quarta-feira, 12 de maio de 2010

ENTREVISTA COM O MINISTRO DOS ESPORTES: "FUTEBOL FAZ PARTE DA IDENTIDADE BRASILEIRA"

"Abrindo o especial que o Portal Vermelho inaugura sobre as Copas do Mundo, entrevistamos o ministro do Esporte do governo Lula, Orlando Silva Júnior, em sua residência, em São Paulo, sobre o que ele espera da Copa da África. Orlando também expôs o que pensa da realização da Copa do Mundo de 2014 e da Olimpíada de 2016 no Rio de Janeiro e o que a sua pasta está fazendo para o país sediar com sucesso os dois maiores eventos esportivos da Terra.

Por José Reinaldo Carvalho e Humberto Alencar

Vermelho — A Copa do Mundo é um dos maiores acontecimentos da Terra, mobiliza todos os públicos e todos os interesses e o Brasil é o país que participou de todas as Copas. No Brasil, especialmente, a Copa polariza muitas atenções, todas as atenções.

Como é que você como ministro, cidadão brasileiro e torcedor, se sente vivendo esse momento prévio à Copa e o que você pode dizer, em que pese não haver interferência do Ministério sobre a CBF e muito menos sobre o time, sobre como o governo, as instituições públicas, especificamente o Ministério do Esporte incide nesse acontecimento que polariza o povo brasileiro?


Orlando Silva Jr.: Pensei que você fosse perguntar sobre o Neymar (Risos). A todos os lugares que vou, a turma só pergunta do Neymar e a gente mantém uma equidistância do tema. O futebol é uma língua universal. É impressionante a repercussão do fenômeno futebol. Como você sabe, a imagem do Brasil hoje não é mais só associada ao futebol, mas o país tem o futebol como um fator de identidade nacional.

O futebol é uma das variáveis, um dos elementos que compõem a identidade brasileira, e num momento de Copa do Mundo isso aflora mais. Em 2014 o Brasil terá a responsabilidade de fazer a Copa depois de 64 anos, então, talvez nunca tenha estado tão viva na agenda brasileira a temática do futebol.

Eu como torcedor espero que o Brasil vença. Nós temos uma vantagem, somos o único país que ganhou fora de seu continente. Ganhamos na Ásia e ganhamos na Europa, nenhum outro país conseguiu essa façanha e na Copa da África o brasileiro vai se sentir em casa. Estive na Copa das Confederações no ano passado e pude sentir o carinho que o povo sul-africano tem com o Brasil, com o brasileiro, é um momento também muito amistoso de relações entre os países, o presidente Jacob Zuma esteve duas vezes aqui em menos de seis meses. O presidente Lula foi o presidente brasileiro que mais vezes foi à África. Ele vai estar na África durante a Copa do Mundo. Nem sei se algum presidente brasileiro já foi a uma Copa do Mundo fora do país.

Então fica a expectativa de que seja uma boa participação brasileira, que tenha um bom resultado e que aprendamos com eles para preparar a Copa no país, no Brasil.

Vermelho — Como torcedor, a sua primeira Copa foi a de 74 ou 78. Quais foram os episódios com a Seleção Brasileira que te marcaram, para o bem e para o mal?

Orlando Silva Jr.:
Como nasci em 1971, a primeira Copa que ficou na lembrança foi a de 1982. Para o mal foram os 3 gols de Paolo Rossi. Eu vi a partida com a minha família inteira, lá em Salvador, e foi um chororô terrível depois que aquela seleção foi derrotada, uma seleção que tinha um futebol mágico, que encantava todo mundo.

As vitórias são sempre momentos maravilhosos, são aqueles dois a zero na Alemanha, na final de 2002. Eu, como nasci na periferia e tenho uma identidade muito forte com o povo da periferia, fiquei muito tocado com aquele gesto do Cafu, não é? Que, naquele momento áureo, máximo que o atleta pode alcançar, lembrou do bairro em que nasceu, da comunidade onde nasceu, aliás, até escrevi no site do Vermelho, um artigo, uma notinha, chamado "100% Jardim Irene", de tão emocionado que eu fiquei.

