quarta-feira, 6 de novembro de 2013

POR QUE A EXTREMA ESQUERDA FRACASSOU


[Na prática, no Brasil, a extrema-esquerda tem sido simples, mas histérica, contribuinte para a volta da direita ao poder]

Por Emir Sader

A aliança oportunista com a direita contra o governo Lula se deveu à consciência de que só teriam espaço se o PT fracassasse. Então, se somam a essa frente, que toma o governo Lula [e Dilma] como seu inimigo fundamental.

Quando foram sendo eleitos governos na onda do fracasso e rejeição aos governos neoliberais, predominantes nos anos 1990 na América Latina, ao mesmo tempo foram se reconstituindo as forças de extrema esquerda, na crítica desses governos.

Nenhum deles foi poupado, mas inicialmente o governo Lula foi o objeto mais concentrado dessas críticas. Motivos não pareciam faltar. Desde a “Carta aos brasileiros”, Lula parecia encaminhar-se para o abandono das teses históricas da esquerda, repetindo a experiência histórica que os trotskistas sempre anunciaram: a socialdemocracia se comporta como força de esquerda quando está na oposição, mas basta chegar ao governo para romper com as teses históricas da esquerda, “traindo” a esquerda e os trabalhadores, para se revelar como uma manobra de engano do povo e de continuidade, sob outra forma dos governos da direita.

Uma equipe econômica "conservadora", uma reforma regressiva da previdência, discurso tímido – tudo parecia confirmar a tese da “traição”. Cabia, perfeitamente, uma crítica pela esquerda, sobre a questão central do período: a superação do modelo neoliberal, que era feita pela esquerda do PT.

Discutia-se se o governo seguia sob disputa entre tendências conservadoras e de esquerda. Até que um grupo considerou que era um governo “perdido”; saiu do PT e a fundou um novo partido. O grupo foi rapidamente hegemonizado por trotskistas (da tendência morenista, de origem na Argentina), que enquadravam a evolução do PT no governo no modelo clássico da “traição”.

Porém, ao invés de elaborar uma critica de esquerda e formular alternativas, rapidamente esse grupo pegou carona nas denúncias do “mensalão”, que a mídia [da direita] lançou contra o PT. Fazendo com que a “traição” tivesse uma conotação de “corrupção”, como sintoma de uma degradação moral do governo.

A líder do grupo, Heloisa Helena, com seu destempero verbal, tratava o governo como “gangue” e com outros epítetos afins, tão ao gosto da classe média. Esse grupo, que supostamente saia pela esquerda para fundar o PSOL, rapidamente somava-se, de maneira subordinada, à ofensiva da direita contra o governo.

A campanha eleitoral de 2006 foi a consagração dessa aliança tácita: todos contra o governo Lula, inimigo fundamental de uns e dos outros. Nela, o PSOL consolidou sua opção pela crítica moralista, da “traição” do Lula. Quem trai, se torna cada vez pior, reprime, reproduz exatamente o governo da direita. Daí as armadilhas em que caiu o PSOL.

Se concentrou em tentar demonstrar, primeiro, que não teria havido “herança maldita”, desconhecendo totalmente a profunda e prolongada recessão produzida pelo governo FHC/PSDB e a situação herdada do Estado, do mercado interno, da exclusão social, da precarização das relações de trabalho, entre outras. Pior ainda do que isso, passou a desconhecer – da mesma forma que a direita – as diferenças do governo Lula com o governo FHC/PSDB, em particular a prioridade das políticas sociais.

Além de que desconhece que a polarização neoliberalismo/antineoliberalismo é o enfrentamento central do período histórico atual e, por isso, desconhece que o governo Lula faz parte do movimento histórico da região de construção de governos pós neoliberais. Desconhece o papel dos novos governos latino-americanos, como único polo mundial de resistência ao neoliberalismo.

A aliança oportunista [da extrema-esquerda] com a direita contra o governo Lula se deveu à consciência de que só teriam espaço se o PT fracassasse. Então, se somam a essa frente, que toma o governo Lula [e Dilma] como seu inimigo fundamental.

A essa aliança se soma a atitude ultraesquerdista de, no segundo turno, entre Lula e Alckmin, ficar equidistante, como se fosse o mesmo se ganhasse um ou outro. Imaginem o Alckmin presidente do Brasil diante da crise de 2008! Bastaria isso para nos darmos conta da posição absurda no segundo turno, mas coerente com a opção feita pelo PSOL.

