terça-feira, 11 de novembro de 2014

NO NORDESTE, NOVIDADE NÃO É A SECA. É A ÁGUA



Maria Valdina dos Santos e José Vandail do Nascimento irrigam sua horta com a cisterna de produção. Foto: Sergio Amaral/MDS.
Maria Valdina dos Santos e José Vandail do Nascimento irrigam sua horta com a cisterna de produção. Foto: Sergio Amaral/MDS.[Imagem do Blog do Planalto]


No Nordeste, novidade não é a seca. Novidade é a água.

Por Fernando Brito

"Em julho de 2011, o Governo Federal lançou o programa 'Água para Todos', que previa, até este ano, a instalação de 750 mil cisternas para o abastecimento de água na região do semiárido.

No final do mês passado, a meta foi alcançada, com 750.565 reservatórios, com 16 mil litros de capacidade de reservação, em 569 municípios.

Depois de décadas, mais de um século até, da ideia de “combater” a seca, que é o mesmo que “combater o que é natural”, mudou-se o eixo para “conviver com a seca”, sem ter de deixar a terra.

Não é muita água, não.

É o que São Paulo ou o Rio consomem em três ou quatro dias, se tanto.

Muitas estão com pouca água, até bem pouca em algumas, porque a seca – que não é novidade nenhuma – veio mais forte do que aquela em que, há 15 anos, comiam calango e peregrinavam por uma lata d’água.

É pouca, mas é a diferença entre ficar e partir.

Uma dúzia de famílias [ricas] inconformadas que fazem as malas para Miami são bom e colorido assunto para os jornais.

Três ou quatro milhões de pobres que não têm mais de fazer a trouxa e se por nas sofridas marchas que as "Vidas Secas" de Graciliano Ramos descreveram, não são.

Não são notícia, mas existem.

Os meninos de São Paulo, provavelmente, as leram na escola, mas talvez nunca tenham acreditado que existissem.

Ou que pudessem, nos devaneios da seca, pensar o que pensou Fabiano, o retirante.

"Chegara naquele estado, com a família morrendo de fome, comendo raízes. Caíra no fim do pátio, debaixo de um juazeiro, depois tomara conta da casa deserta. Ele, a mulher e os filhos tinham-se habituado à camarinha escura, pareciam ratos – e a lembrança dos sofrimentos passados esmorecera.

Pisou com firmeza no chão gretado, puxou a faca de ponta, esgaravatou as unhas sujas. Tirou do aió um pedaço de fumo, picou-o, fez um cigarro com palha de milho, acendeu-o ao binga, pôs-se a fumar regalado.

- Fabiano, você é um homem, exclamou em voz alta"
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FONTE: escrito por Fernando Brito em seu blog "Tijolaço"   (http://tijolaco.com.br/blog/?p=22957).

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