sábado, 2 de outubro de 2010

ÍNTEGRA DA ENTREVISTA CONCEDIDA PELO PRESIDENTE LULA À REVISTA "THE ECONOMIST"


Palácio do Planalto, 09 de setembro de 2010

Jornalista: Presidente, quando o senhor entrou aqui, neste escritório, já conhecia muito o Brasil, havia viajado por todo o país. Mas, depois de oito anos, eu suponho que o senhor tem aprendido algumas coisas, talvez, que lhe surpreenderam, quanto ao país, quanto ao governo. A sua visão do país tem mudado, depois dessa experiência de oito anos? Tem coisas que ainda lhe surpreendem no país?

Presidente:
Bem, eu penso que todo dia nós temos surpresas na vida, e todo dia nós temos surpresas quando governamos um país do tamanho do Brasil. O que mais me surpreende no Brasil é a quantidade de dificuldade que nós criamos para nós mesmos, quando nós somos legisladores no país, ou seja, nós criamos uma quantidade de legislação, de fiscalização do próprio Estado brasileiro, que isso termina fazendo com que as coisas não andem com a rapidez que todo governante gostaria de andar [que andassem].

Para lhe dar um exemplo de uma coisa que me frustra no Brasil é que, no mandato de quatro anos, no mandato de quatro anos, um presidente da República, se quiser fazer uma grande obra estruturante, entre ele pensar o projeto, fazer o projeto básico, fazer o projeto executivo, conseguir licença ambiental, conseguir licença para começar a obra, enfrentar a licitação, enfrentar o Poder Judiciário e o Ministério Público, termina o mandato e ele não faz a obra.

Eu vou lhe dar um exemplo, aqui, concreto. A Transnordestina é uma ferrovia de 1.720 km, que liga o Porto de Suape, em Pernambuco, ao Porto de Pecém, em Fortaleza, e passa por Eliseu Martins, no Piauí, para trazer toda a carga de soja e de minério daquela região. Nós levamos praticamente dois anos elaborando o projeto financeiro para construir a ferrovia, que foi daquelas ferrovias privatizadas e que não havia nenhum investimento. Então, nós construímos a engenharia financeira, levamos dois anos com o ministro da Fazenda, ministro do Planejamento, BNDES... A cada vez que você imaginava que estava concluído o projeto, você começava a ter problema: problema com o estado de Pernambuco, problema com o estado do Ceará, problema com o estado do Piauí, depois problema com desapropriação, depois problema de licitação, depois... problema de vegetação. Ou seja, nós levamos, na verdade, cinco anos, cinco anos para podermos olhar um para a cara do outro e dizer: “O projeto está pronto. Não tem mais problema. Tem dinheiro, não tem questão ambiental, não tem questão na Justiça, não tem absolutamente nada. Vamos começar a obra”. Quando começar, em dois anos a gente termina a obra. Ou seja, levamos cinco anos para resolver todos os problemas, e em dois anos nós vamos começar a obra.

Então, essa é uma coisa que eu ainda pretendo preparar para o próximo governante do Brasil, novos marcos regulatórios, para que a gente possa... Ao mesmo tempo em que a gente quer impor mais seriedade no gerenciamento da coisa pública, nós precisamos ter mecanismos que facilitem a atuação e a execução das obras no Brasil, porque esse é um problema sério para quem vier a governar o Brasil. É um problema muito sério.

Eu posso lhe dar um outro exemplo: Belo Monte. Belo Monte é uma grande hidrelétrica, de 11 mil megawatts que nós estamos fazendo. Tem engenheiros formados 30 anos atrás que tentaram trabalhar no projeto de Belo Monte. Belo Monte passou 20 anos sendo proibido fazer o estudo de Belo Monte, e nós, agora, finalmente, conseguimos desobstruir todos os obstáculos e vamos fazer Belo Monte, colocando R$ 5 bilhões – é isso que as pessoas têm que entender –, R$ 5 bilhões a mais, para poder cuidar de fazer uma hidrelétrica que leve em conta a preservação ambiental, que leve em conta as comunidades indígenas, que leve em conta os povos ribeirinhos que moram ao longo do rio, os pequenos produtores rurais. E vamos tentar fazer uma hidrelétrica que seja um exemplo de oportunidade para as pessoas que moram na região, e não uma hidrelétrica que seja um exemplo de afugentar as pessoas que estão lá. Então, para nós, é um desafio extraordinário. Então, eu fico feliz porque é uma coisa que há 30 anos se tentava fazer e que não se conseguia fazer.

Eu poderia pegar o Canal do São Francisco. O Canal do São Francisco é um canal de 642 km, se não me falha a memória, que pega a água do São Francisco para atender o estado do Rio Grande do Norte, o estado de Pernambuco, o estado do Ceará e o estado da Paraíba. São 12 milhões de habitantes que moram no semiárido. Esse canal, Dom Pedro tentou fazer em 1847 e não conseguiu fazer. Ou seja, faz cento e... Quantos anos? 1847, 1947... Faz cento e...

__________: Cento e sessenta e três anos.

Presidente:
Faz 163 anos que se tentava fazer esse canal. Nós levamos quatro anos batalhando com cada estado, com a comunidade, fazendo debate, fazendo audiência pública... Finalmente, esse canal vai sair.

Jornalista: Então, é difícil fazer obra no Brasil. É difícil fazer reforma também?

Presidente:
Não, mas deixa eu lhe falar uma coisa. É difícil fazer obra também por conta... pelo fato de o Brasil ter ficado 25 anos sem fazer absolutamente quase nenhuma obra de infraestrutura. Eu digo sempre o seguinte: o último momento de investimento em infraestrutura foi no governo Geisel, que se endividou demais e, por conta da dívida, o Brasil, que fez uma dívida em dólar quando os juros eram 3%, e o Paul Volcker, para resolver o problema do déficit fiscal americano, elevou o juro para 21%, e, portanto, a dívida ficou impagável, e nós passamos esses outros 20 anos tentando resolver o problema da dívida. Foram duas décadas e meia em que o Brasil não tinha capacidade de fazer nenhum investimento em infraestrutura. Então, foi desmontado... Só para você ter ideia, nós tínhamos, em 1989, 1989, nós tínhamos, no Brasil, por volta de 50 mil escritórios de engenharia de projetos. Quando eu tomei posse, nós tínhamos apenas 8 mil escritórios de engenharia. Foi desmontado. As universidades não formavam mais engenheiros. Os engenheiros que eram formados iam ser analistas do sistema financeiro, não iam trabalhar mais de [como] engenheiros. E tudo isso nós estamos recuperando, para que a indústria brasileira volte a adquirir a capacidade de fazer as grandes obras que o Brasil precisa.

Então, eu penso que essas dificuldades foram resolvidas, grande parte delas. As empresas, hoje, estão estruturadas. Muitas empresas brasileiras já não ganhavam mais dinheiro no Brasil. Ganhavam dinheiro na América Latina, ganhavam dinheiro fazendo aeroporto de Miami, ganhavam dinheiro fazendo aeroporto de Trípoli, na Líbia, ganhavam dinheiro fazendo hidrelétrica na África e, agora, estão fazendo no Brasil. Foi um processo de recuperação da capacidade produtiva deste país, que tinha desaparecido.

Jornalista: Então, tem havido uma recuperação da capacidade de fazer obras, ainda que devagar, não? E quanto a reformas, quando... O senhor deu uma entrevista conosco, faz quatro anos, ao final do primeiro...

Presidente:
Mandato.

Jornalista: ... governo, ao nosso correspondente nesse momento. O senhor falou que a sua prioridade para o segundo governo seria reforma tributária, reforma política, reforma trabalhista. Não se tem conseguido isso e parecia que... não sei, que a economia começou a crescer mais rápido e o senhor, um pouco, perdeu o interesse nisso?

