Mães da Praça de Maio, Argentina
Por Mário Augusto Jakobskind
“Na Argentina, a ‘mídia de mercado’ vem sendo questionada. Por lá, embora as entidades que reúnem o grande patronato midiático digam o contrário, a legislação sobre os meios de comunicação, aprovada pelo Congresso depois de muita discussão pela sociedade, vem sendo posta em prática.
O tema é abrangente e desperta o interesse de todos os setores da sociedade, principalmente dos movimentos populares. A “Sociedade Interamericana de Imprensa” (SIP) esperneia com o fato de, na Argentina, prevalecer a liberdade “de imprensa” e não a liberdade “de empresa”.
Os argentinos estão atentos, tanto assim que, no próximo dia 22, ou seja, na antevéspera do Natal, em plena histórica Praça de Maio, está marcado julgamento ético e político do maior conglomerado de comunicação da Argentina - o “Grupo Clarín”.
A iniciativa é da “Associação Mães da Praça de Maio” com o objetivo de informar sobre a investigação que se está fazendo sobre o diário “Clarín”, a Rádio “Mitre”, o canal de TV a cabo “TN”, o “Canal 13”, a “Cablevisión” e a empresa que fabrica o papel para os jornais, a “Papel Prensa”. O “grupo Clarin”, que controla mais de 300 meios de comunicação e empreendimentos a ele pertencentes, se julgava proprietário da verdade e dificilmente era questionado.
O julgamento será simbólico e está sintonizado, exatamente, com a legislação dos "Meios de Comunicação". Hebe de Bonafini, presidente das “Mães de Maio”, não faz por menos ao afirmar que "vamos fazer julgamento ético e político ao “Grupo Clarín”, que rouba crianças, verdades e esperanças”.
Podem estar certos, vem chumbo grosso dos jornalões destas bandas contra Cristina Kirchner e todos os setores que questionam a “liberdade de empresa”. Vão pintar horrores e dizer que o país vizinho está à beira do caos na economia e assim sucessivamente.
É claro que o ideal seria que a Justiça cuidasse do julgamento, mas como isso neste momento é praticamente impossível, as “Mães da Praça de Maio” decidiram tomar a iniciativa.
Os grandes conglomerados midiáticos, seja na Argentina ou no Brasil, imaginam estar acima do bem e do mal. “Clarin”, ou outro veículo qualquer, conta uma mentira, manipula e, devido ao poder que manejam, o país inteiro é “informado” a respeito. A mentira acaba virando verdade.
E o pior de toda esta história é que, muitas vezes, “Clarin”, “Globo” e outros órgãos de imprensa do gênero apresentam os fatos ou, se preferem, “a verdade deles”, e nem são questionados. Mas quando o questionamento acontece, esses veículos tentam incutir na opinião pública que estão sendo vítimas de restrições à liberdade de expressão.
O que está acontecendo na Argentina é importante ser acompanhado no Brasil, onde o tema vem sendo debatido e a reação é muito semelhante. Os barões da mídia fazem até seminários para fazer denúncias totalmente infundadas segundo as quais a liberdade de imprensa corre perigo etc e tal. É que essa gente teme o contraditório e, na falta de argumentos, sai com mentiras visando enganar os incautos.
Da mesma forma que chegou atrasada a criação da “Comissão da Verdade”, mas antes tarde do que nunca, o debate em torno da legislação midiática também veio atrasado. Mas veio, felizmente. Os “big-shots” midiáticos não querem mudar nada do que aí está, nem sequer algum aprimoramento.
Podem imaginar, por exemplo, se por aqui as diversas mídias, públicas, privadas, estatais e dos movimentos sociais tivessem o mesmo espaço e não prevalecesse o predomínio quase absoluto do setor privado? Pois é, na Argentina, a lei dos “Meios de Comunicação” determina exatamente a paridade dos espaços midiáticos: 33% para a mídia privada, 33% para a estatal e outros 33% para a mídia comunitária. E isso, convenhamos, é mais democrático do que o domínio absoluto da mídia privada.
Já que estamos tentando refletir sobre os meios de comunicação, vale mencionar, também, a cobertura jornalística de fatos relacionados com a violência urbana, tema debatido em seminário realizado na “Associação Brasileira de Imprensa” (ABI) com o título “jornalista no meio do tiroteio”.
Essa cobertura precisa ser mais bem analisada e profundamente debatida. Para começar, o próprio termo “segurança pública” é questionável, mas aí caberia nova discussão mais aprofundada. Que segurança e para que setores? Essa segurança está mesmo voltada para os cidadãos contribuintes ou apenas para parcelas mais abastadas da população, enquanto nas áreas de baixo poder aquisitivo das grandes cidades brasileiras os moradores são, na prática, vítimas da própria insegurança, com os “caveirões” pregando ódio e acirrando preconceitos?
Vale a pena expor os profissionais da imprensa da forma como vem acontecendo nos últimos tempos em nome sabe-se lá de que e que, na prática, estimula a corrida desenfreada atrás da audiência, corrida que tem como objetivo não propriamente servir à população, mas estimular o lucro fácil?
Os lamentáveis episódios que provocaram as mortes, por exemplo, do repórter Tim Lopes, em junho de 2002, e, recentemente do cinegrafista Gelson Domingos da Silva devem servir de objeto de reflexão.
No caso de Tim, o primeiro ganhador de um Prêmio Esso na categoria de telejornalismo por uma reportagem sobre Feira de Drogas, não poderia ter retornado seis meses depois ao mesmo local, Favela Cruzeiro, onde tinha feito a reportagem premiada. Ainda mais pelo fato de sua imagem ter sido apresentada em vários telejornais da TV Globo.
