Li hoje no site “vermelho” o seguinte artigo de Argemiro Ferreira, postado originariamente em seu blog. O autor é jornalista. Desde a década de 1980, escreve para o diário Tribuna da Imprensa, do Rio de Janeiro. É autor dos livros "Informação e Dominação" (edição do Sindicato de Jornalistas do Rio de Janeiro, 1982 - esgotado), "Caça às Bruxas - Macartismo: Uma Tragédia Americana" (L&PM, Porto Alegre, 1989), "O Império Contra-Ataca - As guerras de George W. Bush antes e depois do 11 de setembro" (Paz e Terra, São Paulo, 2004). Foi colaborador de Rede Imaginária - TV e Democracia (org. por Adauto Novaes, Companhia das Letras, São Paulo, 1991), Mídia & Violência Urbana (Faperj, Rio de Janeiro, 1994):
“Carlos Chagas, professor de jornalismo, é um profissional que prezo e respeito. Sua coluna convive com a minha há quase três décadas na edição impressa da Tribuna da Imprensa e, ultimamente, na edição online. Bem antes, integrando a equipe do Pasquim que o entrevistou na década de 1970, eu tinha perguntado a ele o que levava um jornalista a ser secretário de imprensa no regime que mais censurou a imprensa no Brasil.
Sua resposta foi séria e honesta. Hoje vivemos numa democracia plena e a grande mídia, inconformada, dedica-se em tempo integral a fazer campanha golpista em vez de jornalismo. Está em festa porque o nível de aprovação de Lula baixou para apenas 65% - ainda um percentual mais elevado do que o de qualquer presidente. Mas Chagas está muito preocupado com o uso do que a mídia batizou de "Aerolula".
Entendo que deve ser difícil para tucanos e demo-pefelês aceitar que o operário nordestino que eles chamam de apedeuta, por não ter PhD em Harvard ou na Sorbonne, vôe por aí como se fosse o magnata Madoff ou algum executivo da AIG, do Bear Stearns ou da Merrill Lynch. Chagas nada tem a ver com eles. Como eu, poderia achar natural o Brasil ter seu avião presidencial, seja quem for o presidente.
Não só por causa da extensão territorial do país. Nosso papel na política internacional, a partir do atual governo, justifica tal necessidade, que Chagas parece ver como escândalo.
Há dias cobraram de Obama o luxo do helicóptero que o leva ao Air Force One/AF1 (Aerobama?) na Base Aérea Andrews. Embaraçado, explicou: sequer sabia de sua existência, mas custou uma fortuna e foi comprado (pelo governo Bush) para esse fim específico.
OS FATOS E UMA VERSÃO DELES
O caso do helicóptero pode ser diferente. Como encomenda do Pentágono à indústria, dificilmente deixou de envolver corrupção, velha tradição da casa. A queixa de Chagas é mais modesta. Ao criticar Lula, exaltou o exemplo de outro presidente. "Era o auge da crise do petróleo, todo mundo tinha que economizar e (Richard) Nixon cancelou os vôos do Air Force One. Durante algum tempo viajava em aviões de carreira (…), como um passageiro normal", disse.
Ei, que diabo, fantasias da mídia não podem sobrepor-se à realidade. Estamos certamente diante de um caso assim, ainda que relativamente inofensivo. O presidente Nixon, de triste memória, nunca cancelou os vôos do AF1. E, ao contrário do que Chagas escreveu, em tempo algum "viajava em aviões de carreira como um passageiro normal".
Uma única vez, a 23 de dezembro de 1973, o presidente viajou em vôo comercial. Era só um truque demagógico, na ânsia de melhorar a imagem, então no fundo do poço por causa de Watergate. Acuado no poder, ainda via a crise do petróleo golpear o país. Dois meses antes, no "massacre de sábado à noite", demitira o promotor Archibald Cox e forçara a saída do Procurador Geral e de seu adjunto.
SOB A PRESSÃO DO IMPEACHMENT
Pode ter sido a mais grave crise entre a invasão da sede do Partido Democrata em Watergate (17 de junho de 1972) e a renúncia (8 de agosto de 1974). O presidente comprometeu-se a não mais interferir na investigação do promotor (já então, Leon Jaworski) e foram introduzidas na Câmara oito resoluções de impeachment, apesar de Nixon prometer a entrega de todas as fitas gravadas e já sob intimação.
Um mês antes da viagem dele pela United Air Lines, sua secretária Rose Mary Woods tinha apagado quase 20 minutos de uma gravação, atribuindo a malfeitoria a inexplicável "acidente". O vice-presidente Spyro Agnew já renunciara (para escapar de um processo por corrupção). E Gerald Ford, aprovado pelo Congresso, tinha feito a 6 de dezembro seu juramento, tornando-se o novo ocupante do cargo.
O cenário estava pronto para o desfecho da crise: ou impeachment na Câmara, seguido de julgamento no Senado; ou a renúncia (na foto à direita, sua despedida de Ford depois de renunciar). Mesmo na Casa Branca muita gente já duvidava que Nixon pudesse manter-se no cargo. Foi com esse pano de fundo que o presidente, a 23 de dezembro, encenou a viagem de Washington à Califórnia, onde sua residência de San Clemente era a Casa Branca do Oeste.
A demagogia funcionou no primeiro momento. O DC-10 da United recebeu Nixon, sua mulher Pat, a filha Tricia, nove pessoas do gabinete e 13 agentes do Serviço Secreto. A passagem de primeira classe custava US$ 217,64 (equivalente hoje a uns US$1000). Na chegada a Los Angeles, ele confraternizou meia hora com os passageiros da classe turística, ouviu aplausos e a opinião (de uma jovem de 16 anos) de que se parecia com Bob Hope. "Ele é meu amigo", respondeu.
A FARSA QUE DOBROU O GASTO
Mas não houve economia alguma, ao contrário do que sugeriu Chagas. Tudo aquilo fora uma farsa. O AF1 voou, vazio, para a Califórnia, já que tinha de levar Nixon de volta a Washington. Ou seja, gastou-se a mesma quantidade de combustível e mais as passagens. Sem contar que também estava à bordo (espero que não na primeira classe) o cão presidencial, King Timahoe.
A repercussão não foi imediata, por causa das festas de fim de ano. Mas depois veio a controvérsia. Naqueles dias eu visitava os EUA pela primeira vez. De um amigo americano, ouvi este desabafo: "Não entendo porque ele fez isso. É ridículo. Nunca se pediu que gastasse menos com o AF1. Há muita coisa que podia fazer para reabilitar a imagem. Essa não é uma delas".
Era também esse o tom da controvérsia na mídia, impedindo a Casa Branca de faturar o evento e reabilitar a imagem presidencial. Isso devia ter sido tentado pelo zeloso secretário de imprensa Ron Ziegler, que fotografara Nixon no avião - abraçando pessoas comuns e beijando bebês, como se estivesse em campanha. Sete meses depois, no dia da última viagem dele no AF1, despediu-se do helicóptero nos jardins da Casa Branca. Eu estava de novo em Washington: cobria a renúncia para o Jornal do Brasil.”
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