Presidente:
Não...

Jornalista: O que aconteceu? Que reflexão faz sobre isso?

Presidente:
É que nós vivemos num regime presidencialista com uma Constituição parlamentarista. O Congresso Nacional tem muito peso no Brasil, e nem sempre o presidente da República pode fazer aquilo que ele quer, ele faz aquilo que ele pode. Veja, é importante apenas lembrar um fato histórico: eu tomei posse na presidência do Brasil em 1º de janeiro de 2003 e, em abril de 2003, eu mandei ao Congresso Nacional a primeira proposta de reforma tributária. Essa reforma tributária, foram votadas algumas coisas, no que diz respeito aos tributos federais, e paralisou. Por quê? Porque cada estado tem interesse numa reforma tributária sua, cada estado tem a sua política de tributo próprio, e cada estado tem a sua bancada de deputados e de senadores. E, portanto, cada estado não tem interesse em diminuir a sua capacidade de arrecadação.

Bem, quando veio o segundo mandato nós mandamos, veja, nós construímos uma proposta de política tributária em que nós ouvimos todo o movimento sindical, que se colocou de acordo; que nós ouvimos todos os líderes dos partidos políticos, que se colocaram de acordo; que nós ouvimos todas as federações de empresários, que se colocaram de acordo. Tivemos a aprovação unânime do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, que é um conselho de ajuda à discussão política no Brasil. Tivemos a concordância de todos os governadores de estados. Quando o ministro Guido Mantega mandou a reforma tributária para o Congresso Nacional, eu imaginei que ela iria ser aprovada com uma certa rapidez. Aí eu descobri que tem inimigos ocultos da reforma tributária. Porque as pessoas que eram favoráveis aqui, nas nossas reuniões, trabalhavam dentro do Congresso Nacional para que ela não fosse votada, inclusive governadores. Por quê? Porque nós queríamos reduzir de 27 alíquotas de imposto que temos no ICMS, nos estados, nós queríamos reduzir para duas, para três, para cinco, e nenhum governador quer. Então, quando isso acontece, os governadores que não querem começam a trabalhar os seus interesses, o que é democraticamente legítimo e explicável. Eu estou apenas mostrando, eu estou apenas mostrando a dificuldade que você tem de fazer uma reforma tributária num país em que cada governo tem os seus tributos estaduais próprios e que não quer perder. Em lugar nenhum do mundo ninguém quer perder um centavo de tributo. Mas nós fizemos a nossa parte.

E é importante lembrar que nesse período nós fizemos desoneração, neste país, mais de R$ 100 bilhões. Eu poderia ter utilizado esse dinheiro para fazer mais política social, mas preferi reduzir o tributo para que as empresas pudessem suspirar, respirar, produzir, e gerar emprego e recuperar a economia. Essa foi uma política que nós fizemos.

A reforma política é outra coisa que eu digo todo dia, agora, que não é papel do presidente da República querer fazer reforma política, apesar de eu ter mandado proposta de reforma política para o Congresso Nacional. Nós mandamos antes de eu ser Presidente, mandamos depois que eu fui Presidente. O Congresso não quis votar.

Então eu, agora, estou assumindo um compromisso comigo mesmo que, quando eu não for mais presidente, eu vou primeiro convencer o meu partido a assumir a prioridade da reforma política, porque eu acho que é a reforma principal que nós temos que fazer no Brasil, para depois a gente fazer as outras. E aí convencer os outros partidos de que a reforma política é extremamente importante ser feita neste país, para que a gente tenha partido mais forte, para que a gente tenha um Congresso mais forte, para que o governante que esteja nesta cadeira possa fazer acordo mais substancial com os partidos políticos, com a direção do partido. E hoje, hoje, como os partidos estão enfraquecidos, a força é a força individual de cada cidadão, de cada região.

Então, eu tenho frustração de não ter sido votada a reforma política, eu tenho frustração. Eu acho que é um erro, um erro dos partidos políticos não votarem a reforma política que o Brasil tanto precisa e, sobretudo, que os partidos precisam. E é preciso apenas convencê-los a mudar o status quo. Ninguém quer mudar, as pessoas não querem mudar. Ou seja, todo mundo é conservador quando se trata de mudança, seja pela direita ou pela esquerda. As pessoas preferem ficar como estão. Mesmo quando você quer tirar uma pessoa de uma favela em que está caindo o barraco, ela não quer sair, ela não quer sair.

Eu lembro que eu morava na Vila Carioca, numa vila que dava enchente, em 1964, e a minha mãe queria mudar e a gente não queria mudar, queria ficar lá na enchente mesmo. Mas isso é um trabalho de convencimento que nós vamos ter que fazer. Eu aprendi muito e acho que esse aprendizado meu vai permitir que eu possa ter mais liberdade, sem ser presidente, de discutir assuntos que como presidente eu não queria discutir, porque não eram da minha alçada.

Jornalista: E quanto à reforma laboral e sindical...? É muito difícil contratar uma pessoa legalmente no Brasil. E muitas pessoas acharam, muito brasileiro achou que o senhor tem uma autoridade moral única para fazer essa reforma, não é, e que seria respeitado por sindicatos, e não se fez...

Presidente:
Eu fiz mais do que isso. Eu reuni os empresários, reuni os trabalhadores e reuni o governo, coloquei à mesa e falei: vocês me apresentem uma proposta de reforma trabalhista.

Porque qual é o problema no Brasil? Qual é o problema do Brasil? De um lado, você tem os empresários que falam em reforma trabalhista e querem anular todos os direitos que os trabalhadores conquistaram ao longo de tempo. É impossível. De outro lado, você tem os trabalhadores que falam que é preciso fazer reforma sindical e trabalhista, mas querem ficar com todos os direitos que estão garantidos na CLT. Ou seja, assim não é possível, não é possível.

Eu criei grupo de trabalho para fazer reforma sindical, para fazer reforma trabalhista e para fazer reforma na Previdência Social. Nós conseguimos fazer a reforma na Previdência pública, mas não conseguimos fazer reforma na Previdência privada, nem na questão trabalhista. Possivelmente, porque seja um processo de amadurecimento. Essas coisas, essas coisas... Nós também, na política, precisamos compreender que diferentemente de um empresário que toma uma decisão na sua empresa e manda o diretor embora na hora que quer ou contrata quem quiser, na vida política, num país democrático, você tem instituições que se colocam contra, que se colocam a favor, você tem sindicato que se coloca contra ou a favor, você tem imprensa que se manifesta contra ou a favor. E o papel do presidente da República é o papel de manter um certo equilíbrio entre os desejos da sociedade.

Mas eu penso, veja, eu, que fui dirigente sindical muito tempo, eu penso que nós estamos vivendo, hoje, o mais importante momento de harmonia entre capital e trabalho, e eu acho que nós estamos ficando preparados para discutir a questão das reformas nos próximos anos. E eu posso ajudar, mesmo sem ser presidente da República, talvez até possa ajudar mais, sem ser presidente da República, a discutir esses assuntos com os trabalhadores, com os empresários. Eu lembro, parecia impossível a gente humanizar o trabalho no corte de cana-de-açúcar. E nós chamamos os empresários, chamamos os trabalhadores e fizemos um pacto aqui, dentro do Palácio, entre os trabalhadores rurais que cortam cana e os empresários, e estamos implantando a humanização do mundo do trabalho. Qual é o meu argumento para eles? Se a gente não humanizar o mundo do trabalho, o etanol não virará uma commodity importante, porque o mundo estará de olho e estará fazendo pressão.

Então, nós estamos diminuindo a quantidade de homens que trabalham no corte de cana, é importante que a gente consiga criar novas condições de trabalho para eles, e que as máquinas estejam substituindo esses trabalhadores. Isso é irreversível, inexorável para os próximos dez, os próximos 15 anos.

