A Folha de São Paulo ontem publicou a seguinte entrevista realizada por Cristiane Barbieri com Jaime Ardila, presidente da montadora GM no Brasil:
“Montadora foi mais prejudicada por falta de crédito a clientes corporativos do que por medo de quebra, diz presidente no país
Apesar de investimentos estarem mantidos, corte de vagas só será decidido em 2009 e não dependerá de ajuda à matriz nos EUA
Seja nos EUA, seja no Brasil, a GM (General Motors) foi a montadora mais impactada pela crise. As vendas caíram 40% nos dois países em novembro em relação ao mesmo mês de 2007. Primeira a dar férias coletivas no Brasil, pouco depois de a situação nos EUA piorar, a GM foi obrigada a vir a público garantir a solidez e a independência das operações no país.
Segundo Jaime Ardila, presidente da montadora no Brasil e em seis países latino-americanos, os investimentos e os planos estão mantidos. "Temos quatro fábricas na região, que não vão desaparecer." Para Ardila, a crise foi uma lição de humildade, como afirma a seguir.
FOLHA - A GM PERDEU MAIS VENDAS QUE AS CONCORRENTES. O QUE HOUVE?
JAIME ARDILA - Os últimos dois anos e meio foram excepcionais para a GM no Brasil. O ano de 2006 foi bom para nós, o de 2007 foi excelente e 2008, embora tenhamos um último trimestre fraco, será o melhor da nossa história. Vamos aumentar a receita e a produção de 15% a 20%. No ano passado, vendemos quase 500 mil unidades. Neste ano, vamos a 570 mil. Nossa receita foi de US$ 7,5 bilhões em 2007. Neste ano, vamos faturar de US$ 8,5 bilhões a US$ 9 bilhões. Sobre o lucro, eu não posso falar cifras, mas é o nosso melhor ano.
Tivemos anos muitos difíceis de 2003 a 2005, quando a corporação injetou US$ 1,2 bilhão aqui. Mas, desde 2006, somos muito lucrativos. Sem dúvida, estamos preocupados com o futuro, como toda a indústria. O fim de ano e o primeiro trimestre [de 2009] serão fracos.
FOLHA - É FRACO DE ZERO A ZERO OU DE RETRAÇÃO?
ARDILA - As vendas serão menores do que as de 2007 e menores do que as de 2008. Mas isso em janeiro e fevereiro. A partir de março, abril, as coisas podem começar a melhorar e 2009 pode ser um ano razoável.
FOLHA - AS CONDIÇÕES DE CRÉDITO ESTÃO VOLTANDO AO NORMAL?
ARDILA - Houve duas preocupações nos últimos meses: a falta de crédito e a de confiança do consumidor. O crédito secou completamente em outubro. Prazos diminuíram, juros subiram e os níveis de aprovação caíram. As condições melhoraram em novembro. No nosso caso, voltamos a ter as mesmas condições: 20% de entrada, taxas de juros de 1,4% a 1,5% ao mês e prazos de até 60 meses. Se o cliente quiser comprar carro, as condições estão muito parecidas com as de setembro.
FOLHA - SÓ QUE AGORA O CLIENTE ESTÁ COM MEDO.
ARDILA - O cliente perdeu a confiança em relação ao que pode acontecer. As pessoas estão preocupadas com o emprego e com o desaquecimento da economia. Nosso desafio hoje, como indústria, é vender a quem tem dúvidas que é um bom momento para comprar. É mostrar ao cliente que, se não comprar agora, as condições futuras não serão tão favoráveis.
FOLHA - AS AÇÕES DO GOVERNO TÊM SIDO EFICAZES PARA AJUDAR O SETOR?
ARDILA - As intenções que vejo no governo são muito boas. O problema é fazer anúncios que possam ser efetivados rapidamente porque temos pouco tempo. Se você começa o próximo ano com demissões e desemprego, fica mais difícil e leva muito mais tempo para a economia voltar. O governo poderia agir nas políticas monetária e fiscal. Na política fiscal, seria bom diminuir impostos e melhorar o orçamento das famílias ou os preços dos produtos. O problema é a taxa de juros, e aí o governo tem de atuar rápido. O BC tem de tomar um pouco mais de risco e diminuir rapidamente as taxas de juros. Isso daria uma injeção de confiança na economia.
FOLHA - OS INVESTIMENTOS DA GM PARA O PAÍS ESTÃO MANTIDOS?
ARDILA - Anunciamos que investiríamos US$ 1 bilhão em 2007 e 2008. Desse total, US$ 500 milhões foram para o projeto Viva, uma família nova de veículos que será lançada em 2009. Os outros US$ 500 milhões serão investidos na fábrica de motores em Joinville e em readequação de outras unidades. Além disso, investiremos US$ 500 milhões para desenvolvimento de produtos em São José dos Campos. Isso está aprovado e mantido. Não mudamos projetos quando o mercado muda por dois meses ou três meses. Agora, se a situação econômica ficar ruim por anos, mudaremos os planos.
FOLHA - OS RECURSOS A SEREM INVESTIDOS SÃO DA SUBSIDIÁRIA?
ARDILA - Sim, não precisamos de ajuda da corporação. Para renovar a linha até 2012, precisaremos de US$ 1 bilhão adicional. Estamos buscando aprovação para esse investimento, que, felizmente, será financiado com recursos próprios.