Vermelho — Você abordou que o futebol faz parte da identidade nacional. Em 1950 nós tivemos o maior trauma da história do futebol brasileiro, que foi a derrota na Copa do Brasil. Em 1958 ganhamos o primeiro Mundial e Nélson Rodrigues, conhecido diretor, dramaturgo e cronista de futebol, o maior que o Brasil já teve, um nacionalista com ideias conservadoras, disse que, em 1950, o Brasil desenvolveu o complexo de vira-latas, passando a superá-lo a partir de 1958.

Trazendo para o momento de hoje, tudo indica que o Brasil não só não vive mais o complexo de vira-latas como país do futebol, obviamente porque é o país pentacampeão, mas também porque vive um momento social, político, econômico diferente. Também é um momento de engrandecimento e de orgulho nacional por outras razões. Você, como ministro do Esporte, como torcedor que vai acompanhar com interesse a Copa e como um protagonista de um dos principais momentos que está vivendo, como se sente?

Orlando Silva Jr.:
O Brasil vive um momento maravilhoso e isso que você fala é interessante, porque o Brasil deixou de ser um ator coadjuvante e passou a ser um ator central, e é curioso porque nós estamos vivendo a história e isso acontece sob nossos olhos, sob nossos olhares, eu poderia comentar sobre a campanha para os Jogos Olímpicos. Viajamos a muitos países procurando contato com muitas autoridades etc., e eu nunca vou esquecer quando, em um momento chave da disputa, veio uma comissão com 17 especialistas para assistir à apresentação sobre o Brasil. Esses especialistas, na sua maioria europeus, se mostraram incrédulos quando falávamos que somos auto-suficientes em hidrocarbonetos. Temos uma matriz energética limpa, e na Europa se faz uma campanha, se fala da devastação da Amazônia e não se fala que nós temos uma matriz energética absolutamente limpa, biocombustiveis, energia hidrelétrica.

Eu diria que esses eventos, a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos, serão as oportunidades de que o país precisava para mostrar ao mundo o que somos, não apenas nossas belezas, tradições, nossos sítios históricos. Não apenas a forma afável de receber do nosso povo.

O que nós poderemos mostrar no próximo período é a complexidade da economia brasileira, é a democracia do país que está vivendo um momento dos mais importantes com as experiências do governo do presidente Lula, enfim, uma nação una em valores. Portanto, para mim, pessoalmente, é emocionante representar o Partido Comunista do Brasil num governo que vive tantas transformações num país que passa a ter papel central no mundo.

Eu nunca vou esquecer um encontro do presidente Lula com o presidente da China, Hu Jintao, uma reunião que ia ser de 30 minutos. Os chineses são muito protocolares e a reunião se prolongou por um tempo imenso e, de parte a parte se revelaram as coincidências, como atuar juntos nos organismos multilaterais, a visão da necessidade do mundo ser multipolar, que era o dialogo que se fazia, a necessidade da aliança, no caso entre o Brasil e a China.

Eu me lembro de conversas com Jacob Zuma, que também testemunhei com o presidente Lula, portanto o Brasil é um ator central na cena mundial e ajuda a articular nações que serão, seguramente, cada vez mais importantes.

Vermelho — a mídia esportiva tem falado muito dos gastos para a Copa de 2014 e Olimpíada de 2016. O que você acha dessa visão transmitida pela mídia?

Orlando Silva Jr.:
Veja, se fosse ruim realizar esses grandes eventos esportivos, seguramente não haveria tanta disputa por países tão importantes do mundo para realizá-los.

Nós ganhamos os Jogos Olímpicos disputando com os Estados Unidos, o Japão e a Espanha. A Copa do Mundo, agora, tem 8 candidaturas que vão disputar o direito de fazer o Mundial de 2018, então são eventos importantes, pela visibilidade que dão ao país.

Veja, de 2003 a 2010 nós dobramos o número de turistas internacionais que vêm ao Brasil. Com esses eventos nós podemos crescer muito mais, portanto a indústria deve ser incrementada e a projeção do país no mundo ganha muito, os produtos ganham mercado com essa projeção que é realizada internacionalmente.

A Copa, a Olimpíada e os grandes eventos exigem a antecipação de investimentos que mais cedo ou mais tarde teriam de ser feitos. O presidente decidiu que o principal legado que vai ficar desses eventos é o legado nas grandes cidades em mobilidade urbana, transporte coletivo. Inclusive é preciso mudar até mentalidade sobre isso. Num debate sobre mobilidade urbana, os prefeitos vieram com uma proposta de mudanças no sistema viário, quer dizer, construir avenidas. Nós queremos transporte de massa, coletivo, de qualidade para a população.

