Étienne Chouard
Não é mera coincidência: a fala de Étienne Chouard
"O canal de TV France 2 convidou o professor Étienne
Chouard, de Marselha, para um programa de alta audiência
e suas declarações acabaram viralizando na web
Por Luis Casado, de "POLITIKA", do Chile
Se você acredita que apenas a TV e a imprensa chilena
[e a brasileira] convidam “especialistas” para não dizer nada
e/ou esconder o jogo... está muito enganado. Isso acontece
até nas melhores famílias.
Porém – uma vez apenas não é costume – o canal de televisão
France 2 convidou Étienne Chouard, professor em Marselha,
para uma emissão de alto nível, de forte audiência, um programa
de primeira categoria do horário nobre, para que me entenda,
¿catchai? (*1).
E aí, como diria Rumpy (*2), “lhe propuseram um assunto”:
a tremenda crise que a França vive, a confusão que não para
de aumentar desde que inventaram o paraíso na terra, ou seja,
as políticas neoliberais que conseguiram mais de 30 milhões de
uncionários públicos desempregados na União Europeia, uma
dívida pública (era preciso salvar os bancos rufiões...), e uma
juventude condenada à precariedade, à pobreza e ao exílio
econômico.
Os comentários de Étienne Chouard (ver vídeo) foram
os seguintes:
“Acredito que seja um erro pensar que os políticos são impotentes,
ou incapazes, ou que não compreendem, como se servissem ao
interesse geral... Servindo o interesse geral são ruins, e se a
perspectiva for invertida – compreendendo que finalmente essas
pessoas servem aos interesses daqueles que os fazem ser escolhidos
e que são o 1% mais rico da população – nesse momento não se
trata de uma catástrofe, não é uma catástrofe, mas um êxito, é
formidável... tudo acontece como estava previsto, liquidam a
seguridade social, o desemprego se comporta maravilhosamente
bem, o que permite prejudicar os salários, ter baixos salários,
ou seja, benefícios muito altos, quer dizer que tudo vai bem
sob o ponto de vista do 1%...
Os banqueiros deveriam estar na prisão pelas falências fraudulentas,
mas seus patrões os fazem ganhar como nunca, e agora chegam
ao governo de diferentes países... E me parece que a situação não é
catastrófica para aqueles que financiam as campanhas eleitorais
dos políticos... E então, desse ponto de vista, é bastante lógico,
e Hollande (presidente 'socialista' francês) serve os interesses
dos que o tornaram eleito convidando para a TV, para a imprensa...
Por que um banco compra o “Libération”? Por que um banco
compra “Le Monde”? Por que o banco "Crédit Mutuel" compra
um quarto da imprensa cotidiana regional? É para ganhar as
eleições e os eleitos prestarem conta aos que os tornaram eleitos?
O problema é que os políticos eleitos não devem nada aos eleitores.
Que você vote ou não, ou que você não vote, outro votará.
Aqueles que votam são os que assistem televisão, os que não estão
politizados, esses que passam muito tempo vendo televisão...
Você olha as pesquisas, é incrível a relação que existe entre as
curvas dos que veem televisão e os resultados das eleições...
basta melhorar as performances nas pesquisas dos candidatos,
sobem 10% ou 15%, isso dará a impressão de naturalidade,
e depois os grupos que têm a mesma política da direita dura,
chamados de esquerda ou de direita, que fazem a mesma
política para os industriais e os banqueiros, as multinacionais
na realidade, colocam-se os desempenhos mais acima e serão
eleitos, um ou o outro, na verdade pouco importa, vão fazer
a mesma política.
Então, evidentemente, as pessoas são ingênuas, acreditam
nos candidatos durante as campanhas eleitorais, e a
decepção é por conta da nossa ingenuidade.
Já faz mais de duzentos anos o fracasso do sufrágio universal
que permite aos ricos comprar o poder político... desde que eles
escrevem as Constituições, instalaram um sistema,
primeiro censitário – pelo menos ali a coisa estava clara –
depois universal, quando perceberam que... Tocqueville dizia
há muito tempo, no começo do século XIX, que não temia
“o sufrágio universal, as pessoas votarão como disserem
para votar...” e funciona! Isso funciona muito bem...
O fato de designarmos amos em nossos lugares para aprovar leis
é uma farsa política, não estamos na democracia. Na democracia,
votaríamos nós mesmos nossas leis... um homem, um voto
para votar as leis, não para designar seus amos. O fato de impormos
a designação dos amos é uma trapaça, com um resultado plutocrático
com os ricos comandando há duzentos anos.
Então, chegamos agora a uma crise porque o capitalismo não
consegue distribuir salários suficientes para poder vender suas
bugigangas, e efetivamente pretendem que o sistema esteja em
crise, em crise como se fosse um acidente, quando na verdade
não é um acidente. As coisas acontecem como de costume,
com uma impotência política. Vocês têm razão sobre a impotência
política, mas essa impotência política foi programada...
Há um lugar onde está escrito que o povo não tem nenhum
poder, isso é o que chamam de Constituição, o problema é que
todo mundo se despreza a diferença, se a Constituição nos iguala...
pior para nós. Não é culpa dos asquerosos que governam, é nossa
culpa de não escrevermos nossa própria Constituição em que
colocaríamos nosso poder, o referendo da iniciativa popular,
ou as eleições sem candidatos, eleições com primárias e a
impossibilidade de políticos condenados de se candidatarem etc.
Nossa impotência se deve a nossa ausência no processo
constituinte, e enquanto tagarelamos sobre o que os representantes
políticos fazem, os representantes dos ricos não tratam da causa
dos nossos problemas... Me parece que renovam o problema...
renovar a reflexão sobre a causa de nossos problemas, talvez
devêssemos encontrar soluções...”
Curiosamente ninguém lhe interrompeu. Os políticos convidados
olhavam para o teto, dois ou três “especialistas” enrolavam,
sorriam ironicamente, como se dissessem “as besteiras que
precisamos escutar antes de nos deixarem falar, nós que sabemos...”
O fato é que a intervenção de Étienne Chouard se 'viralizou'
–como dizem atualmente – e foi difundida até nos cantos mais
recônditos do planeta.
Se parece que a descrição de Étienne Chouard e o que acontece
no campo de flores bordado (*3) [e no Brasil] é algo parecido,
com curiosa similaridade, algo como a mesma seringa com
diferente remédio... lamento dizer que não é mera coincidência".
[OBS deste blog: se fosse no Brasil, nada disso teria acontecido,
pois os apresentadores da TV logo teriam interrompido
as palavras de Étienne Chouard, mudando de assunto,
ou fazendo intervalo para o "próximo bloco"].
Notas:
(1) ¿catchai? = Chilenismo, significa me entende?
(2) Rumpy – locutor e diretor de cinema chileno.
(3) En el campo de flores bordado = en Chile
FONTE: escrito por Luis Casado, em "POLITIKA", do Chile (Ttadução: Daniella Cambaúva). Transcrito no portal "Carta Maior" (http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Internacional/Nao-e-mera-coincidencia-u226/6/32160). [Trechos entre colchetes acrescentados por este blog 'democracia&política'].
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