Jornalista: Então, para os próximos quatro anos, o próximo mandato, o próximo governo, para o senhor, qual é a prioridade máxima?

Presidente:
Olha, seria presunção da minha parte dar palpite sobre a prioridade que o novo governo vai definir. Eu penso que quando terminar as eleições no dia 3 de outubro, se terminar no primeiro turno, ou se tiver segundo turno, eu penso que quem for eleito vai pensar em começar a discutir o seu governo a partir do processo eleitoral.

Eu penso que qualquer que for o governo que ganhe as eleições – e eu estou convencido de que a minha candidata ganhará as eleições, estou convencido –, vai ter que dar continuidade e aperfeiçoar as coisas que estão acontecendo no Brasil. O que nós fizemos no Brasil não foi pouca coisa. O que nós fizemos no Brasil foi muita coisa e, certamente, ainda falta muito por fazer, porque isso aqui foram 500 anos de esquecimento de uma parte da população. É importante que a gente não perca nunca de vista que entre 1950 e 1980 a economia brasileira foi a economia que mais cresceu no mundo, ela cresceu, quase 30 anos, em média 7% ao ano, e essa riqueza não foi distribuída de forma justa entre a população. Então, ficou um fosso entre gente muita rica e gente muito pobre.

Nós estamos começando a colocar degraus para que as pessoas mais pobres comecem a subir os degraus e ter uma ascensão para chegar a ser classe média baixa, num primeiro momento, e classe média média, num segundo momento. É esse o país que eu sonho que o próximo presidente vai dar passos para construir: um país de uma ampla maioria de classe média, com poder de compra, com poder de consumo, com acesso a bens materiais, com acesso à educação, com acesso à saúde, melhor do que nós temos hoje.

O Brasil está preparado para isso. O Brasil está preparado, a autoestima do povo está elevada. Os investimentos públicos não são tudo aquilo que a gente queria, mas são os investimentos que nunca foram feitos neste país, em todas as áreas. Você pode andar pelo Brasil que, em qualquer lugar que você chegar, você vai ver uma obra financiada pelo governo federal. Saneamento básico, que não se fazia neste país, está fazendo, e fazendo muito saneamento básico. O problema é que isso vai começar a aparecer nos estudos da PNAD a partir de 2012, 2013 ou 2014, porque entre você começar a fazer uma obra e terminar, você demora três, quatro, cinco anos. De forma que eu acho que nós conseguimos avançar, e o Brasil, hoje, se enxerga de outra maneira, ou seja, nós passamos a gostar de nós mesmos, nós já não nos sentimos mais inferiores.

Jornalista: Mas têm certa preocupação algumas partes da sociedade brasileira, sobretudo no segundo governo do senhor. O papel do Estado, da economia, se tem feito muito mais importante até pré-sal, no petróleo, até Telebras, Eletrobras, tem críticas do papel do BNDES. O senhor acha que o papel do Estado é adequado agora? É grande demais? É pequeno demais ainda? Como vê essa crítica?

Presidente:
Veja, primeiro, eu penso que as críticas, elas são infundadas. Eu tive o prazer e agradeço a Deus de ter me dado a oportunidade de conviver oito anos com os líderes dos principais países do mundo. E houve um tempo, sobretudo a partir dos anos 80, em que se estabeleceu como regra uma certa magia no papel do mercado. Uma certa magia, uma coisa... como se fosse uma linha de produção muito automatizada, em que tudo dava certo e funcionava, até não ter problema. Quando tem problema, você tem que chamar um mecânico de manutenção. Você imagina que, em uma linha de robô da indústria automobilística, se você colocar uma colher de açúcar refinado em uma válvula daquela, você para toda a linha de produção, tão frágil é aquilo, embora seja altamente moderna. O mercado funciona maravilhosamente bem, e eu sou respeitador do funcionamento do mercado. Agora, o Estado, o Estado, ele tem dois papéis importantes. Primeiro, o Estado tem que ser o indutor. Se não fosse o presidente Roosevelt, não existiria nos Estados Unidos o desenvolvimento no Vale do Tennessee. Ou seja, significa que o Estado tomou a iniciativa de propor que algum lugar precisaria de mais apoio do que outro

Aqui no Brasil, aqui no Brasil nós tomamos como decisão fazer com que o Estado fosse indutor de um modelo de desenvolvimento que tentasse tornar o Brasil mais equânime. O Brasil não poderia ter toda a sua... Por exemplo, na questão da cultura. Na questão da cultura, todo o dinheiro da cultura era quase todo para o eixo Rio-São Paulo. Ora, era preciso levar um pouco desse dinheiro para o Amazonas, para o Acre, para Pernambuco, para a Paraíba, para o Rio Grande do Norte. O dinheiro da Comunicação, o dinheiro de publicidade do governo federal era levado todo para o eixo Rio-São Paulo. Aí você tem que lembrar que tem rádio pequena no Brasil inteiro, que tem outros canais de televisão, e que nós precisamos, então, fazer com que esse dinheiro chegue a todo mundo. Esse é o papel do Estado. Ou seja, o Estado, ele precisa governar o país para os setores que mais precisam do Estado. Tem gente que não precisa do Estado. Tem gente que pode ter plano médico, tem gente que não precisa de casa, não precisa... já mora em lugar asfaltado, com esgoto, com tratamento. Ou seja, essa pessoa não precisa do Estado. O Estado precisa garantir que ela não perca o que tem. Mas o Estado precisa atender aquela parte que menos tem. Então, é por isso que nós fizemos uma opção de induzir um desenvolvimento econômico maior nas regiões Norte e Nordeste do país, para que o Brasil possa crescer, não assim: uma região dessa altura e outra região lá embaixo, mas tentar equilibrar e todo mundo viver mais ou menos em igualdade de condições. Então, é isso que nós estamos fazendo. Então, esse é o papel do Estado, o de ser um indutor e, ao mesmo tempo, o fiscalizador.

Ah, como seria bom se os ingleses estivessem fiscalizando corretamente o seu sistema financeiro. E, ai, como seria bom se os Estados Unidos tivessem fiscalizado corretamente o seu sistema financeiro e não permitissem que um banco alavancasse 35 vezes o seu capital. Quem sabe, a gente não teria tido a crise de dois anos atrás. Porque a verdade é que nós passamos um tempo em que os governantes não tinham papel, não tinham papel. Você é eleito e você faz o quê? O mercado faz tudo. O que fazia um governante? Ou seja, quando veio a crise, ela mostrou uma coisa muito séria: é preciso ter um Estado que tenha capacidade de atuação e de interferência no resultado. E aqui no Brasil nós tivemos a felicidade de ter o BNDES, de ter a Caixa Econômica Federal e de ter o Banco do Brasil porque, quando houve a crise, os bancos privados brasileiros se retraíram e o crédito desapareceu. Nós tivemos que arrumar crédito a partir dos bancos públicos brasileiros. Compramos bancos que era preciso comprar.

Eu vou lhe contar um pequeno caso aqui: chegou um momento em que a indústria automobilística brasileira, ela deu uma queda muito grande. Não foi por falta de mercado e não foi por conta da crise, foi por conta do medo. Ou seja, o medo... ou possivelmente por orientação das matrizes. Ela deu uma brecada... Se você pegar o gráfico da economia brasileira, você vai perceber que, de novembro de 2008, ela caiu – foi quase que um canyon –, e depois começou a subir, já em fevereiro começou a subir. Significa que não precisaria ter dado a brecada que deu. A brecada foi de medo.