Os aeroportos terão um pacote de investimentos poderoso, algo como 8 bilhões de reais de investimentos e que terá repercussão também muito positiva. Nós investiremos em serviços, para melhorá-los, formar melhor os nossos profissionais, trabalhar o segundo idioma de muitas ocupações que são importantes para o sucesso desses eventos. Isso também vai repercutir na capacidade profissional dos trabalhadores brasileiros e nós teremos melhores instalações esportivas, no caso do futebol, teremos estádios que o padrão Fifa exige, mais seguros e mais confortáveis.

Eu diria que a Copa é um investimento para o país. Nós fizemos um estudo de impacto econômico. Somando os investimentos diretos em infra-estrutura, os investimentos na melhoria dos serviços, o incremento com a ampliação do turismo, serão 600 mil turistas internacionais e 3,1 milhões de turistas brasileiros que circularão em função da Copa. Somando o incremento do consumo, nós temos uma estimativa de R$ 47 bilhões, somando todos esses itens, que terão um impacto direto na economia brasileira em função da realização da Copa do Mundo.

Nós usamos um modelo de econometria experimentado em outros países, levando em conta a recirculação desses valores, porque cada investimento que você faz você ativa uma cadeia produtiva, e a cadeia da construção civil é interessa porque é muito longa, chega na compra de minério para produção do aço. Você dá uma circulação na economia que pode alcançar R$ 185 bilhões, então falar de R$ 600 milhões de um estádio para um evento desse é abstrair que tem um conjunto de atores econômicos em cena e que vai ter um forte impacto econômico imediato e, digamos assim, é tomar a parte pelo todo. Haverá também incremento na arrecadação de impostos e na geração de empregos.

Vermelho — Temos visto blogues de torcedores, muitos deles comunistas ou simpatizantes do partido, que expressam a preocupação de que a Copa torne o futebol uma diversão para as elites, excluindo o povo. Você acha que isso pode acontecer?

Orlando Silva Jr.:
Eu acho que não, evidentemente que o acesso aos estádios durante a Copa não é simples. Nós teremos algo como 3 milhões de ingressos, somando todos os ingressos de todos os jogos. Teremos seguramente mais gente interessada em assistir do que ingressos disponíveis, mas isso não acontecerá só no Brasil, já aconteceu no mundo inteiro, tanto que existem as “fans fest” , grandes festivais que os países realizam durante esses grandes eventos. Estive na Alemanha em 2006 e vi, em uma praça, umas 100 mil pessoas acompanhando num telão um dos jogos da Copa em seu próprio país. A maior parte dessas pessoas eram alemães, que não tiveram acesso aos estádios.

O que existe é um debate no futebol sobre o valor dos ingressos, há quem defenda a necessidade de majoração do preço deles, para viabilizar mais receita para os clubes. É outro problema, ligado à economia do futebol, porque no Brasil nós vivemos, os clubes vivem quase sempre da transferência de atletas, o que é muito triste, porque no mundo inteiro o futebol tem quatro receitas: transferência de atletas, bilheteria, licenciamento de produtos e televisão.

O nosso desafio é manter os craques por mais tempo para valorizar o espetáculo. Isso valoriza, vai render mais contratos de televisão, porque são melhores espetáculos, vai permitir licenciar mais produtos, porque vai ter ídolos aqui perto e você vai ter, digamos assim, um valor maior do espetáculo até mesmo na bilheteria. Então esse problema da bilheteria é um tema delicado, porque temos um modelo diferente. Inclusive existe um tema, que é polêmico, que é o problema das torcidas organizadas, eu pessoalmente sou favorável a elas, porque são formas legitimas de organização da juventude brasileira.

A torcida organizada é uma forma de construção de identidade. Tem jovem que a única identidade que ele constituiu é com seu clube de futebol, com a sua paixão, na torcida organizada, e esse método de elevar muito o valor do ingresso pode ser uma medida excludente de pessoas de baixa renda, do ponto de vista social daqueles que sustentaram, nas fases mais difíceis, o nosso futebol. Ainda que, aqui e acolá, você tenha zonas especiais, nas quais se possa cobrar mais — camarotes etc., é sempre importante, levando em conta as nossas particularidades ter uma área popular, mas isso está diminuindo.