No caso de Gelson, o empregador, a TV Bandeirantes, assinava a sua carteira profissional não como cinegrafista, mas como operador de câmara. E isso com o objetivo de reduzir o salário do profissional. Lamentável essa faceta do capitalismo selvagem que, como se observa, tem também reflexos no jornalismo.”
FONTE: escrito por Mário Augusto Jakobskind, correspondente no Brasil do semanário uruguaio “Brecha”. Foi colaborador do “Pasquim”, repórter da “Folha de São Paulo” e editor internacional da “Tribuna da Imprensa”. Integra o Conselho Editorial do seminário “Brasil de Fato”. É autor, entre outros livros, de “América que não está na mídia, Dossiê Tim Lopes - Fantástico/IBOPE”. Artigo publicado no site ”Direto da Redação” (http://www.diretodaredacao.com/noticia/consideracoes-sobre-a-midia-de-mercado).
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13/12/2011: “Extradição” de Noriega esconde plano dos EUA de invadir o Panamá
A extradição do general Manuel Antonio Noriega ao Panamá por decisão do governo e da Justiça da França, para onde foi enviado ilegalmente pelos Estados Unidos, em abril de 2010, cumprindo obscuros acordos entre Washington e Paris, volta a colocar em cena o revés da trama.
Por Stella Caloni
Aos 77 anos e doente, Noriega chegou detido ao seu país apenas 10 dias antes da trágica data da invasão dos Estados Unidos ao Panamá, que começou na última hora do dia 19 e na madrugada do dia 20 de dezembro de 1989 e, que deixou entre cinco e sete mil mortos e desaparecidos.
O Panamá tinha, na ocasião, dois milhões de habitantes, vítimas da uma invasão que partiu do próprio território quando o Comando Sul estadunidense ainda estava na Zona do Canal com a série de bases militares, pensadas para o controle da América Latina. Essas tropas, aviões e helicópteros apenas deveriam cruzar uma avenida e o fizeram bombardeando uma cidade de cerca de 600 mil habitantes.
Foram destruídos bairros inteiros com perdas humanas e materiais milionárias. Também foram desarticuladas as incipientes Forças de Defesa que estavam sendo preparadas para cuidar do Canal quando as tropas dos EUA, que buscavam desculpas para ficar, fossem embora.
A história esquecida
Nada de tudo isso será dito, nem será contada a história real do país esquecido, cujo povo teve jornadas heroicas de luta anticolonial e a que a América Latina, salvo honrosas exceções, sob a influência de uma temível desinformação, deixou sozinha no momento da invasão.
Não é coincidência a transferência de Noriega neste momento em que o governo de Ricardo Martinelli tenta criar uma nova cortina de fumaça para encobrir os novos passos da entrega da soberania a favor de Washington.
A nova Escola das Américas
Noriega chega no momentos em que José Raúl Mulino, ministro de Segurança do governo do empresário direitista Martinelli, acaba de anunciar que os Estados Unidos, e o Panamá vão instalar uma academia militar de estudo e treinamento “em patrulhas da fronteira”, como informou a Prensa Latina no último dia 6.
Mulino disse aos jornalistas que a academia iria oferecer formação a unidades de polícia da América Central e permitiria ao Panamá jogar “um papel de liderança em matéria de segurança”.
Nas declarações que circularam nos últimos tempos, o ministro esclareceu que nessa entidade serão formadas unidades especializadas “em combater o tráfico de drogas, os imigrantes ilegais e para fazer a vigilância de fronteiras em áreas de difícil acesso."
Ele detalhou que a segurança do Aeroporto Internacional de Tocumen será refeita para evitar a entrada e saída de dinheiro ilegal. Serão instalados mais assessores dos Estados Unidos no ex-aeroporto Omar Torrijos, batizado Tocumen depois da invasão?
A esta altura, poucos podem duvidar que a Academia se trata de uma nova “Escola das Américas” e uma reocupação do Panamá, país onde o governo de Martinelli, após três meses de sua posse em 2009, firmou um compromisso com a secretária de Estado estadunidense Hillary Clinton para instalar bases militares dos Estados Unidos em ambas as costas oceânicas do Panamá e na estratégica fronteira com a Colômbia, um velho desenho dos Planos Colômbia e Puebla Panamá.
Mas, a “extradição” de Noriega também se produz no momento de uma forte rebelião popular de trabalhadores, intelectuais, estudantes e outros contra um governo, que já deixou várias vítimas da repressão e quando quase 60% dos panamenhos não aprovam sua gestão.
Familiares próximos ao presidente foram presos no México por causa do narcotráfico e abundam as denúncias por corrupção e abuso contra sua administração.
Desinformação
Uma nova onda de desinformação sobre a história real do que realmente aconteceu no Panamá se estende por todo o mundo, entretido em uma história falsificada sobre Noriega, que na realidade desde setembro de 2008 deveria estar livre por ter cumprido o tempo de condenação nos Estados Unidos, como estabelecem os regulamentos internacionais.
Tudo foi ilegal, desde sua transferência do Panamá até os Estados Unidos em dezembro de 1989 — violando o acordo e as convenções em matéria de prisioneiros de guerra em caso de uma invasão como a do Panamá, — até seu escandaloso julgamento em Miami, com depoimentos de acusação feitos por uma série de narcotraficantes menores aos quais foram descontados anos de prisão e foram dados outros benefícios para que acusassem o general panamenho, ainda que sem conhecê-lo, nem nunca tê-lo visto, como está comprovado.