Bem, e aí não tinha crédito para comprar nada. Nem a Petrobras, que é a maior empresa brasileira, tinha crédito. Ela começou a vir na Caixa Econômica Federal pegar dinheiro, a vir no Banco do Brasil ou no BNDES. Eu mesmo falei pessoalmente com o Hu Jintao várias vezes sobre a necessidade de fazer um financiamento para a Petrobras. Pois bem, aí nós precisaríamos ativar o mercado de carro usado para poder ativar o mercado de carro novo. Aí eu chego no Banco do Brasil e pergunto ao presidente do Banco do Brasil: Nós temos condições de entrar no mercado de carro usado, para financiar carro usado?. Ele falou: “Nós não temos expertise”. E eu falei: Quanto tempo leva para formar essa tal de expertise? Ele falou: “Ah, vai algum tempo, Presidente. Você tem que preparar o Banco, tem que ter gente preparada para isso”. Ora, eu não podia esperar, eu estava com uma crise! O que nós fizemos? Tomamos a decisão de comprar 50% do Banco Votorantim, que tinha uma carteira de R$ 90 bilhões de financiamento de carro usado. Compramos 50%, meio a meio: um ano nós presidimos, no outro ano o Banco Votorantim preside. E resolvemos o problema da expertise na hora.

Jornalista: Tudo bem. Mas, então, a lição da crise é que o Estado ter voltado para ficar, ou seja, nos moldes do estado nacional-desenvolvimentista? Ou não?

Presidente:
Não, a lição da crise é a lição de que o Estado tem que estar preparado, para quando for exigido ele ter capacidade de fazer intervenção. Porque você imagine uma coisa: se o presidente Bush, em julho de 2008, tivesse colocado US$ 60 bilhões no Lehman Brothers, possivelmente ele não tivesse quebrado e a gente não tivesse que ter US$ 1 trilhão, depois, injetado no mercado financeiro. Se os alemães tivessem tomado a atitude correta, no tempo certo, na crise de Grécia, a gente não teria a crise que se espalhou por outros países.

Então, o Estado tem que estar preparado para tomar decisão. Eu não quero um Estado empresário. Eu não quero um Estado empresário, eu não quero um Estado com intervenção, mas eu quero um Estado com capacidade de regular e as pessoas saberem que o Estado pode fazer. As pessoas saberem que o Estado está preparado para fazer, embora não faça, possa deixar os empresários privados fazerem. Mas na hora que for necessário, para cumprir os interesses da população, o Estado tem que estar pronto. É assim que eu penso do Estado, é assim que eu penso. É um Estado indutor, um Estado fiscalizador, regulador, melhor, e um Estado que não se meta a ser um Estado empresário, mas que esteja preparado para poder fazer obra.

Eu vou lhe dar um exemplo, aqui, de uma coisa básica do Estado. O Exército Brasileiro sempre foi famoso porque a gente tinha bons Batalhões de Engenharia que faziam obras na Amazônia. Quando eu cheguei no governo, o Exército Brasileiro não tinha uma máquina sequer, ou seja, estava totalmente desmontado. Eu fui obrigado a remontar o potencial de engenharia do Exército Brasileiro, para que, quando as empresas começassem a tentar fazer sobrepreço ou criar confusão em licitação, eu colocaria o Exército para fazer a obra.

Então, é para isso que eu vejo o papel do Estado, é esse o papel. Porque a verdade é a seguinte: a iniciativa privada, que tem um papel extraordinário, nenhum empresário privado vai querer investir, em lugar nenhum do mundo, onde dá prejuízo.

Eu posso lhe dar um exemplo, o programa Luz Para Todos. Eu descobri que tinha 2 milhões de casas – isso, os dados do IBGE –, 2 milhões de casas, no Brasil que não tinham energia elétrica. Dois milhões de casas, chega quase próximo de 10 milhões de pessoas. Então, nós resolvemos fazer uma política de levar energia para essa gente. Ou seja, nenhuma empresa privada tinha interesse de fazer. É muito caro. Nós já colocamos 1 milhão e 100 mil quilômetros de cabos de graça, porque essas pessoas são as mais pobres do Brasil. Mas não é pelo fato de elas serem pobres que elas têm que ficar sem energia. Então, quando chega a energia chega a geladeira, chega o fogão, chega o aparelho de som, chega a televisão, ou seja, você vai transformando. Nós vamos terminar o mandato atendendo mais de 93%. O IBGE diz que é 98%, mas a verdade é que quando nós fomos a campo, nós descobrimos mais gente. Tem comunidade que mora a 800 quilômetros de Manaus, no meio do mato. E essas pessoas não querem morar em Copacabana, ficaria mais barato trazer elas para Copacabana, mas elas querem continuar morando lá. E o Estado brasileiro precisa dar condições de esse brasileiro continuar morando. Custa caro, mas se o Estado não fizer, ninguém faz.

Jornalista: Ok. Petróleo. O Brasil está convertendo-se em país petroleiro. E com o novo regime de exploração do pré-sal, a Petrobras vai ser operador único. Não se está subestimando os riscos disso? Nós temos visto no Golfo do México, faz pouco, em águas muito menos profundas, as dificuldades. E não temos risco... os críticos do senhor também têm medo que o petróleo converta o PT em uma espécie de PRI, não é verdade? Que estão para sempre. Você tem duas classes de risco.

Presidente:
Deixa eu te contar uma coisa engraçada. O que aconteceu no Golfo do México foi irresponsabilidade da empresa que estava fazendo prospecção de petróleo lá. Irresponsabilidade. Porque eu aprendi, aqui no Brasil, que o barato sai caro. Ela tentou, da forma mais barata possível e mais rápida, tirar petróleo, sem nenhum cuidado elementar que ela deveria ter tido. Aqui no Brasil nós somos muito mais rígidos e a gente também aproveitou a lição do que aconteceu no Golfo para ser muito mais exigente.

Deixa eu lhe falar uma coisa que para mim é importante: a Petrobras, ela vai ser a empresa que vai ter mais força no pré-sal. É importante lembrar que o petróleo passou a ser da União, o petróleo passou a ser do Estado. Ele não é da Petrobras, a Petrobras vai ter que comprar. Por que, o que acontece hoje? O que acontece hoje é que a empresa paga o leilão, ela paga um valor pelo bloco, depois ela paga um pouco de royalties e o petróleo é dela, seja a US$ 80 ou seja a US$ 200 o barril, é dela. Então, ela ganha quanto ela quiser. O que nós estamos dizendo agora? O petróleo é do governo. É do povo brasileiro, e o povo brasileiro vai vender o petróleo, vai vender. Poderemos vendê-lo óleo cru, poderemos vendê-lo derivados de petróleo. Por isso tomamos a decisão de fazer três novas refinarias grandes: Abreu e Lima, uma no Maranhão, outra no Ceará.

Jornalista: Mas o modelo anterior não está funcionando bem?

Presidente:
Está funcionando bem, mas não para o Estado brasileiro... Funcionando bem para as empresas, para as empresas.

Jornalista: Não, para todos, para todos.

Presidente:
Para as empresas, para as empresas. Veja, não existe modelo no mundo, nem na Noruega, nem na Arábia Saudita, nem em lugar nenhum, em que um país que tenha descoberto petróleo tenha deixado o marco regulatório igual àquele do tempo da incerteza de petróleo. Ou seja, você faz contrato de risco quando você tem risco. No caso do pré-sal, nós temos certeza. Então, não tem contrato de risco.

Jornalista: Mas...

Presidente:
Então, veja... Então, nós resolvemos, então, mudar o marco regulatório, está mudado o marco regulatório, e vai acontecer uma coisa fantástica. Veja, você... Quando é que vai sair a revista?

Jornalista: Duas semanas... Acho que duas semanas, antes da eleição, talvez.

Presidente:
Lá para o dia 23?

Jornalista: Lá para o dia... Seria 27.

Presidente:
Vinte e sete. Então, eu penso que, até antes de a revista sair, você vai perceber que exatamente este país aqui vai fazer a maior capitalização que a Humanidade já conheceu, a maior, algumas vezes superior à maior que houve na China, de US$ 27 bilhões.

