domingo, 2 de novembro de 2014

JUSTIÇA ITALIANA CONDENA JULGAMENTO DO MENSALÃO




A sentença que libertou Pizzolato condena a Justiça brasileira

Por J. Carlos de Assis

"A sentença que libertou Henrique Pizzolato na Itália condenou no mesmo movimento todo o processo pelo qual os réus do chamado “mensalão” foram condenados no Brasil pelo Supremo Tribunal Federal. 

Não convence a justificativa supostamente alegada pelo tribunal italiano de que as penitenciárias no Brasil apresentam condições de vida subumanas. Também não convence a cobertura que o ministro Marco Aurélio deu a essa justificativa, alegando, também ele, as péssimas condições prisionais brasileiras. Não somos idiotas. A verdadeira justificativa para a libertação de Pizzolato é que não havia provas para condená-lo no Brasil.

Um protocolo convencional entre os órgãos de Justiça italiano e brasileiro diz que não se pode julgar, na Itália, o que foi julgado no Brasil, em termos substantivos. Mas existe, também, entre a Justiça italiana e a brasileira, uma controvérsia pendente sobre o caso rumoroso de Cesare Battisti, condenado à revelia por assassinato na Itália na fase da guerrilha urbana, mas cuja extradição o Brasil recusou por atender a suas alegações de inocência e lhe dando o status de refugiado político. Tudo isso poderia jogar a favor de Pizzolato, na Itália, como efeito de uma espécie de retaliação. Entretanto, a Justiça italiana deu ao réu a oportunidade de defender-se, e ele provavelmente falou muito mais do que criticar o sistema prisional brasileiro.

De fato, quando foi libertado, Pizzolato não se referiu a condições carcerárias brasileiras. Ao contrário, perante várias câmaras de televisão, disse simplesmente que é inocente das acusações que lhe foram feitas no Brasil. Milhares de páginas haviam sido enviadas à Justiça brasileira pelo Banco do Brasil para justificar as operações que conduziu, provando cabalmente sua inocência. Não há dinheiro do Banco do Brasil no esquema do chamado “mensalão”. Sua elevação à condição de réu atendeu essencialmente ao propósito [partidário?] do Procurador-Geral da República de construir uma cadeia de relações na imaginária narrativa do que teria sido o crime. Joaquim Barbosa deu cobertura raivosa a essa narrativa, e a maioria dos demais juízos, intimidados pela fúria do relator do caso [e de toda a imprensa, direitista], o seguiu.

Talvez, pela autoridade moral que o Supremo representa para grande parte da população, seja difícil admitir que a condenação de tantos inocentes, em julgamento televisivo, possa ter ocorrido sem reação da mídia e do público. Acontece que a mídia brasileira comporta-se como meio [partidário] de acusação, sem qualquer sentido de imparcialidade. 

Com episódicas exceções, como foi o caso da “Folha” em relação às acusações contra Dirceu (verhttp://www1.folha.uol.com.br/poder/2013/09/1345627-dirceu-foi-condenado-sem-provas-diz-ives-gandra.shtml ), ela toma o partido do acusador pois isso provoca maior sensação. 

O público, obviamente, acaba sendo tangido pela mídia como gado em razão das condições nebulosas que ela cria ignorando o secular princípio jurídico do in dubio pro reo. Do ponto de vista jurídico, recuamos a um estado anterior ao século XVIII, quando o marquês de Beccaria pontificou que não há pena sem crime, nem crime sem cominação legal.

A condenação de Dirceu, mais ainda do que a de Pizzolato, foi um estupro jurídico, como atesta a entrevista acima de um jurista insuspeito de simpatia com o PT, Yves Gandra. Se levado a um tribunal italiano, o caso Dirceu teria idêntico desfecho ao de Pizzolato: para salvar a cara da Justiça brasileira, ele diria que libertaria Dirceu por causa das péssimas condições carcerárias no Brasil. Como isso é uma meia verdade, livra a cara de uma sentença mais inconveniente, que entrasse no mérito da condenação brasileira. Entretanto, alguém argumentou muito bem que as condições da Papuda são razoáveis. Dirceu e Genoíno passaram por lá sem apresentar grandes reclamações.

Pizzolato é o testemunho vivo de que o STF tornou-se uma corte exclusivamente política, capaz de condenar pessoas sem prova apenas para benefício de uma corrente partidária. Isso tem ocorrido na maioria dos sistemas judiciais na história, porém nunca fora de um ambiente revolucionário. O STF tentou extorquir o mandato político do PT pela via pacífica dos pronunciamentos judiciais, com evidente parcialidade, os quais se repetiram agora, nas vésperas das eleições, mediante o conluio de um juiz federal do Paraná com a revista “Veja”. (A propósito, querem tirar o juiz do processo; é um erro. Trata-se de um jogo da “Veja” para distrair a opinião pública da questão central, que é a validade dos depoimentos “premiados”.)

No célebre caso Dreyfus, um grande escritor, Zola, representou a consciência moral da França ao escrever “J´accuse”, um livro demolidor contra o sistema judicial francês que condenou um oficial do Exército sem prova por suposta traição. Também nesse caso, a opinião pública do país havia sido envenenada no limite contra o acusado inocente, ademais judeu. Aqui, exceto por um pequeno grupo de jornalistas e juristas – Luis Nassif, Paulo Henrique Amorim, Jânio de Freitas, Fábio Comparato, e eu próprio (não me lembro de todos) -, a esmagadora maioria da mídia tomou o partido dos Torquemadas, na maior demonstração de uma imprensa doente que ignora suas raízes imparciais e toma o partido do mais forte.

Felizmente para testemunho da história, Pizzolato tem dupla nacionalidade e ganhou a estrada antes que o poluído sistema judiciário brasileiro o apanhasse. Não fosse sua inteligente esperteza, presumindo o que lhe teria acontecido no Brasil em termos de destruição de sua reputação e de parte de sua vida, não teríamos a singular oportunidade de ver a Justiça italiana, berço romano da nossa, passar uma descompostura pública no STF. Há dois mil anos, um inocente foi levado à presença de Pilatos, o procurador romano na Galiléia. “Ecce homo”, lhe disseram. “Eu não vejo culpa nesse homem”, reagiu Pilatos. O inocente não teve sorte porque Pilatos, em lugar de decidir pela imediata soltura, mandou que fosse cumprida sentença sabidamente injusta. Os tribunais romanos, desde então, melhoraram muito".

FONTE: escrito por J. Carlos de Assis, economista, doutor pela Coppe-URJR, professor de Economia Internacional na UEPB. Publicado no "Jornal GGN"  (http://jornalggn.com.br/noticia/a-sentenca-que-libertou-pizzolato-condena-a-justica-brasileira).[Trecho entre colchetes acrescentado por este blog 'democracia&política'].

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