Nas últimas horas a chegada ao Panamá repleta de ilegalidade já que não se pode vê-lo, como era obrigatório nessas circunstâncias e quando era transportado em cadeira de rodas.
Para humilhá-lo ainda mais lhe impuseram a prisão comum, em um país onde se instalarão novas bases militares dos mesmos que invadiram e mataram milhares de panamenhos, sem receber nunca condenação alguma.
Um dos testemunhos para condenar Noriega foi do poderoso narcotraficante colombiano Carlos Ledher, preso nos Estados Unidos, a quem a justiça entregou documentos falsos como depoimento protegido e ao qual liberou cerca de oito milhões de dólares de uma conta que haviam confiscado. Com outro nome e milhões de dólares, Ledher e sua família foram viver na França. Ao general panamenho não foi permitido falar em sua defesa alegando “razões de segurança para os Estados Unidos”.
Ninguém menciona isso agora. Apenas o ex-procurador dos Estados Unidos Ramsey Clark falou com verdade e clareza contra a brutal invasão do Panamá, denunciou as mortes e a destruição e as mentiras do governo de seu país neste caso.
Quem escreve a história hoje?
Para advertir até que ponto a banalização informativa funciona nesses dias é necessário esclarecer em primeiro lugar que Noriega a quem chamaram de “ditador brutal e ex-presidente do Panamá” nunca foi presidente deste país.
Não se diz, tampouco, que quando foi feita a invasão dos Estados Unidos ao Panamá, da qual fui testemunha como correspondente de jornais mexicanos, “o ditador” era tão terrível que não havia sequer um opositor preso.
Umas horas antes de iniciar essa invasão, soldados dos Estados Unidos entraram tranquilamente na cidade do Panamá levaram Guillermo Endara, Ricardo Arias Calderón e Guillermo Ford para a sede do Comando Sul na Zona do Canal, que ocupavam militarmente. Eles foram nomeados ali presidente e y vice-presidentes do Panamá.
Os principais opositores estavam tranquilamente em suas casas, apesar de terem realizado uma série de ações desestabilizadoras e golpistas contra o governo panamenho, e apoiada a intervenção a seu próprio país. Criaram uma aliança opositora supostamente “democrática” recebendo milhões de dólares de Washington, onde estava a principal sede dessa oposição.
Assim, enquanto começava a invasão os chefes militares estadunidenses nomearam, nada menos que no Comando Suo, o governo que iam impor a esse país invadido.
A invasão já era um crime, mas os atos cometidos contra a população foram de lesa humanidade. Esses crimes não serão julgados e menos ainda sob o atual governo que fez retroceder a história panamenha aos tempos da primeira ocupação estadunidense.
Fonte: CubaDebate
Tradução: Da redação do Vermelho, Vanessa Silva
VIA: VERMELHO
http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=170901&id_secao=7
VÍDEO: United States invasion of Panama, December 1989
http://www.youtube.com/watch?v=2v6roCPKvZU&feature=player_embedded
Probus,
Essa história de Noriega e Panamá eu a vejo muito diferente do que é publicado.
Em alguma postagem deste blog já expus minha visão sobre a “Operação Justa Causa”. Os EUA atacaram o Panamá à noite, repentinamente, em dezembro de 1989, um mês após a queda do muro de Berlim e cinco dias antes do Natal.
Ficou evidente que foi para testar em ambiente noturno (e mostrar ao mundo, para também amedrontar) suas novas armas e seu moderno sistema de comando, coordenação e controle eletronicamente integrados, e para deixar claro que a América Latina era quintal deles.
Também, visavam, com aquela operação, a apagar, na prática, os Tratados Carter-Torrijos de 1977 e voltar a garantir, sem qualquer concessão aos interesses daquele país da América Central, as ligações entre as costas leste e oeste norte-americanas via canal, e a permanência das suas tropas e bases no Panamá.
Empregaram de surpresa, no bombardeio da capital panamenha, sem declarar guerra, contra um país indefeso e praticamente sem Forças Armadas, 24.000 soldados superequipados e centenas de aviões de combate moderníssimos, inclusive estrearam os caríssimos F-117 “stealth” invisíveis aos radares que nem existiam no Panamá.
Morreram no ataque mais de quinhentos civis panamenhos (algumas fontes informaram 4.000). Aquele ataque ao Panamá custou o equivalente a mais de um bilhão de dólares.
O pretexto oficial norte-americano foi, cínica, surpreendente e simplesmente, “prender o Presidente Noriega”, então por eles acusado de ser corrupto e de ter ligações com narcotraficantes (foi levado para os EUA e lá “julgado” e condenado a quarenta anos de prisão). O Presidente Guilhermo Endara, no dia seguinte à invasão posto no poder “democraticamente” pelos EUA em solenidade dentro de uma barraca militar dos invasores, em 1993 tinha menos de 10% de aprovação popular. Continuava, todavia, muito bem considerado e amparado pela “Casa Branca”.
O mundo, “convenientemente” informado, aceitou docilmente e sem alardes aquela benemérita “Operação Justa Causa”, como a batizaram os norte-americanos com humor negro, e nem se comoveu com os civis mortos no ataque aos panamenhos.