Então, veja como o destino é bom comigo. Eu, um socialista inveterado quando dirigente sindical, vou ser o presidente da República que participou do maior processo de capitalização que a Humanidade já conheceu. Não foi o Bill Gates, não foi o Soros, não foi nenhum grande empresário; foi um metalúrgico. Aí, quando as pessoas falam que eu tenho sorte, eu falo: Eu tenho, realmente. Acho que Deus está com a mão...

E a Petrobras... Veja, nós tivemos o cuidado de não permitir que o Brasil repetisse erros. Ou seja, nós constituímos um fundo... é que esse dinheiro, esse dinheiro tem que resolver alguns problemas crônicos do Brasil, a começar da pobreza, da educação, da ciência e tecnologia, da questão da cultura. Nós temos que aproveitar esse dinheiro e não colocar esse dinheiro no ralo, para que cada prefeito ou cada governador gaste do jeito que quiser. Esse dinheiro tem que ser controlado, e a minha ideia é que seja controlado pela sociedade, para que a gente possa investir esse dinheiro do Oiapoque ao Chuí, para melhorar a vida do povo brasileiro. É uma grande oportunidade que nós temos. Fazer uma grande indústria petrolífera, fazer uma grande indústria naval, fazer com que o Brasil entre, definitivamente, no rol dos países ricos. Eu acho, acho que nós poderemos, nos próximos anos, ser a quinta economia do mundo e, para isso, estamos investindo muito.

Jornalista: Tudo bem, mas, se você coloca o dinheiro do petróleo por um lado e, também, nós ouvimos de alguns brasileiros temores de que, se a sua candidata ganha, e se ganha bem, se ganha em maioria no Congresso, por exemplo, que tem um tipo de aparelhamento, como a entrada de muitos militantes do partido, aqui, no Estado, e tudo isso. E tem temores... O senhor tem sido muito respeitoso do marco da democracia, mas tem temores que isso está em questão, um pouco, nos próximos anos. O que diz para esses brasileiros?

Presidente:
Não, não... Eu posso dizer para os brasileiros e para os estrangeiros que não existe essa hipótese no Brasil, não existe essa hipótese. Veja, primeiro, porque com todas as deficiências que nós temos, nós temos um movimento social muito organizado neste país, nós temos um Congresso Nacional que funciona, temos um Poder Judiciário que funciona e temos uma mulher que vai ser eleita e que é democrata às últimas consequências. Uma mulher que foi vítima da opressão, uma mulher que ficou presa três anos e meio, uma mulher que foi torturada barbaramente, e essa mulher é uma mulher que não tem, hoje, um resquício de ressentimento. Eu tenho certeza que ela respeitará cada fundamento da democracia como uma coisa sagrada, porque ela sabe que foi por conta da democracia que eu cheguei à Presidência da República e que ela vai ser a presidenta da República. Fora da democracia, eu não sei se nós teríamos chegado. Então, nós temos que ter a democracia como um valor fundamental e uma conquista dos brasileiros, que nós não queremos nunca mais abrir mão dela. A Dilma vai surpreender o mundo. Não existe hipótese de aqui no Brasil você ter uma coisa como o PRI, não existe hipótese. Aqui a política é mais democrática, é mais heterogênea, aqui a coisa é mais efervescente.

Jornalista: A Dilma é mais ideológica que o senhor?

Presidente:
Eu diria que nós somos iguais. Ela teve, na infância dela, uma participação, na década de 70, que era a participação que uma parte da juventude brasileira fez uma opção, era o único caminho que eles tinham, e eu fiz outra opção, eu fui para o movimento sindical. O dado concreto é que, por conta das opções democráticas, hoje a América Latina vive democracia como poucos lugares do mundo vivem. E essa gente toda, em [19]90, quando nós criamos o Foro de São Paulo, que foi uma reunião que eu convoquei em São Paulo com toda a esquerda latino-americana, quase todo mundo está no poder hoje, e todos chegaram ao poder pela democracia. Até a Frente Farabundo Martí, que passou 13 anos fazendo uma verdadeira guerra civil para chegar ao poder, chegou com Mauricio Funes, pela via democrática, tranquila e pacífica. E a Dilma é tão democrática quanto eu, é tão socialista quanto eu e é tão responsável quanto eu. Talvez, por ser mulher, eu acho que ela pode fazer mais, porque eu acho que há necessidade de afirmação da mulher na política.

Jornalista: Então, se olhamos para o Brasil no mundo, nos últimos anos, o papel que tem assumido tem sido muito mais ativo. O Brasil pode ser uma potência do Ocidente e do Sul, ou tem que escolher... O senhor tem dado muita ênfase na cooperação Sul-Sul, mas o Brasil é uma potência ocidental também, não é?

Presidente:
Olhe, na verdade, o Brasil é um país... Por si só, ele tem um papel de liderança, pela sua grandeza, pelo seu território, pela sua população. O que nós defendemos, de fato, é que a governança mundial precisa passar por uma reforma muito forte, a governança mundial. O Conselho de Segurança, os membros permanentes não podem ser resultado de uma geopolítica de 60 anos atrás. O mundo mudou, os países mudaram, a geopolítica mundial mudou, a Guerra Fria acabou. Então, agora, o que nós precisamos é adequar o Conselho de Segurança às novas realidades. O que é que explica um país do tamanho do Brasil não estar no Conselho de Segurança? O que explica a África do Sul, ou a Nigéria ou o Egito não estarem representando o continente africano? O que explica a Índia estar fora? O que explica o Japão estar fora ou a Alemanha estar fora? Por que a China não quer ou por que a Itália não quer que a Alemanha entre? Por que não pode ter dois países da América Latina? Se você tivesse um mundo mais equilibrado representado nas Nações Unidas, como membro permanente, você teria mais respeitabilidade nas decisões. A quem interessa uma ONU enfraquecida? A quem tem o poder de tomar decisão unilateral. Ou seja, se um pai e uma mãe não conseguem coordenar sua casa, qualquer filho se sente no direito de fazer o que bem entender, e ninguém respeita ninguém.

Então, por exemplo, eu não acredito em paz no Oriente Médio, enquanto apenas os Estados Unidos sejam tutores da paz. Eu não acredito. E digo isso porque acreditei muito. Muito antes de eu ser presidente, na década de 90, eu estive com o Arafat, eu estive com o Rabin, que foi o melhor momento da construção da paz. Hoje, nós não temos nem Rabin e nem... Nem Shimon Peres tem a força que tinha antes, e menos Arafat.

Então, você tem um conflito. De um lado, você tem um primeiro-ministro de Israel, que faz o que quer e não cumpre sequer os acordos feitos com os Estados Unidos. Você tem uma Autoridade Palestina, o presidente Abbas, que tem uma certa autoridade, mas que tem o Hamas que não obedece e que não quer a paz do jeito que ele quer. Você tem, de outro lado, o Irã, que tem influência em uma parte dos palestinos. Você tem, do outro lado, a Síria, que tem uma influência em uma parte do Hezbollah e que tem no Hamas. Você tem o Qatar, que é aliado dos Estados Unidos, de um lado, mas me parece que, financeiramente, ajuda o Hamas. Ou seja, se essa gente toda não estiver à mesa de negociação, essa gente toda... Mesmo dentro de Israel, nem todo mundo concorda com o Primeiro-Ministro. A cabeça do Shimon Peres não é a cabeça do Primeiro-Ministro. Então, ou a gente coloca todo mundo em uma mesa – e aí é preciso chamar os interlocutores que são aceitos por todas as partes –, e estabelecem uma coisa comum, que todos possam aceitar, ou nunca vamos ter paz no Oriente Médio, nunca vamos. Eu já acreditei muito mais do que acredito hoje, já torci muito mais do que eu torço, mas o que eu vejo é que a coisa tem andado para trás, não tem andado para a frente.

