domingo, 3 de outubro de 2010

”PAÍSES EMERGENTES SERÃO LOCOMOTIVA DO CRESCIMENTO MUNDIAL”

Para executivo do Banco Mundial, se esses países mantiverem a saúde fiscal, poderão sobreviver a um solavanco dos juros internacionais

Patrícia Campos Mello – O Estado de S.Paulo

Os países em desenvolvimento serão o motor do crescimento global por um bom tempo, e não serão atropelados por uma provável alta dos juros globais ou mudança nos preços das commodities. Para Otaviano Canuto, vice-presidente de Redução de Pobreza e Política Econômica do Banco Mundial, houve uma “troca de locomotiva” na economia mundial que é sustentável no longo prazo, graças ao papel das reformas em países como o Brasil, à maior integração sul-sul e ao apetite da China por commodities.

“A redução e durabilidade dos menores prêmios dos emergentes compensará uma eventual elevação de juros internacionais”, diz Canuto, que acaba de lançar o livro O dia depois de amanhã – um manual para o futuro da política econômica no mundo em desenvolvimento.

“Além disso, os preços das commodities não vão voltar a patamares baixos, porque a mudança do perfil de crescimento econômico mundial para os emergentes implica uma demanda forte vinda de países onde o padrão de consumo e de PIB é muito mais intensivo no uso de commodities, como a China”, diz Canuto, que foi secretário de Assuntos Internacionais no Ministério da Fazenda.

Abaixo, trechos da entrevista ao 'Estado':

O Sr. fala em uma “troca de locomotivas”, em que os países emergentes assumem a dianteira do crescimento global por um bom tempo. Mas essa nossa fase boa é sustentável, resistirá a uma elevação nos juros internacionais ou queda nos preços das commodities?

Os países emergentes com boa política fiscal, inflação ajustada e câmbio que permitiu criar reservas, tiveram queda no prêmio de risco antes da crise. O prêmio não subiu muito durante a crise e continuou caindo depois – isso contrabalança a pressão de alta de juros vinda dos países centrais. A redução e durabilidade dos menores prêmios vai compensar uma eventual elevação de juros internacionais. Além disso, se esses países mantiverem a saúde fiscal, podem sobreviver mais facilmente a um solavanco de juros lá fora. As commodities não vão voltar aos preços baixos de 1990, por causa da mudança do perfil de crescimento econômico mundial para os emergentes, que implica uma demanda mais forte vinda de países onde o padrão de consumo e de PIB é muito mais intensivo no uso de commodities, como a China.

A China vai continuar crescendo e demandando commodities?

Sim, mas o fenômeno de sustentação de crescimento vai além da China e da Índia. Mesmo quando China e Índia são retiradas dos dados, os emergentes como um todo ainda apresentam crescimento bom, excluindo Europa Oriental e parte da América Latina, como Venezuela.

O déficit em conta corrente do Brasil está aumentando rapidamente. Isso é preocupante?

Se o déficit em conta corrente continuar subindo de forma explosiva, em algum momento será necessário ajuste. No patamar atual, não é um grande problema, diante da capacidade do País de absorver investimentos diretos. Mas, lá adiante, certamente teremos de fazer ajuste. No entanto, esse ajuste não precisa ser apenas por meio do câmbio. Se houver racionalização no gasto público, com foco maior na qualidade do gasto público, pode-se aumentar a poupança pública e compensar parcialmente a tendência de déficit em conta corrente, que hoje se deve à expansão extraordinária da demanda doméstica.

O Sr. fala em seu livro que se concentrar na exportação de commodities – e o Brasil vem passando por uma nítida primarização da pauta – não é necessariamente ruim. Por quê?

Não existe necessariamente uma “maldição dos recursos naturais”. É possível ter desenvolvimento com base nos recursos naturais. Há experiências desastrosas, que justificam o nome maldição de recursos naturais. Mas há experiências exitosas, países que ao longo da história progrediram e a renda extraordinária dos recursos naturais permitiu uma acumulação de capital em outras áreas, e agora eles dependem menos de commodities. Malásia e Botswana são bons exemplos. Não é por acaso que Botswana tem classificação de risco de país avançado.

O que o Brasil deveria fazer para não cair na maldição das commodities?

Antes de tudo, é preciso dizer que os riscos da doença holandesa são reais, porque com uma descoberta como a do pré-sal há inevitavelmente uma valorização enorme da atividade econômica ligada a recursos naturais não renováveis. É mais importante que nunca uma gestão macroeconômica para evitar que essa renda criada por meio dos recursos minerais exauríveis se transforme em fonte de superexpansão de demanda. Aí entra a importância de políticas fiscais que capturem esses recursos.

FUNDOS ANTICÍCLICOS, SEMELHANTES AO DO CHILE?