Maria Tereza
15/12/2011: A extradição de Noriega e a outra história do Panamá
A extradição do ex-chefe de governo do Panamá e suposto narcotraficante, Manuel Antonio Noriega ao Panamá no último dia 11, suscita uma série de questionamentos sobre o que estaria por trás de tal investida, questão levantada por artigo da jornalista argentina Stella Calloni. Para contribuir com o debate, o Vermelho entrevistou o jornalista e escritor Paulo Cannabrava Filho, que morou três anos no país, durante o tempo em que esteve exilado, vítima da ditadura brasileira.
Por Vanessa Silva
Com conhecimento de causa, por ter trabalhado com Omar Torrijos na luta pela libertação do Canal do Panamá desde 1972 como assessor de comunicação da Comissão de Negociação dos Novos Tratados do Canal, Cannabrava revela a outra face do general Noriega e a outra parte da história, omitida pela historiografia oficial.
Quem foram Noriega e Torrijos
Em 1968 Torrijos comandou um movimento nacionalista que derrubou o governo de Arnulfo Arias Madrid. O principal feito do período em que foi chefe de governo foram as negociações para que os Estados Unidos se retirassem do Canal do Panamá. Em 1977, ele fechou um acordo com o então presidente James Carter para que as tropas estadunidenses se retirassem do canal em 1999.
Neste período, Noriega foi o “braço direito e esquerdo de Torrijos enquanto comandante da Guarda e chefe de governo, foi comandante do G-2 — o serviço de inteligência da Guarda Nacional — e tinha sob sua responsabilidade o Ministério do Interior”. Sobre o papel do general no governo, ele esclarece que “Noriega foi importante para manter o equilíbrio entre os oficiais da Guarda que disputavam o poder”.
O jornalista lembra que, dado o caráter e temperamento de Torrijos, muitos dos movimentos de esquerda que militaram na América Latina durante os anos 1960 tiveram contato com o panamenho. “Omar talvez quisesse compensar a humanidade pelos crimes que foram cometidos pelos estadunidenses a partir de seu território. Lideres e dirigentes vietnamitas, líbios, saarauís, bascos, integrantes das Farc, montoneros e tupamaros tinham uma relação de confiança com Omar. E Noriega participou de todas as conspirações que foram armadas nesses encontros”.
Ele também ressalta a importância do líder centro-americano na vitória dos sandinistas na Nicarágua: “os sandinistas conseguiram derrotar Somoza e chegar ao poder graças ao apoio incondicional de Omar Torrijos. Qualquer sandinista da velha guarda, se honesto, confirmará isso. (...) O apoio recebido foi vital na área de inteligência, logística, comunicação e, após a vitória, na organização do Estado. Todos esses fatos envolveram o Noriega, claro, como chefe do G-2”.
Insubordinação
Segundo Cannabrava, a questão crucial neste episódio é que os Estados Unidos nunca perdoaram o fato de Torrijos não ter apoiado, por duas vezes, seus planos de invadir Cuba. Ele elucida que a intenção do governo estadunidense era “envolver o Panamá numa espécie de incidente de Tonkin para justificar uma invasão a Cuba”, mas foram rechaçados. “Fidel sempre se deu bem com Omar e Noriega”, observa.
O fato, no entanto foi considerado imperdoável pelo governo de Ronald Reagan. A insubordinação custou a vida do líder panamenho, que teve seu avião, de pequeno porte, derrubado em represália às derrotas que infligiu aos planos estadunidenses.
Ascensão de Noriega
Com a morte de Torrijos, “Noriega tinha razões para achar que chegara sua vez e assumiu o comando da Guarda e a chefia do Estado”, esclarece Cannabrava. Ele ressalta, contudo, que “Noriega não era Omar, não tinha o carisma do velho nem a cultura-mundo que fazia de Omar um cara admirável, respeitado por quantos o conheceram. Gabo Marquez [Gabriel García Marquez], Graham Greene [que em 1986 escreveu o livro “O Lobo Solitário” no qual discorre sobre sua relação com Torrijos], Fidel Castro, eu e tantos outros. Todos o admirávamos”. Ele observa ainda que “Noriega não tinha a dimensão humana para pretender ocupar o lugar de Omar, mas, levado pelas circunstâncias… ocupou”.
Quando questionado sobre quando Noriega teria entrado para a folha de pagamentos da agência de inteligência estadunidense, ele diz não saber: “constatou-se, no entanto, que realmente esteve na folha de pagamento da CIA e como tal, participou de operações de narcotráfico. Nem todos os homens resistem a uma montanha de dinheiro e às benesses que isso aporta. Omar era especial também porque dava a mínima para dinheiro”, pontua.
Nova invasão ao Panamá
Em 1989, pouco depois de Noriega ter sido designado chefe de governo, os EUA invadiram o Panamá e o destituíram, em um episódio que deixou centenas de pessoas mortas. O jornalista questiona o argumento usado pelo governo estadunidense de combate ao tráfico: “quando os EUA invadiram o Panamá com o pretexto de impor moral, a primeira pergunta que fiz foi: Moral? Invadir um país soberano é a maior das imoralidades. (...) É preciso ser muito ingênuo ou alienado total para aceitar um argumento como esse, ainda mais vindo dos maiores amorais do planeta, gente destituída de qualquer laivo de humanidade. Invadiram, tomaram conta e estão lá até hoje. Como fizeram no Iraque, na Líbia, etc”, ressalta.