Se nós tivéssemos... Eu fui a Israel recentemente e eu disse a Israel, no Congresso de Israel: a mesma ONU que criou o Estado de Israel é a mesma ONU que deveria criar o Estado Palestino. Cria, demarca e estabelece regras de funcionamento. Não acontece.

Então, eu lamento, eu lamento. É uma das coisas que eu saio da Presidência frustrado, porque esses temas são secretos, esses temas são segredos de Estado, eles não são discutidos em nenhum fórum, ninguém quer discutir. Nós fizemos uma reunião em Annapolis, ficamos de fazer a segunda em Moscou, já faz quatro anos, e não foi feita a segunda reunião, envolvendo outros países. Parece que alguém detém a hegemonia de fazer a negociação. E cada um vai ganhando Prêmio Nobel. Cada vez que se conversa, um ganha o Prêmio Nobel. Já deram uns dez Prêmios Nobel por causa da paz em Israel e no Oriente Médio, e não aconteceu a paz. As pessoas deveriam devolver os Prêmio Nobel, já que não aconteceu a paz.

A segunda coisa... Vamos pegar esse último caso do Irã, agora. Esse último caso do Irã é sui generis, é muito sui generis. Ora, eu vou lhe contar, o que for supérfluo, você joga fora; o que for de interesse, você publica. Mas, olha, eu não conhecia Ahmadinejad. Quando foi um dia, teve uma reunião na ONU, e da ONU a gente ia para Pittsburgh, em uma reunião do G-20, e o Ahmadinejad pediu uma conversa comigo e foi ao hotel que eu estava – ou fui eu que fui no hotel dele? Não, ele foi ao meu hotel e eu conversei duas horas com Ahmadinejad. A primeira coisa que eu perguntei para Ahmadinejad foi o seguinte: Escuta aqui, Presidente, é verdade que o senhor não acredita no Holocausto? Porque se é verdade, o senhor é o único homem do planeta Terra que não acredita. Ele falou: “Não, mas eu não quis dizer isso. Eu quis dizer que tinham morrido quase 70 milhões de seres humanos na Segunda Guerra Mundial e só os judeus viraram vítimas da Segunda Guerra Mundial”. Eu falei: Então, diga isso. Se você disser isso, é diferente de dizer que não existiu Holocausto. A minha conversa com ele começou assim. Aí entramos na questão nuclear, entramos na questão nuclear, e ele se queixou do Obama, se queixou do Gordon Brown, do Tony Blair, de não sei quem, se queixou do Sarkozy, ele contou as coisas. Aí eu falei: Você já conversou com algum deles? “Não”. E terminou a conversa, eu fui para Pittsburgh. Chego em Pittsburgh, Sarkozy, Gordon Brown e Obama tinham dado declarações duras contra o Irã. Aí eu fui conversar com o Obama, conversei com o Sarkozy, conversei com Angela Merkel, conversei com Gordon Brown, e para cada um eu perguntava: Vocês já conversaram com Ahmadinejad?. “Não”. Ora, como é que é possível vocês terceirizarem a política? A política não pode ser terceirizada. A política, o político conversa com outro político. Na hora de colocar no papel, entra o advogado, entra o diplomata, mas a decisão tem que ser olho no olho dos homens que foram eleitos democraticamente. Bem, eu disse para eles: Olha eu vou até o Irã, eu vou conversar mais profundamente, e eu acho que Ahmadinejad está disposto a sentar-se à mesa para fazer acordo sobre a questão nuclear. Aí começaram a dizer que eu era ingênuo, que Ahmadinejad não ia aceitar, que não sei das quantas, Hillary Clinton ligou não sei para quantas pessoas. Eu cheguei em Moscou, o companheiro Obama tinha ligado para Moscou para falar com o Medvedev. Eu cheguei no Qatar, a Hillary Clinton tinha ligado para o Qatar, tudo dizendo que eu era ingênuo, que eu acreditava, que o Ahmadinejad estava ganhando tempo, que ia não sei das quantas, que não ia negociar.

Em Copenhague, em dezembro, nós tínhamos discutido com Ahmadinejad de liberar aquela francesa. O meu Ministro de Minas... o meu Ministro de Relações Exteriores foi três vezes ao Irã, a Teerã, conversar sobre isso. O fato concreto é que o Ahmadinejad cumpriu. Eu cheguei à meia-noite em Teerã, às cinco horas da manhã ele colocou a francesa no avião. Aí começamos a conversar sobre a negociação. No dia seguinte, às nove horas da manhã, Ahmadinejad aceitou assinar o acordo. Eles não queriam assinar, e eu disse para o Ahmadinejad: Você sabe o que os outros presidentes falam de você? Que você não cumpre palavra. Então, eu quero que coloque no papel aqui “assinado”. Bem, o que é grave é que a proposta que o Ahmadinejad assinou com a Turquia e com o Brasil é a proposta que o presidente Obama mandou para nós em uma carta, 15 dias antes de eu viajar. A minha surpresa foi que quando o Ahmadinejad concordou, havia uma decisão do Grupo dos Cinco, sobretudo do Grupo de Viena, de punir o Ahmadinejad. Talvez porque entenderam que o Brasil tinha se metido em uma seara em que não deveria ter se metido. Mas o dado concreto é que nós conseguimos o que eles queriam e não conseguiam. Então, eu fiquei um pouco frustrado, porque a política não comporta gesto de pequenez. Um político que dirige uma nação, ele pode dizer sim ou pode dizer não. Agora, ele não pode fingir que as coisas não aconteceram. Nós fomos muito duros com Ahmadinejad, conversamos muito sobre política, falei para ele de todos os riscos que a gente corria se tivesse um bloqueio, ele concordou. E quando ele concordou, as pessoas resolveram puni-lo. Eu, sinceramente, sinceramente, nunca vi o isolamento político ajudar em nada.

Jornalista: Outros têm outras interpretações, não é...

Presidente:
Eu não estou interpretando, eu estou falando de fato concreto.

Jornalista: A crítica que, muitas vezes, se escuta sobre a política exterior do Brasil é que, curiosamente, o senhor aparece como mais amigo de alguns regimes autoritários do que com o Obama, por exemplo. E Obama é o presidente dos Estados Unidos que provavelmente concorda mais com a visão do mundo, do senhor, do que o Bush, por exemplo. Mas, em geral, é que o Brasil pode ser uma força moral para defender direitos humanos e democracia no mundo. O senhor nunca critica Chávez que é eleito, é verdade, mas não está governando de uma forma muito democrática. O senhor é muito amigo dos Castro e do Ahmadinejad. O que responde a isso?

Presidente:
É que os que são inimigos não conseguiram construir a paz. Olhe, no dia 25 de janeiro de 2003, não, no dia 21 de janeiro de 2003 eu tinha 21 dias de governo quando eu fui à posse do presidente Gutiérrez, no Equador, e lá encontrei com Chávez, encontrei com Fidel Castro. O Chávez estava naquela situação delicada, ainda com resquícios do golpe de que ele foi vítima. Então, eu tive uma conversa com o Chávez e propus ao Chávez que a gente deveria construir um Grupo de Amigos para resolver o problema da democracia na Venezuela.

Jornalista: Não, tudo bem...

Presidente:
Mas deixa eu lhe falar, porque é importante. É porque alguém tem que conversar. Na política, você não pode colocar o pé na parede e achar: “Eu não posso conversar com ninguém. Eu não converso com ninguém, vai o meu assessor conversar”. Não é assim que se faz política. O que eu disse outro dia é o seguinte: houve um tempo em que o planeta Terra tinha Stalin, Churchill e Roosevelt. Os três se sentavam a uma mesa, pediam um belo conhaque, um belo uísque, e tomavam as decisões e estava resolvido o problema do planeta Terra. Hoje tem mais gente, tem mais artistas e mais coadjuvantes, portanto, é preciso fazer mais política, é preciso conversar mais.

