sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

A GUERRA DO ÓPIO E O EUROCENTRISMO


Por Emir Sader

“Dois livros saem simultaneamente na Inglaterra. Um de Neil Ferguson, tradicional defensor da “superioridade branca”, com o sintomático título de “Civilização: o Ocidente e o resto”. O outro é uma boa reconstrução histórica e política: “A guerra do ópio: drogas, sonhos e a construção da China”, de Julia Lovell. Juntos, compõem quadro perfeito do mundo colonizador e a mentalidade eurocentrista que o sustenta.

Neil Ferguson retoma sua visão explicitamente eurocentrista, expressa já no significativo titulo do livro. O tom melancólico, sob o cenário da crise atual, que rebaixa o perfil da Europa a níveis inimagináveis até um tempo atrás, serve para uma visão retrospectiva da ascensão e consolidação da Europa como centro do mundo e herdeira de todas as civilizações, como se representasse ponto de chegada de todas elas.

Paralelamente, se publica uma reconstrução sistemática da guerra do ópio, com todos os sentidos que o episódio crucial teve. A Europa tinha interesse em comprar grande quantidade de bens da China: seda, chá, especiarias, entre outros. Mas a China não tinha interesse em comprar nada da Europa, o que levava a um comércio totalmente desequilibrado.

A Inglaterra buscou resolver a questão bem ao seu estilo: pela invasão militar, valendo-se da despreocupação da China de ser uma potência militar. “Uma guerra contra uma nação tão infantil nessa arte seria melhor ser chamada de assassinato”- disse um oficial britânico. Dezenas de milhões de chineses morreram, mas os britânicos sofreram apenas alguns ferimentos.

A guerra nem serviu para que o Império britânico se expandisse geograficamente; houve apenas a incorporação de Hong-Kong. O fundamental foi impor o livre comércio e, além disso, induzir o consumo de ópio na China, abastecendo esse vasto mercado com a produção realizada na outra grande colônia inglesa – a Índia. Essa foi a contribuição da “civilização” ocidental para a China – o consumo do ópio e o livre comércio. Assim, se reequilibrava o comércio entre a Europa e a China. O Ocidente ainda propagou imagem da China no mundo vinculada ao ópio que o próprio Ocidente introduziu naquele país.

A guerra do ópio somente terminou recentemente, quando o governo chinês demandou a reintegração de Hong-Kong a seu país. Diante das hesitações de Margareth Thatcher, tentando dilatar a decisão, Deng-Xiao Ping lhe disse que recuperariam pela força o território, o que foi suficiente para que a suposta Dama de Ferro devolvesse docilmente Hong-Kong à China.

O “Times” já temia, um século atrás, que o gigante despertasse e revertesse aquela situação. A China, por sua vez, tirava a lição da necessidade de armar-se para se proteger da cobiça do Ocidente. Cada um pode constatar hoje como mudaram as relações entre a China e o Ocidente, desde então.”

FONTE: escrito pelo cientista político Emir Sader e publicado no site “Carta Maior”  (http://www.cartamaior.com.br/templates/postMostrar.cfm?blog_id=1&post_id=851).

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