás, se ele dá todos os sinais de que já tem convicção formada para votar contra, por que segurar o voto?
A Adin 4.650 aponta que leis menores, permissivas ao financiamento empresarial, contrariam a lei maior, que é a Constituição Federal. O financiamento empresarial de campanhas é considerado a principal raiz da corrupção. Sem cortar o mal pela raiz, combater a corrupção torna-se apenas esforço para remediar o problema.
A ação foi ajuizada em setembro de 2011, passou pelos diversos trâmites, incluindo audiências públicas, até entrar em julgamento pelo plenário. Quando já havia seis votos a favor e um contra, placar suficiente para proibir o financiamento empresarial de campanha, o ministro Gilmar Mendes [indicado para o STF por FHC/PSDB] pediu vistas do processo, o que paralisou o julgamento. Desde abril deste ano, o processo está parado nas mãos do ministro.
O fato já suscitou até campanhas populares nas redes sociais com o mote "Devolve, Gilmar".
A reforma política, incluindo o fim do financiamento empresarial de candidaturas, foi pauta antes, durante e depois da campanha eleitoral. É bandeira antiga de entidades da sociedade civil, de movimentos sociais e de partidos, contando com ampla mobilização popular.
Uma consulta popular, extraoficial, realizada no mês passado, teve mais de sete milhões de votos a favor de um plebiscito para o povo decidir se quer a eleição de uma assembleia, escolhida por um processo eleitoral absolutamente dentro dos preceitos constituintes, mas que trate exclusivamente da reforma política.
Um projeto de lei de iniciativa popular reformando o sistema eleitoral, promovido por uma coalizão de 103 entidades, já conta com mais de 500 mil assinaturas, frente a 1,5 milhão necessárias para ser apreciado pelas comissões do Congresso.
Nesse contexto, é estranho que a "Folha" fuja da pergunta sobre a ação parada nas mãos de Gilmar Mendes, de inegável interesse público, e use a entrevista apenas para levantar a bola para o ministro emitir novas e antigas patacoadas. A certa altura, o repórter afirma que em dois anos o próprio Gilmar Mendes será o único ministro no STF não indicado por um governo petista para, em seguida, perguntar se isso muda alguma coisa na Suprema Corte. O ministro respondeu dizendo ser importante evitar que o tribunal se torne "bolivariano". A afirmação virou a manchete da entrevista.
Óbvio que há uma provocação política na resposta, deselegante até com seus próprios colegas de STF. O termo "bolivariano" tornou-se pejorativo na mídia demotucana, pois procura desqualificar governos nacionalistas latino-americanos que não se submetem mais à colonização econômica por potências imperialistas.
Gilmar Mendes usa o termo, provavelmente, para desqualificar as Supremas Cortes de países como a Venezuela como se não fossem independentes do poder Executivo, repetindo estereótipos comuns publicados na revista "Veja" e similares. Esses estereótipos ignoram processos históricos naqueles países que levaram a ter suas Constituições renovadas, como o Brasil teve em 1988 após a ditadura e, consequentemente, chegou à renovação de instituições e poderes.
Ao contrário do noticiário deturpado, no Brasil a presidenta da República não tem carta branca para nomear quem bem entende para ministro do STF. A prerrogativa da presidenta se limita a indicar um nome e encaminhá-lo ao Senado, cuja aprovação depende do voto da maioria dos senadores, Casa onde o PT nunca teve maioria sozinho para impor nomes.
Todos os ministros do STF aprovados nos governos Lula e Dilma foram nomes bem recebidos inclusive pelos senadores de oposição que votaram pela respectiva condução ao cargo. Alguns ministros que chegaram ao STF antes foram indicados ao STJ (Superior Tribunal de Justiça) ou outros tribunais superiores pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso/PSDB. Os novos nomes que substituirão os ministros que se aposentarão também terão que ter perfil aceito pela maioria dos senadores, o que afasta qualquer possibilidade de não haver independência entre os três poderes.
É mais do que provável que o ministro Gilmar Mendes tenha plena consciência desses fatos, mas tenha usado a entrevista para pautar factoides que queria no noticiário. Na docilidade das perguntas da "Folha", acabou encontrando o veículo ideal para isso.
Lideranças do PT na Câmara e no Senado, e o ministro das Relações Institucionais, Ricardo Berzoini, criticaram a entrevista de Gilmar, tanto pelo tom desqualificador das instituições democráticas sólidas que o Brasil tem, como pela deselegância com os colegas que chegaram à Suprema Corte de 2003 para cá. O advogado-Geral da União, Luís Inácio Adams, também rebateu em tom mais formal e suave. Mas faltou a essas lideranças pedir o que de fato interessa: "Devolve, Gilmar".
FONTE: escrito por Helena Sthephanowitz para a "Rede Brasil Atual" (RBA) e transcrito no blog "Os amigos do Presidente Lula" (http://osamigosdopresidentelula.blogspot.com.br/2014/11/gilmar-mendes-nao-diz-quando-devolvera.html).
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