Depois do brilhareco momentâneo das eleições de 2006, em que o desempenho da Heloísa Helena, presidente do partido, chegou a ser vergonhoso, promovida pela "Globo" para permitir a chegada ao segundo turno [e assim dar chance de a direita ganhar], o perfil do partido [PSOL] claramente baixou. Se deram conta que seu projeto de construir uma alternativa nacional tinha fracassado. A candidatura de Marina, que herdou boa parte dos votos de Heloísa Helena, confirmou isso. As posições posteriores da ex-candidata complementaram a imagem de uma pessoa individualista, reacionária em relação a temas como o aborto e a democratização dos meios de comunicação, descontrolada, sem condições de liderar um partido de esquerda.

Enquanto isso, ao invés de ser derrotado, o governo Lula, pelos efeitos das politicas sociais, foi ampliando seu apoio popular, de forma constante, até o fim do governo Lula, permitindo a eleição da Dilma.

O desempenho do candidato do PSOL nas eleições seguintes, Plínio de Arruda Sampaio, que contou com muitos espaços na mídia, na mesma busca de votos para chegar ao segundo turno contra o PT 
[e assim dar chance de a direita ganhar],  confirmou o fracasso político do partido, quando teve 1% dos votos, menos até que outros grupos pequenos, com muito menos espaços na mídia. Desde então, o partido tem uma postura de marcar posição, sem nunca ter formulado projeto estratégico alternativo para o Brasil, ficando reduzido a uma força do campo de denúncias do “mensalão” [Somente o do PT. O do PSDB, muito maior e mais antigo, permanece assintosamente impune, "esquecido" pela extrema-esquerda, pela direita, pela mídia e pela Justiça].

Enquanto que uma força de esquerda radical deveria, antes de tudo, ter uma análise especifica da sociedade brasileira, do grau de penetração do neoliberalismo, para propor um projeto de superação desse modelo, que articule antineoliberalismo com anticapitalismo. Deveria analisar o governo do PT, reconhecendo os avanços realizados e apoiá-los, ao mesmo tempo em que critica suas debilidades. Se propor a ser aliado do governo à sua esquerda, nos aspectos comuns e crítico nos outros.

Teria que apoiar a política externa do governo, suas políticas sociais, seu resgate do papel ativo do Estado nos planos econômico e social. [Teria] que apoiar o conjunto de governos progressistas na região, que protagonizar os processos de integração regional.

Caracterizar o governo como força progressista, força moderada no campo da esquerda, enquanto esse partido seria uma força mais radical do mesmo. Para isso, precisaria ter clareza dos inimigos fundamentais, que compõem o campo da direita – EUA, PSDB e seus aliados, a mídia oligárquica, o sistema bancário. Para impedir qualquer risco de se confundir com a direita contra o governo.

Essa via foi inviabilizada pela opção que o PSOL assumiu e reafirmou ao longo do governo do PT, isolando-se, sem apoio popular, valendo-se dos espaços que a mídia direitista lhe concede, quando entende que podem prejudicar o governo.


Virou um partido denuncista, de causas corretas e outras duvidosas. Nem sequer valoriza o imenso processo de democratização social que tem transformado positivamente o Brasil na última década.

Esse fracasso da extrema esquerda hoje é generalizado nos países de governos progressistas – Venezuela, Argentina, Uruguai, Bolívia, Equador -, com desempenhos mais ou menos similares, mas a mesma incapacidade de compreender a natureza do período histórico neoliberal e o papel progressista que tem esses governos. A extrema esquerda terminou tomando como seus inimigos fundamentais esses governos, aliando-se, tácita ou explicitamente, à direita contra eles, abandonando a possibilidade de compor um quadro da esquerda, onde seria a alternativa mais radical. Fica isolada, em posturas denuncistas, sem propostas alternativas. Enquanto que os governos progressistas, a esquerda na era neoliberal, se constituem, em escala mundial, na referência central na luta antineoliberal.”

FONTE: escrito pelo cientista político Emir Sader no jornal online “Brasil 247” (http://www.brasil247.com/pt/247/artigos/119856/Por-que-a-extrema-esquerda-fracassou.htm). [Imagem do google, sua legenda e trechos entre colchetes adicionados por este blog 'democracia&política'].

Um comentário:

Edoubar disse...

gostaria de fazer uma correção: a tendência "morenista" era representada no Brasil pela Convergência Socialista" que, saindo do PT, organizou o PSTU. O PSOL conta com quadros oriundos da Democracia Socialista(DS),tendência interna do PT, antes filiada ao SU de Ernest Mandel.