FOLHA - MAS A CORPORAÇÃO NÃO ESTÁ PRECISANDO DESSE DINHEIRO?
ARDILA - Remetemos dividendos, um percentual sobre os lucros, há três anos. Se remetemos dividendos, eles ficam tranqüilos e nos financiamos.
FOLHA - MAS A SITUAÇÃO LÁ FORA NÃO É TRANQÜILA.
ARDILA - A GM e a indústria automobilística americana estão solicitando ao Congresso uma ajuda financeira temporária até 2011 ou 2012, para enfrentar uma situação de liquidez apertada. Houve queda de vendas de 25% nos EUA neste ano e, nos últimos dois meses, ela chegou a 40%. A GM foi a mais impactada porque seu mix de produtos é maior e inclui utilitário esportivos grandes, picapes e modelos que o consumidor americano gostava. A situação mudou. O preço do petróleo ficou muito alto, a confiança do consumidor desapareceu e a escassez de crédito é total.
FOLHA - O CONSUMIDOR TAMBÉM NÃO ESTÁ PREOCUPADO COM O AMBIENTE? A GM NÃO ERROU NO MIX?
ARDILA - Em geral, o consumidor está preocupado com o ambiente e o aquecimento global, mas ele responde muito mais aos incentivos econômicos. Se for econômico comprar um carro ambientalmente bom, ele comprará. Se não for econômico, não vai comprar.
FOLHA - A FORD ESTÁ CAPITALIZADA. A GM NÃO SOUBE ANTEVER O PROBLEMA?
ARDILA - A GM estava na metade de um processo de reestruturação, fazendo investimentos grandes. A GM tem 18 a 20 modelos que vão ser lançados até 2010 adequados à necessidade do mercado. Temos feito investimentos maiores do que os concorrentes e estaremos mais preparados para os desafios de 2010, 2011 e 2012, mas ficamos atrapalhados no meio do caminho com a queda grande na receita.
FOLHA - O PRESIDENTE MUNDIAL DA GM TEM EVITADO A HIPÓTESE DE CONCORDATA. POR QUÊ?
ARDILA - A concordata é boa quando você atravessa uma reestruturação. Se é necessário renegociar contratos trabalhistas ou dívidas. Mas, quando o problema é de receita, de mercado que ficou ruim temporariamente, a concordata pode piorar a situação.
FOLHA - MAS NÃO É ESSE O PRINCIPAL PROBLEMA? AS VENDAS NÃO CAÍRAM PELO MEDO DE A EMPRESA QUEBRAR?
ARDILA - Pesquisas mostram que isso não é verdade. Mas poderia acontecer numa situação de concordata. A parte de custos e reestruturação a GM já estava resolvendo sem concordata. Qual seria a proposta da concordata quando o que se precisa é melhorar a receita? Como a receita não vai melhorar até que o governo consiga estimular a economia, a companhia está pedindo um crédito-ponte, temporário, até 2011. Aí a economia vai melhorar e a GM vai ter uma posição de custos e de produto mais favorável.
FOLHA - O EMPRÉSTIMO DEVE SAIR?
ARDILA - Estamos otimistas. O presidente [eleito dos EUA, Barack] Obama disse que a indústria merece ajuda.
FOLHA - ATÉ PORQUE OS PRESIDENTES DAS MONTADORAS CHEGARAM DE CARRO, E NÃO DE JATINHO NESSA REUNIÃO COM OS CONGRESSISTAS. A CRISE FOI UMA LIÇÃO DE HUMILDADE PARA A INDÚSTRIA?
ARDILA - Acho que foi uma lição de humildade para a indústria automotiva que precisa ser estendida a todo o mundo corporativo dos EUA. Posso assegurar que as compensações de um executivo da indústria automobilística não têm comparação com as do resto do mundo corporativo americano. É muito favorável (ou desfavorável, poderia dizer) para nós.
Ninguém pode acusar a indústria automobilística de usar dinheiro para pagar bônus aos executivos ou financiar um estilo de vida. O dinheiro foi para pagar aposentadorias e planos de saúde, que fizeram as companhias pouco competitivas. Mas foi o que a sociedade americana precisou nos últimos cem anos. Foram conquistas que antes tínhamos condições de financiar e bancar. Hoje, não temos.
FOLHA - COMO A CRISE NOS EUA IMPACTA A GM BRASIL?
ARDILA - Até agora não impactou. Durante a semana em que a ajuda à GM não foi aprovada, os consumidores se mostraram preocupados. Fizemos esclarecimentos e tranqüilizamos o mercado. É verdade que perdemos mais vendas do que a concorrência, mas foram clientes corporativos que ficaram sem financiamento. Nas últimas semanas, houve uma recuperação. O tempo vai mostrar que a marca e a rede são fortes e os fornecedores estão comprometidos com o negócio. Temos três fábricas aqui, uma na Argentina e não vão desaparecer.
FOLHA - COMO FICAM AS FÉRIAS COLETIVAS E O EMPREGO?
ARDILA - A decisão foi não tomar decisões até o próximo ano. Demos férias coletivas, eliminamos turnos e horas extras. Em janeiro vamos avaliar as perspectivas e aí decidiremos o nível de emprego adequado às condições do mercado.”
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