O dado concreto é que quando eu propus que os Estados Unidos fizessem parte do Grupo de Amigos da Venezuela, o Chávez não queria. E o Chávez estava em Nova Iorque, nós trouxemos eles aqui no Brasil para mostrar para ele que era importante não apenas os Estados Unidos fazerem parte do Grupo de Amigos como era importante a Espanha, com o Aznar, que tinha sido o primeiro país a reconhecer os golpistas, a estar no Grupo de Amigos. E dizia para o Chávez: “Sabe por que eles têm que estar? Porque o Grupo de Amigos tem que ter credibilidade junto à sua oposição. E a verdade é que depois até a Fundação Carter participou e nós tivemos um processo eleitoral na Venezuela.

Eu acho que a democracia vai avançando. A democracia vai avançando em todo o continente e vai avançando na Venezuela. Eu acho que o Raúl Castro deu sinais de que queria fazer alguma coisa. Agora, eles são muito pequenininhos, ou seja... e muito empobrecidos. Mas nem Guantánamo foi resolvido!

Então, eu... Olha, vou lhe dizer uma coisa: se tem um ser humano no Planeta que ficou feliz com a vitória do Obama, fui eu. Porque, para mim, era... O Obama nos Estados Unidos era a mesma coisa que o Lula no Brasil, era a mesma coisa que o Mandela na África do Sul, era a mesma coisa que o Evo Morales. Eu acho extraordinária a eleição do Evo Morales, gente! É um país que era governado por um homem que não falava nem espanhol, falava inglês, e, de repente, elege um índio para ser presidente. Quer coisa mais fantástica do que isso? Quando os Estados Unidos elegeram o Obama, eu falei: Bom, o mundo está em revolução plena, elegeu um negro. Eu achei uma coisa tão fantástica, tão extraordinária, e eu torço todo dia para o Obama ser o melhor presidente, para que possa continuar, porque é um exemplo histórico.

Então, eu converso com todo mundo, sou amigo de todo mundo. Eu não faço distinção de minha relação pessoal com quem quer que seja, eu ajo como chefe do Estado. Como chefe de Estado eu mantenho uma relação perfeita com todo mundo. Não trato ninguém de forma secundária.

Jornalista: Tem um papel para os Estados Unidos na América Latina?

Presidente:
Eu acho que tem e precisa os Estados Unidos descobrirem o papel para a América Latina.

Jornalista: Que papel deve ser?

Presidente:
Porque eu acho que os Estados Unidos, muitas vezes, olham para a América Latina como olhavam nos anos 70, em que só veem luta armada. Luta armada não sei onde, luta armada... Acabou! Eu peguei o telefone, liguei para o presidente Obama e falei: Obama, você precisa convidar o Mauricio Funes para conversar com ele. Ele é uma chance de consolidar a democracia em El Salvador.

Então, eu acho que os Estados Unidos teriam que ter um papel mais importante na América Latina, um papel de parceria. Quando nós fizemos a reunião em Trinidad e Tobago, toda a América do Sul com o Obama, eu achei que ali tinha começado um novo tempo, mas não aconteceu nada depois daquilo, não aconteceu nada. Eu propus ao Obama que convocasse uma reunião por ocasião da ONU, com os presidentes da América do Sul, para distensionar. As coisas não acontecem, não acontecem porque cada um tem outros afazeres e... Vamos ver se com a Dilma as coisas evoluem.

Jornalista: Está chegando ao final do tempo. Temos tempo para um pouquinho mais?

Presidente:
Vamos, vamos. Enquanto o seu dedo não estiver todo azul, nós não paramos aqui a entrevista. Parece que é uma caneta chinesa!

Jornalista: É francesa. Bem, este... O meio ambiente. O papel do Brasil no tema de mudança climática é fundamental. Não saiu um acordo em Copenhague. O senhor está otimista ou pessimista de que pode sair um acordo mundial rápido ou não?

Presidente:
Copenhague, veja... o Brasil fez uma proposta para Copenhague, que foi a proposta mais ousada de todos os países do mundo. O Brasil propôs reduzir as emissões de gás de efeito estufa entre 36[%] e 39,1[%]. Assumimos o compromisso de diminuir o desmatamento na Amazônia em 80% até 2020, e estamos, ano a ano... Você veja que do ano passado para este ano, 48% menos desmatamento. Estamos trabalhando seriamente para atingir nossos objetivos. Oferecemos ao mundo a matriz energética mais limpa do planeta Terra, mais sequestradora de carbono do planeta Terra, e eu não sei por que os países ricos, que tanto falam em clima, não fazem nada para mudar nada. Porque o que aconteceu em Copenhague é que a proposta dos Estados Unidos significava uma redução de emissões de apenas 4%. A Europa poderia ter oferecido 30[%] e ofereceu apenas 20%. E todo mundo começa a falar de dinheiro como se os países pobres fossem mendigos que, se recebessem uma ajudazinha em dólar, poderiam diminuir o seu crescimento. Nós não aceitamos isso. Se é para discutir a questão do planeta Terra, e todos nós somos habitantes dele, nós precisamos discutir com seriedade.

Bem, aí tentaram... Eu fiz reuniões até às quatro horas da manhã, coisa que eu não fazia mais no movimento sindical, coisa que eu não fazia mais no movimento sindical. Chegou uma hora em que eu chamei a China, a Índia e a África do Sul e falei: Vamos tomar uma decisão aqui. Não vai ter acordo. E aí o Obama pediu para conversar com a gente, nós fomos conversar, quer dizer, “não tem acordo, não tem acordo”, o G-77 também não concordava. Nós não aceitávamos que a China fosse responsabilizada tanto quanto os países ricos. A China é um país muito poluente e eles sabem disso, e nós sabemos disso. Agora, é preciso saber que o que está de gás de efeito estufa lá em cima tem um tempo histórico. Então, o pagamento não pode ser igual. Alguém tem que pagar mais e alguém tem que pagar menos. Então, o que nós queríamos era que fosse feito um acordo mais sério.

Eu estou com minha equipe trabalhando fortemente para Cancún. Se depender do Brasil, nós vamos a Cancún, vamos levar proposta e vamos desafiar os outros países a apresentarem a sua proposta.

Jornalista: Que bom.

Presidente:
Por que sabe o que acontece? Nós estamos querendo discutir com eles a questão da introdução do etanol na gasolina, ou para diminuir a utilização de combustível fóssil. Nós estamos discutindo com eles a introdução do biodiesel, que é uma forma de você ajudar a África a se desenvolver, produzir... ou a América Central, que tem acordo comercial preferencial com os Estados Unidos, poderia exportar etanol de cana-de-açúcar para os Estados Unidos. O que eu sinto é que as pessoas não querem mover nenhum pé com medo do Congresso de cada país. Aqui, no meu país, o Congresso já aprovou. A lei que nós fizemos já não é mais do presidente Lula, a lei que nós fizemos não vai ser da presidenta Dilma, a lei que nós fizemos é uma lei do Brasil, aprovada pelo Congresso Nacional. Câmara e Senado já votaram. Então, quem entrar aqui tem o compromisso de cumprir a lei. Agora, eu quero que isso seja feito na Europa, no Japão e nos Estados Unidos. Porque não adianta o presidente Obama vir dizer para mim: “Os republicanos não querem”. Aqui, também, meus adversários não querem.

Jornalista: É verdade que em Copenhague o senhor abriu espaço para o Obama entrar na mesa no final?