Ele questiona ainda o motivo de Noriega não ter sido morto pelos Estados Unidos: esta é “uma boa pergunta para seus cúmplices”. Mas observa que gostaria de saber a resposta do próprio Noriega: “Comprei a luta de libertação do povo panamenho, liderada por Torrijos e estive envolvido diretamente em muitos dos fatos anunciados. Convivi com Omar Torrjos e servi a ele e sua causa. (...) Servi também no combate ao Somoza até a vitória sandinista. Conheci o Noriega desse tempo, solidário, fiel a Torrijos. Gostaria muito, muito mesmo, de entrevistá-lo, ouvir a versão dele dessa história”, conclui.
E termina a conversa com uma nova questão: “Não será coincidência a volta de Noriega e de Baby Doc 2? Quem mais eles [Estados Unidos] tirarão do baralho?”
1) Incidente do Golfo de Tonkin é o nome dado a dois incidentes separados por dois dias envolvendo as forças navais dos EUA e da República Democrática do Vietnã nas águas do Golfo de Tonkin em agosto de 1964. A ação foi usada como pretexto pelo governo estadunidense para iniciar a Guerra do Vietnã.
2) Jean-Claude Duvalier, conhecido como Baby Doc, foi ex-presidente do Haiti de 1981-1985, período sob o qual o país vivem um regime de terror. Derrubado por uma revolta popular em 1986, ele se exilou na França e nunca foi preso. Em janeiro deste ano, Baby Doc voltou ao Haiti e vive em liberdade naquele país caribenho.
http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=171133&id_secao=7
Direita se articula na AL para frear governos progressistas
Apesar dos avanços dos governos progressistas na América Latina nos últimos tempos, é notória a articulação das forças direitistas com intenção de plantar golpes de Estado e crises internas nos países da região para acabar com o sonho democrático e integracionista que vem sonhando o continente. Para falar sobre os planos da ultradireita latino-americana e analisar a atual conjuntura política do continente, o Observatório Sociopolítico Latino-Americano entrevistou a jornalista Stella Calloni.
Por Fernando Arellano Ortiz
Na América Latina há uma ameaça latente de setores militares de ultradireita que buscam reeditar a Operação Condor contra os governos progressistas, a mesma que nas décadas dos anos 1970 e 80 e com o auspício de Washington assolou os países do Cone Sul, no sentido de realizar um trabalho supranacional de desestabilização com os auspícios de dirigentes da catadura do ex-presidente Álvaro Uribe Vélez, como denuncia a jornalista argentina, investigadora e ativista de direitos humanos, Stella Calloni.
Com o apoio da CIA, de fundações estadunidenses, bem como do neofranquista Partido Popular, da Espanha, a ultradireita latino-americana está empenhada a todo custo em propiciar golpes de Estado ou criar circunstâncias de choque em países da região governados por líderes de esquerda. Fundamentalmente, o foco está dirigido contra os governos de Hugo Chávez, na Venezuela; Rafael Correa, no Equador; Evo Morales, na Bolívia; Cristina Fernández de Kirchner, na Argentina; e Daniel Ortega, na Nicarágua, ao mesmo tempo em que lança fogos contra os presidentes Dilma Rousseff, do Brasil e José Mujica, do Uruguai; da União das Nações Sul-americanas (Unasul) e, claro está, contra o Fórum de São Paulo, que reúne aos partidos de esquerda do hemisfério.
Stella Calloni — experiente investigadora dos horrores cometidos pelas ditaduras militares da América do Sul, autora do livro Operación Cóndor, Pacto Criminal (Edições La Jornada, México, 2001) — lembra que um dos bastiões desta corrente é a Unoamérica. Organização que nasceu na Colômbia, em dezembro de 2008 e está integrada por militares acusados de violação de direitos humanos e comprometidos com as ditaduras latino-americanas que buscam reeditar o tresnoitado discurso anticomunista da Guerra Fria.
Em consonância com Unoamérica, o ex-presidente Uribe Vélez criou, recentemente, a Fundação Internacionalismo Democrático, cuja principal tarefa é trabalhar pelo desprestígio dos governos de Chávez e Correa.
Calloni é uma jornalista experiente; escritora e poetisa. Foi correspondente de guerra na América Central e se especializou em política internacional. Em sua vasta obra publicada estão incluídas crônicas, ensaios e livros, entre outros, como Torrijos y el Canal de Panamá (1975); La guerra encubierta contra Contadora (1993); Nicaragua: el tercer día (1986); Panamá, pequeña Hiroshima (1992); Los años del lobo: Operación Cóndor (1999); Operación Cóndor, pacto criminal (2001); Argentina: de la crisis a la resistencia (2002); La invasión a Irak, guerra imperial y resistencia (2002); América Latina siglo XXI (2004); Evo en la mira. CIA y DEA en Bolivia (2009).
Atualmente, é correspondente do Cone Sul para o diário La Jornada, do México e também atua como docente universitária. Entre as múltiplas distinções que recebeu, destacam-se o Premio Latinoamericano José Martí (1986); Premio Madres de Plaza de Mayo (1998); Premio Margarita Ponce Derechos Humanos de la Unión de Mujeres Argentinas y Premio Latinoamericano de Periodismo Samuel Chavkin, da revista Nacla Report of the Americas de Nueva York, ambos em 2001; além do Premio Escuela de Comunicaciones de la Universidad de la Plata, Argentina (2002).
Em função jornalística, percorreu praticamente toda a América Latina, bem como vários países da Europa e da África. Portanto, suas análises são feitas a partir do apalpar da realidade no próprio terreno. É conferencista internacional sobre temas de geopolítica latino-americana e sobre direitos humanos.