Exatamente. Há muitos exemplos, fundos anticíclicos e de longo prazo, que usam a receita extraordinária para criação de outros ativos, para investir em tecnologia, educação da população. Como os recursos são exauríveis, o grande risco é ter a exploração e, lá adiante, o país voltar ser pobre porque acabam os recursos.

QUAIS PAÍSES ESCAPARAM DA MALDIÇÃO DAS COMMODITIES FAZENDO ISSO, ALÉM DO CHILE?

A Malásia, que fez grande descoberta de cobre, tem um bom programa disso. Países que hoje são avançados, como Noruega, Austrália, Canadá, em um determinado momento se defrontaram com esse risco de uma maldição. A criação de um fundo também serve para atenuar outro problema dos recursos naturais, a volatilidade, porque implementa uma política sistemática de acumular nos momentos de prosperidade e usar nos momentos de baixa de preço.

O Fundo Soberano do Brasil poderia fazer isso?

Ele pode muito bem evoluir para isso. No Brasil, o grande risco é cair num estado de complacência por conta da riqueza fácil do recurso mineral. Pensar: ficamos ricos e agora é só relaxar. É preciso usar essa grande oportunidade para construir os ativos, Pode ser uma bênção e não uma maldição. É preciso estabelecer politicas que induzam agentes econômicos a investir, buscar eficiência.

Por muito tempo, a estratégia do governo de priorizar a integração sul-sul foi criticada como sendo negligência dos Estados Unidos. Mas o sr. diz no livro que esse foi um dos grandes motivos para os emergentes se transformarem em motor do crescimento e que isso vai continuar, porque a economia dos EUA e de outros países avançados vai continuar lenta…

Esse é um fenômeno que nós temos chamado de “Crescimento impulsionado por exportação versão 2.0″; Não se trata mais de países emergentes como a China crescendo somente à custa de exportações para nações como os Estados Unidos. Desde o ano 2000 o comércio sul-sul já vem crescendo mais rápido que o norte-sul, e não é apenas o Brasil vendendo minério de ferro para a China…

E como é que nós vamos conseguir ultrapassar essa tendência de fornecer commodities para a China, quando vamos conseguir vender industrializados? Porque nós estamos perdendo espaço para a China na exportação de manufaturados para a América Latina, nosso grande mercado.

Essa também é uma das respostas ao risco de doença holandesa, Precisamos tratar de melhorar nossa competitividade pelo lado de custos, insumos, serviços. E precisamos “fugir para frente”, porque essa concorrência de manufaturados de baixo custo, intensivos em mão de obra não especializada na Ásia, é algo que ainda tem um fôlego enorme lá. A Alemanha, por exemplo, está se dando bem porque tem nichos de alta qualidade manufatureira, que vende bem pra China. O que está salvando a Alemanha não são os Estados Unidos. É o mercado asiático, que compra máquinas deles. Precisamos nos focar em produtos de maior tecnologia e serviços com maior conteúdo tecnológico.

Em relação ao chamado “decoupling”, com os emergentes como motores do crescimento mundial, isso significa que não vamos mais pegar pneumonia quando os EUA e a Europa tiverem uma gripe?

Esse desacoplamento diz respeito à tendência de crescimento, mas não significa desacoplar ciclo, nas altas e baixas. Se houver o “duplo mergulho” nos Estados Unidos, é claro que o mundo em desenvolvimento vai sentir. Mas a média de crescimento é mais alta nos países em desenvolvimento, e vai continuar.

O Sr. fala que o mundo em desenvolvimento é o novo motor de crescimento, mas o desequilíbrio global se mantém. A China, por exemplo, continua poupando demais e crescendo à custa de exportações, e não de seu mercado interno…

A China está evoluindo a direção de criar um mercado consumidor. Há controvérsia sobre isso, a guerra cambial, como diz o ministro Mantega (ministro da Fazenda, Guido Mantega). Mas a controvérsia diz respeito mais ao ritmo, à velocidade do ajustamento, da valorização do yuan. A direção é de maior importância da absorção doméstica na China em relação a mercados externos. Por isso é importante haver liberalização comercial também nos países emergentes.

O Sr. deu aulas para a candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff. O que pode falar sobre a personalidade da candidata?

Dei aulas à Dilma antes de ela entrar no governo do Rio Grande do Sul. Ela fez duas disciplinas comigo, macroeconomia convencional e macroeconomia estrutural. Em 1997, 1998, o tema que a encantava era a geração de modelos econômicos tratando dos ataques especulativos. O debate na época era a sustentabilidade do sistema cambial fixo e semifixo. Ela tinha uma formação muito boa, contribuía muito, era aguda, muito crítica.”

FONTE: escrito por Patrícia Campos Mello, publicado no O Estado de S.Paulo e postado no blog de Luis Favre (http://blogdofavre.ig.com.br/2010/10/paises-emergentes-serao-locomotiva-do-crescimento-mundial/).

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