Presidente:
Não, ele é que pediu para sentar ali. Ele falou: “Quero sentar ao lado de meu amigo Lula”. Eu gosto muito do Obama, eu tenho... eu torço muito, muito. Eu torço pelo Obama como eu torci pelo meu sucesso. Eu quero que ele dê certo, eu quero que as coisas aconteçam, porque ele é muito jovem e é uma coisa nova. Eu acredito muito nessas coisas novas que...

Jornalista: Finalmente, em janeiro, 2 de janeiro para a frente, o que vai fazer? O que quer fazer?

Presidente:
Olha, eu, sinceramente, não... Eu não priorizei pensar o que eu quero fazer. Eu tenho muito medo de tomar qualquer decisão precipitada, e depois de dois meses descobrir que não era aquilo que eu queria fazer. Então, um ex-presidente da República precisa ficar no seu lugarzinho, tranquilo, não dar palpite na política nacional, deixar quem foi eleita governar o país, errar, acertar, mas deixar governar o país, e depois de algum tempo, pensar no que fazer da vida. Eu sou um político, eu vou continuar fazendo política.

Jornalista: No Brasil, no mundo?

Presidente:
Não, eu penso no Brasil. Eu gostaria de contribuir com a América Latina e com a África, com as experiências bem-sucedidas de política sociais do nosso governo, eu gostaria. Nós temos coisas muito importantes, sobretudo de participação da sociedade, de participação dos setores organizados da sociedade, nós temos um acúmulo de experiência muito grande, e isso eu gostaria de partilhar com a África, com a América Central e com a América Latina.

Agora, isso... Agora, essas coisas dependem também se as pessoas querem, porque ex-presidente... Felipe González me disse uma coisa que é verdadeira: ex-presidente é que nem um vaso chinês. Quando você está no gabinete, o vaso chinês, você expõe ele em um lugar e fica muito bonito. Agora, quando você volta para o seu apartamento, ele não cabe no apartamento, então, ele não vale nada. Então, um ex-presidente, para que serve? Talvez seja incômodo, se tiver... Então, eu tenho muito cuidado com isso, muito cuidado. Eu, ao eleger a presidenta Dilma, eu quero ter muito cuidado para que não haja da minha parte nenhuma intromissão em qualquer coisa que ela queira fazer.

Jornalista: Voltaria a ser candidato, algum dia?

Presidente:
Olha, eu não posso dizer que sim, porque eu já... quando chegar a próxima eleição, eu já terei 68 anos de idade.

Jornalista: Só?

Presidente:
Só? Sessenta e oito anos de idade pesam. Se eu eleger a Dilma e ela estiver bem, ela tem que ser candidata à reeleição. Não tem sentido, se ela está bem, dizer: Não, não vai ser você, eu vou voltar. Não. Se ela estiver bem, ela tem o direito, e eu serei cabo eleitoral dela, para ela ser candidata a presidente da República outra vez. Eu, sinceramente, quando a gente fica com mais de 60 anos, cada ano pesa mais do que um ano quando a gente tem 18. Então, eu não quero fazer prognóstico para o futuro, não. Eu tenho consciência de que um homem de 64 anos de idade – quando eu sair, terei 65 – tem mais 15 anos de vida, aos 80 anos, ou seja, não tem muito tempo pela frente. Então, eu quero viver tranquilo, em paz e com a minha consciência tranquila. É isso que eu quero.

Jornalista: E teve alguma coisa, nestes oito anos, que o senhor lamenta não haver feito, ou haver feito de outra forma?

Presidente:
Olha, certamente, veja, certamente, quando eu encostar a cabeça no travesseiro, que eu não for mais presidente e não estiver com o calor do mandato, eu vou lembrar de muitas coisas que eu deveria ter feito e não fiz, certamente eu vou lembrar. Mas também eu vou lembrar das coisas que eu fiz, coisas que eu acho importantes. Por exemplo, eu sou o primeiro presidente da história do Brasil que não tem um diploma universitário e sou o presidente que mais fez universidades, na história do Brasil. Sou o presidente que mais fez escolas técnicas, na história do Brasil. Ou seja, em um século, a elite brasileira fez 140 escolas técnicas. Em oito anos, eu fiz 214 escolas técnicas. Eu fiz 14 universidades federais novas, 118 extensões universitárias, levamos universidade para todas as cidades do interior do país. Criamos o ProUni, que tem 704 mil alunos fazendo universidade. Criamos o Reuni, que dobrou o número de renovação, que era de 113 mil... As novas vagas que surgiam por ano, no Brasil, eram 113 [mil], neste ano foram 250 mil vagas. Investimos em ciência e tecnologia de forma extraordinária. O Brasil já passou a Holanda e a Rússia em publicação de artigos científicos em revistas especializadas. Então, eu acho que tem... Certamente, quem vier depois de mim vai ter que fazer muito mais, porque nós precisamos tirar o atraso de...

Jornalista: No campo da educação.

Presidente:
Sim, nós precisamos tirar o atraso. Por isso é que no dinheiro do petróleo a gente colocou um fundo para a educação, porque, durante séculos... este país aqui foi o último país da América do Sul a ter universidade. O Peru teve universidade 300 anos na nossa frente, não é possível.

Então, eu acho que nós temos que cuidar disso, e o país está pronto, o país está pronto. Acho que nós estamos muito conscientes, maduros, e eu acho que eu, quando eu não for mais presidente, depois de um ano, aí você vem aqui, nós fazemos uma entrevista, e eu vou dizer o que eu me arrependi de não ter feito ou o que eu fiz que não eu deveria ter feito.

Jornalista: Vamos fazer, vamos fazer.

Presidente:
Mas você pode ter certeza de uma coisa: eu saio... Eu, quando fui eleito presidente, o meu medo... Eu pensava muito no Lech Walesa, porque o Lech Walesa é o sinônimo do fracasso. Ele não tinha partido político, ele fez uma greve muito mais naquela coisa do anticomunismo, na queda do Muro de Berlim, e, naquela onda toda ele chegou à Presidência da República. Quatro anos depois ele foi candidato à reeleição, teve 0,6% de votos. Zero, ou seja, um fracasso total e absoluto. E eu vou terminar o segundo mandato com mais de 80% de aprovação. Eu acho que isso é uma coisa importante. E por que eu tinha medo de errar? Porque eu tinha consciência de que, se eu errasse, iria levar 200 anos para um trabalhador dizer que queria ser presidente da República outra vez. Então, eu tinha que provar todo dia, a toda hora, que nós tínhamos competência de governar o país. E eu acho que nós estamos colhendo os frutos que nós plantamos. Acho que a relação internacional do Brasil melhorou muito. Eu visitei a África mais do que todos os presidentes da história do Brasil, eu visitei todos os países da América do Sul e da América Central, todos, eu fui para o Oriente Médio mais do que todos os presidentes do Brasil. E diversificamos a relação do Brasil, diversificamos, sem perder a nossa relação com os Estados Unidos, sem perder a nossa relação com a Europa, sem perder com o Japão. Então, isso é uma coisa importante. Certamente que outros virão e irão fazer muito mais, e eu peço a Deus que façam cada vez mais.

Agora, se eu puder, depois de terminar o meu mandato, dar um conselho aos presidentes dos países do mundo, eu diria: Não terceirizem a política. A política não pode ser terceirizada. Quem foi eleito para fazer política foi o eleito. Se ele der procuração para outro fazer por ele, não dá certo.

Jornalista: Algum conselho para o próximo presidente do Brasil?

Presidente:
Fazer política com o coração. Fazer política com o coração, cuidar do povo mais pobre e exercitar a democracia às últimas consequências.

Jornalista: Muito obrigado, Presidente, por todo o seu tempo.

Presidente:
Obrigado. Certamente você vai estar aqui na posse da minha candidata.”

FONTE: Blog do Planalto (http://blog.planalto.gov.br/a-licao-do-golfo-do-mexico-nos-tornou-mais-exigentes-em-relacao-ao-pre-sal/).

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