Quem não se lembra dos “geraldinos” do Maracanã, figuras caricatas que davam alegria ao futebol? Figuras folclóricas, que levavam santinho, perucas, uma buzina, as charangas, isso faz parte do espetáculo. Em São Paulo, por exemplo, eu já falei para a Federação Paulista de Futebol mais de uma vez, sinto falta de ter bandeira nos estádios, porque hoje é proibido, você vê no Rio de Janeiro como que é mais bonito o espetáculo das torcidas com as bandeiras. Precisa tomar cuidado senão o futebol vai ficar uma coisa muito chata. Chata para quem está em campo jogando, chata pra quem vai lá assistir.

Vermelho — Acabam prejudicando a grande maioria das pessoas ao invés de abordar diretamente o problema que é um problema policial. São três ou quatro torcedores, que são bandidos e que poderiam ser presos pela polícia. O problema não é a torcida organizada, são três ou quatro ou duzentos, não importa, isso é um problema policial.

Orlando Silva Jr.:
É como toda expressão de violência. Você vai a um bairro de periferia, 99,9% das pessoas são trabalhadores, tem uma ou outra pessoa que tem uma conduta social inadequada, mas você não pode generalizar, a mesma coisa vale para o estádio, vale para a torcida, por isso que falo que esse tema é polêmico.

Já houve aqui em São Paulo gente interessada, em minha opinião, em fazer demagogia política, propondo a proibição das torcidas organizadas o que é tapar o sol com a peneira. Você não vai proibir aquelas pessoas de se juntarem em função de seu time porque esta na lei, ou mudar o nome, mesmo que não tenha nome nenhum, vai continuar funcionando, porque insisto, é um fator de identidade desses jovens. É nos temos que mobilizá-los em torno de boas causas.

Pretendemos engajar as organizadas em torno de melhoria do futebol, engajá-las em torno de mobilização social. Muito pouca gente sabe, mas tem muita torcida organizada que faz trabalho social, de inclusão digital, de atividades esportivas para crianças carentes.

Estádios confortáveis e seguros para o torcedor são muito importantes. É preciso ter diálogo com o torcedor organizado porque eles ajudam a embelezar os espetáculos.

Vermelho — E essa história de clube empresa, uma coisa muito propalada nos últimos 15 anos? A relação entre jogador e clube mudou, não é mais aquela relação existente no passado, quando o jogador era praticamente um escravo do clube. Hoje ele é um trabalhador quase comum, evidente que há diferenças, mas isso criou um problema nos clubes ligado à sua sobrevivência, já que eles vendiam o passe do jogador como fonte de renda, hoje já não é assim.

Orlando Silva Jr.:
É em parte, os clubes até tem renda na venda de jogadores. O problema é que os clubes perdem os jogadores muito cedo. A Lei Pelé foi importante, a lei libertou os atletas da escravidão. Era errado, em minha opinião, que um atleta só pudesse exercer sua profissão se o clube permitisse. Não era uma relação trabalhista regular. Eu posso não querer trabalhar naquele clube, quero trabalhar noutro clube, não é? A Lei Pelé foi correta na medida em que modernizou, digamos assim, as relações de trabalho.

Agora, pelo tempo, a Lei Pelé não protegeu o clube formador de atleta. Hoje o clube investe na formação de um menino de 14 até os 19 anos e muitas vezes, os chamados agentes, na verdade atravessadores que aliciam famílias pobres, muito pobres, que por dois tostões fazem a família de um atleta ceder direitos, dar procuração, esse tipo de coisa, e manipula a pobreza, infelizmente existe isso hoje. Os clubes estão desprotegidos desse tipo de atividade.

Tem um projeto de lei no Congresso Nacional que foi de autoria do poder executivo que também deve ser votado ainda neste semestre, que procura valorizar esse clube formador e definir o que é um clube formador.

Agora, essa história de clube empresa, em minha opinião, é um mito. Porque não é o status jurídico do clube que define se ele vai ser bem ou mal gerido. Então se cria um mito... "o clube empresa vai aumentar a transparência", etc."

FONTE: publicado no portal "Vermelho".

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