A invasão silenciosa dos EUA na América Latina
Observatório Sociopolítico: Você considera que a ingerência dos Estados Unidos tem se configurado de maneira mais sutil, ou continua sendo mantida a mesma estratégia de finais de século 20 para dominar os povos?
Stella Caloni: Se eles, em todos os seus documentos de política exterior, começaram a considerar que deviam levar em conta a Doutrina Monroe ("América para os americanos”) equivale assinalar que ela continua sendo a base de muitas coisas que eles fazem, com algo muito mais grave: agora o lema é "o mundo para os americanos”. Tudo isso, mais a reconfiguração que aconteceu após as Torres Gêmeas, que é um fato que ainda não sabemos quem é o responsável; pois, poderão dizer o que queiram, mas provas não existem de nenhuma espécie; é como se você me dissesse que alguém possa me dar uma prova de que a pessoa que mataram no Paquistão era Bin Laden. Não há provas; não existem e o que Estados Unidos dizem, para mim não tem nenhuma veracidade, porque mentem eternamente.
Após a configuração dessa doutrina de segurança hemisférica, começa também a nova doutrina de guerra preventiva, de guerra sem fronteiras e sem limites; desconhecendo as soberanias nacionais, ao mesmo tempo em que executam outra vertente de trabalho, que é sutil: o envio de todas essas fundações que nasceram durante o esplendor conservador de Reagan para evitar a presença direta da CIA, sobretudo depois de 1975, quando se formou a Comissão Church no Senado estadunidense para investigar o papel dessa Agência de Inteligência no golpe de Estado no Chile, o que motivou que, nos anos 80, a renovação da estratégia de conflitos e de guerra de baixa intensidade, que tem como base a contrainsurgência, que, em linguagem estadunidense, é a permissão aberta para todo tipo de ilegalidade no plano militar, político, cultural, social, econômico etc.
Quando já se recicla para o período dos anos 90, são conformadas a NED (National Endowment for Democracy, fundação para a democracia; porém, teríamos que perguntar-nos que tipo de democracia), a Usaid (a agência internacional para o desenvolvimento, que nunca teve esse papel). Mas, sabemos que onde se instala esse organismo, há uma interferência direta dos Estados Unidos e a CIA está por trás. Com isso, conseguiram a invasão silenciosa na América Latina. Pude verificar isso diretamente no próprio terreno, por exemplo, na Bolívia, e observei como essas fundações trabalham, criando ONGs, que cumprem um papel chave na guerra de baixa intensidade; isto é, desestabilização de governos; intromissão em lugares; trabalho com grupos indígenas, como é o caso boliviano, no qual buscaram um líder indígena para fazê-lo aparecer, com o propósito de substituir Evo Morales. Infelizmente, os governos latino-americanos ainda são muito débeis e não têm a suficiente clareza no sentido de que devem deter esse intervencionismo que pode levar a situações muito complicadas. De fato, no golpe de Estado na Venezuela, estavam a NED, a Usaid e outras fundações, inclusive socialdemocratas da Europa, que ficaram metidas no esquema internacional da CIA.
A ultradireita militar latino-americana
Observatório Sociopolítico: E no golpe de Estado em Honduras contra o presidente Manuel Zelaya?
Stella Caloni: Em Honduras, também; e aí a intervenção teve também a participação de Unoamérica, sobre a qual a Colômbia deve ter muito cuidado e estar bem atenta às suas atuações. É uma fundação que nasceu na Colômbia, com um grupo de militares da ultradireita e com vários ex-militares de todas as ditaduras da América Latina.
Observatório Sociopolítico: Qual é seu propósito?
Stella Caloni: O propósito é praticamente executar a Operação Condor levada a outro plano. Apesar de que a Operação Condor não pode ser repetida. Unoamérica coincide no trabalho supranacional para poder mover-se sem nenhum limite nos vários países. Esses militares de ultradireita sustentam o mesmo que na época do Plano Condor, no sentido de que assim como o Cone Sul tinha que combater a coordenadora guerrilheira que havia se integrado nos anos 70, agora tem que enfrentar tanto os governos de esquerda, que participam no Fórum São Paulo, quanto a Unasul, a qual consideram igualmente uma organização supranacional; portanto, eles devem atuar para evitar o comunismo, porque falam do comunismo como se fosse no tempo da Guerra Fria.
Por isso, nuclearam ao pior que encontram de militares envolvidas nas ditaduras latino-americanas e realizam um trabalho especial dentro dos grupos de segurança dos exércitos e das polícias, reciclando o discurso anticomunista do passado. Fazem um trabalho nas Forças Militares da região porque têm suas velhas conexões e, por isso, jogaram um papel determinante no golpe de Estado em Honduras. Alejandro Peña Esclusa, que hoje está preso na Venezuela e que é o presidente de Unoamérica, foi condecorado por Roberto Micheletti por sua colaboração efetiva para dar o golpe. Unoamérica provê mercenários, faz contrainsurgência para as necessidades da CIA, se move por toda a América Latina; vários de seus integrantes estiveram na Bolívia metidos no golpe de Estado que tentaram contra Evo Morales e, sobretudo, na tentativa de assassiná-lo.
Observatório Sociopolítico: Conhecendo a catadura de um ex-presidente colombiano, como o tão questionado Álvaro Uribe Vélez, que papel ele joga em Unoamérica, de acordo com suas investigações?
Stella Caloni: Vários militares que fazem parte de Unoamérica, segundo os registros que tenho, apóiam os grupos paramilitares na Colômbia e são muito próximos a Uribe. Na Argentina, temos já a lista dos vinculados a essa fundação, que é encabeçada pelo coronel do grupo de caras-pintadas, Jorge Mones Ruiz, bem como há militares da ultradireita boliviana, uruguaia; eles buscaram os remanescentes das velhas ditaduras latino-americanas e se apóiam politicamente em grupos ultradireitistas da região.
Observatório Sociopolítico: Geopoliticamente falando, nas atuais circunstâncias, quais são os aliados mais importantes dos Estados Unidos na América Latina?
Stella Caloni: Geopoliticamente, enquanto a invasão está silenciosa, por cima estão mandando tropas e o porta-aviões dos Estados Unidos na região obviamente é a Colômbia, com todas as suas bases militares e com sua estrutura. Além disso, o golpe de Honduras conservou a base de Palmerola e as novas como a Base de Gracia de Dios, que lhes permite controlar a Nicarágua.
Observatório Sociopolítico: Aqui na Argentina, existe o convencimento de que na Colômbia estão operando as sete bases que o governo de Uribe entregou ao Comando Sul dos Estados Unidos. No entanto, a Corte Constitucional proibiu a utilização dessas bases. Segundo suas investigações, ditas bases militares estão realmente operando?
Stella Caloni: Na realidade estão aí. É algo muito similar ao que acontece com a Base Mariscal Estigarribia, do Paraguai, ou com a Base de Palmerola, em Honduras. Aí, o que existem são pistas onde podem aterrizar aviões grandes, como têm feito na Colômbia. Essas bases não estão ocupadas permanentemente por soldados estadunidenses porque eles nunca se metem em lugares fechados. Agora, os Estados Unidos não necessitam enviar soldados para fazer funcionar as bases militares; mas as têm à sua inteira disposição. Obviamente, têm tudo preparado para se acaso necessitam mandar tropas. Ou, como acontecia na Bolívia, em que metiam uma estrutura da DEA dentro de uma base, que utilizaram quando quiseram matar Evo Morales, na época em que era deputado. Algo parecido estão fazendo na Colômbia.
Juan Manuel Santos e sua relação com o Mossad
Observatório Sociopolítico: Na Colômbia também operam o Mossad (Agência de Segurança Israelita) e o Mi6 (Serviço de Inteligência Inglês). Em outros países latino-americanos também operam?
Stella Caloni: O Mossad está no Paraguai, na Bolívia, na Venezuela e na Guatemala. Na Venezuela, sua presença é muito forte e na Colômbia opera há muitos anos, inclusive, antes que chegasse seu agente Yair Klein, que treinava e trazia da Jamaica armas para os grupos paramilitares. O problema é que o Mossad, atualmente, tem mais força do que a CIA; vários de seus membros se infiltram em comunidades judias dos países latino-americanos; porém, além disso, estão presentes no Iraque e na Líbia. Nas tarefas e na direção de todas as movidas de guerra suja, o Mossad é chave. No caso colombiano, o presidente Santos é filho do Mossad e ele não pode separar-se de Israel. Não se pode esquecer o papel que Santos jogou no ataque a Sucumbíos, quando a soberania equatoriana foi violada, para atacar o acampamento de Raúl Reyes. Recordo o sorriso de hiena de Santos quando mataram esse chefe guerrilheiro. Não creio que Santos queira a paz na Colômbia, como Israel tampouco a quer; o que ele deseja terminantemente é exterminar de qualquer maneira a um grupo político-militar insurgente.
Observatório Sociopolítico: E no México, cuja situação social é muito explosiva?
Stella Caloni: Nessa ocupação geopolítica, do Plano Colômbia, que é um plano de recolonização do continente, passaram para o Plano Mérida, do México. Esse plano é uma cópia do Plano Colômbia e, de fato, em seis anos, o México caiu em uma violência atroz. Nesse lapso, temos o mesmo número de mortos que na Colômbia e a isso devemos somar a destruição do campo mexicano e da cultura profunda dos povos, com o Tratado de Livre Comércio que assinou com os Estados Unidos e com o Canadá.
Desinformação: a arma da guerra
Observatório Sociopolítico: Falemos de outro aspecto fundamental para condicionar os povos, que é a guerra midiática...
Stella Caloni: A guerra midiática é parte do projeto contrainsurgente. Hoje, a desinformação é uma arma de guerra utlizada para armar um projeto de guerra como aconteceu no Iraque, com a invenção das armas de destruição massiva, ou com o que aconteceu na Líbia, onde nunca houve um bombardeio de Gadafi contra a população civil, o que está totalmente provado. Para controlar o mundo, necessitam controlar a informação.
Observatório Sociopolítico: A senhora denunciou o aproveitamento das máfias durante a etapa de esplendor do neoliberalismo...
Stella Caloni: Um dos aspectos que temos que identificar nesse período histórico é a presença mafiosa nos governos. Os Estados Unidos estão sob o poder de máfias; sempre as usou para seus jogos. Necessitam da máfia; não podem sobreviver a esse esquema sem ela. Quem recebe a droga nos Estados Unidos? Onde é recebida? Mas, vêm matar no lado mexicano; porém, por que não se dedicam a pescar do outro lado os que recebem a droga? Por que os aviões carregados de droga chegavam às bases do Comando Sul, na Florida? E não era Manuel Antonio Noriega quem a mandava, porque ele não tinha nenhuma capacidade de operar com o Comando Sul. Mentiram de uma forma descarada na invasão do Panamá (em 20/12/1989) e percebi tudo porque eu estava lá. A gênese de todas as intervenções tem uma mentira por detrás e um aparelho de desinformação, que agora é mais fácil porque controlam tudo.
A liderança de Chávez
Observatório Sociopolítico: Apesar de uma matriz de manipulação midiática, boa parte das pessoas na América Latina já não acreditam, e isso pode ser observado em países como a Venezuela, o Equador, a Bolívia, a Argentina, o Uruguai... O que pensa sobre?
Stella Caloni: O que acontece é que não entenderam que o processo neoliberal iria trazer uma realidade social terrível e as pessoas começaram a ter um olhar distinto. Isso aconteceu em países como a Venezuela, com Chávez, cujo povo passou a ser pensante e consciente.
Observatório Sociopolítico: Falando da Venezuela, a senhora esteve recentemente em Caracas. Como está a liderança de Chávez? Tem possibilidade de reeleger-se em outubro de 2012?
Stella Caloni: Sim, tem possibilidade de reeleger-se; inclusive, os índices de popularidade e de apoio ao seu governo aumentaram. Vejo que há uma grande consciência nas pessoas com relação aos alcances positivos do processo político liderado por Chávez. As coisas e os grandes avanços que foram feitos na Venezuela não são divulgados; porém, há uma recuperação do sentido de pátria, de defesa, de dignidade; e a enfermidade de Chávez produziu um apressamento nas bases para solidificar a unidade e a organização.
Observatório Sociopolítico: Processos integracionistas que estão acontecendo na América Latina, como Unasul e Celac constituem uma pedra no sapato de Washington?
Stella Caloni: Sim; qualquer coisa que seja unidade e integração é uma pedra no sapato. A unidade africana e a intenção que tinha Gadafi de concretizar uma moeda comum na África incomodam aos Estados Unidos. São coisas que eles não podem aceitar. Agora, tem uma América Latina com alguns países com modelo de algo distinto. No começo, eles não davam importância porque sempre os Estados Unidos conseguia interferir; por exemplo, em processos como o Mercosul. Porém, agora, a coisa é diferente, e nisso Chávez teve uma presença histórica, porque foi a cabeça para produzir uma federação distinta. Essa nova integração política e comercial dos países da América Latina é alto terrível para os Estados Unidos e, sobretudo, os fatos protagonizados por presidentes como Chávez e Evo Morales. No caso da Bolívia, Morales retirou a CIA e a DEA. Desde que a DEA saiu da Bolívia, e isso para os colombianos é essencial, o país deixou de ter uma violência no índice que tinha; deixou de morrer gente por conta da suposta guerra contra o narcotráfico. A embaixada estadunidense contava com um escritório na casa de governo, junto a do presidente da Bolívia. Quando Evo Morales assumiu perguntou por uma porta fechada junto ao seu escritório, que conduzia aos escritórios da DEA e da CIA. Para que saibamos até onde chegou a ingerência estadunidense sem que os países da América Latina o soubessem.
O bloqueio a Cuba, delito de lesa humanidade
Observatório Sociopolítico: Falemos de Cuba. Hoje, a revolução cubana não é nenhuma ameaça aos Estados Unidos. No entanto, em pleno século 21, como se explica que Washington continue mantendo o bloqueio econômico à ilha? Não é o caso de delito de lesa humanidade?
Stella Caloni: Claro! É um delito de lesa humanidade. Além disso, tudo o que o bloqueio produziu, as consequências das agressões (como a guerra química e biológica contra Cuba), a cifra de doentes, o número de mortes pela dengue hemorrágica, mais a invasão a Bahia Cochinos, está reconhecido pelo próprio Congresso dos Estados Unidos. Mas Cuba continua sendo um exemplo de como poder resistir a noventa milhas do império para manter uma revolução que não quer sair do socialismo. Em contraste, os Estados Unidos ficaram em mãos de uma máfia que eles mesmos criaram. Uma máfia cubana que conta com senadores, representantes, governadores, prefeitos, todos com um passado espantoso e com relações profundas com o narcotráfico. Tentaram destruir Cuba por todos os meios, o bloqueio foi feito, inclusive, mais forte; porém, não puderam asfixiá-la e não creio que consigam.
América Latina e seu melhor momento histórico
Observatório Sociopolítico: Com exceção de países como o México, a Colômbia, o Chile e algumas nações da América Central, a América Latina está passando por um bom momento histórico, que pensa?
Stella Caloni: Historicamente, a América Latina está passando por seu melhor momento; tem conseguido salvar-se da crise econômica e mostrar ao mundo que o remédio que estão utilizando na Europa não serviu para nada; portanto, podemos dizer que estamos à vanguarda da resistência, com lideranças como as de Chávez, Kirchner, Evo, Correa que brotaram dentro de um jogo eleitoral que os Estados Unidos impunham como salvação. Quantas tropas necessitarão para poder controlar o mundo? O certo é que os Estados Unidos vão a caminho de afundar. E em relação com a América Latina temos que dizer que nossos governos não podem mostrar nem um pouquinho de debilidade, porque qualquer abertura dá pé para que se meta esse poder imperial; temos tudo para evitar e uma mostra disso é o que aconteceu com a OEA, que já não tem voz; está falando como um afônico, porque a Unasul a substituiu mesmo sem ser ainda um organismo totalmente sólido.
Buenos Aires, dezembro de 2011.
Fonte: Observatório Sociopolítico Latino-Americano
Tradução: Adital
VIA: VERMELHO
http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=171255&id_secao=7
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