segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

A CRISE DE 1930, A QUEIMA DO CAFÉ, A 2ª GUERRA E A ERA DOURADA



“Para o pensamento conservador, inclusive dos comentaristas econômicos da mídia – e a brasileira não é exceção – a boa economia deve ser a menos política possível. A política interfere e polui a atividade harmonizadora dos fluxos econômicos, perturbando-a com as exigências peculiares da disputa, que pode ser tanto social, teórica ou reivindicações de segmentos e classes sociais.

Por Samuel Sérgio Salinas

Examinada desse ponto de vista, a “Grande Depressão” dos anos 1930 do século passado e suas consequências foi fenômeno tipicamente econômico-financeiro.

A nossa proposta é acrescer a descrição dos acontecimentos econômicos com a visibilidade de intensa atividade política desses anos que precederam a mais devastadora das guerras, onde a decisão política inaugurou a barbárie da era atômica.

Como já vimos em outra oportunidade, o “New Deal”, embora tenha introduzido modificações conceituais na atividade social e econômica dos norte-americanos naqueles anos, esgotara o seu potencial mudancista em 1937, com o reaparecimento dos sintomas do recrudescimento da crise. O decréscimo da atividade ocorreu em fins de 1936 e princípios de 1937, quando os gastos do governo foram bruscamente cortados.

Nos países em que predominava o setor primário (exportadores de “comoditties”), a produção das minas e da agricultura, desde o princípio dos anos 1930, era vendida a preços inferiores aos custos de produção.

No Brasil, a queda nas exportações de café caiu mais da metade entre 1929 e 1932. O preço do produto despencou um terço em 1931. A entrada de capital estrangeiro cessou quase por completo em 1932, informa Werner Baer, que acrescenta que o Brasil foi o primeiro país latino-americano a introduzir o controle do câmbio e outras medidas diretas da mesma natureza, combinados com a desvalorização da moeda, reduzindo as importações em cerca de dois terços. Muito café, porém, foi queimado.

O valor da produção destruída era muito inferior ao montante da renda criada, informa Celso Furtado. Essa providência antecipa as recomendações de Keynes, ou seja, a construção de pirâmides para sustentar o emprego, a renda e o consumo. No caso brasileiro, permitiu manter a produção e o emprego de cerca de 200.000 trabalhadores. A produção prosseguiu, graças aos subsídios à agricultura, patrocinado pelo “Conselho Nacional do Café”, conhecidos como “socialização dos prejuízos”.

Um tanto paradoxalmente, a queda nas importações de produtos industrializados favoreceu a indústria nacional: foi a nossa segunda substituição de importações, lembrando que a primeira ocorreu durante a conflagração de 1914-1918. Parte da divida brasileira foi suspensa: a crise da dívida dos anos 1930, que se estendeu célere e feroz aos países subdesenvolvidos, ofereceu aspectos semelhantes às mais recentes crises ocorridas durante o predomínio neoliberal dos anos antecedentes ao governo Lula da Silva.

A interação cidade-campo nos anos de crise em todo o mundo produziu o circulo vicioso que debilitou o conjunto. Forçados pela queda dos produtos primários de exportação, os países da periferia foram obrigados a desvalorizar as suas moedas para continuar no mercado. A situação não era exclusiva dessas economias, caracterizadas na época de subdesenvolvidas.

10 MILHÕES DE DESEMPREGADOS

American way of life

Em 1939, o desemprego nos Estados Unidos atingia 10 milhões de trabalhadores. As reformas sociais estavam desaparecendo, sufocadas por sólida coalizão conservadora no Congresso norte-americano e disputa interna no seio da administração Roosevelt.

A situação do conflito europeu, que espelhava a disputa entre os países colonialistas, estava prenunciando o conflito, por mais que ingleses e franceses transigissem com o nazismo. Em Munique, em setembro de 1938, assumiram a responsabilidade pelos objetivos expansionistas da Alemanha e da Itália, supondo que o espaço vital germânico seria obtido a Leste, nas imensas estepes da URSS, suposição acertada, mas não concretizada, a despeito da destruição imposta aos soviéticos, da infraestrutura industrial, de milhares de cidades e grande parte da juventude morta em combate e nos campos de concentração.

Quando caiu a França, quase sem combater, o caráter da conquista do mundo pelo nazismo adquiria a feição do real propósito da Alemanha. Os Estados Unidos, embora comprometidos com a isolacionismo das camadas mais conservadoras, seriam envolvidos no conflito. A opinião de 85% dos consultados pela Gallup, 68% acreditava ser mais importante derrotar a Alemanha do que manter o país fora da guerra. Por sua vez, Roosevelt estava convicto do auxílio à Grã-Bretanha e promulgou a lei de “Empréstimos e Arrendamentos” de março de 1941 que beneficiou a Inglaterra, em plena guerra, lei decretada em 1939, após a invasão da Polônia pelos alemães. A “Carta do Atlântico” de agosto do mesmo ano definiu os objetivos comuns dos Estados Unidos e da Inglaterra em relação ao futuro mundial.

PREPARATIVOS MILITARES

bombardeio a Pearl Harbor
A surpresa da declaração de guerra aos Estados Unidos – iniciativa alemã e italiana do dia 11 de dezembro de 1941- para cumprir a aliança Berlim-Tóquio-Roma não foi tão grande, pois os preparativos militares já haviam sido iniciados antes do bombardeio a Pearl Harbor, importante base da marinha americana no Pacífico, mediante criação de organismos como a “National Advance Divisory”. Ainda mais decisiva, em setembro de 1940, fora promulgada a primeira lei sobre serviço militar obrigatório em tempo de paz.

Para se formular uma ideia da magnitude da tarefa que os Estados Unidos enfrentaram durante a guerra, 14 milhões de homens e mulheres serviram durante o conflito, outros 10 milhões somaram-se a estes, em setores civis; finalmente, o custo da 2ª Guerra foi dez vezes maior do que o exigido pela primeira. O governo assumiu a direção do conjunto de medidas em todos os aspectos necessários ao prosseguimento da intensa mobilização, não só militar e econômica.

A interferência na mídia foi rigorosa. A censura era dirigida pelo “Office of Censorship” na correspondência pessoal. Maior importância teve o “Office of Scientific Research and Development” que coordenou os projetos de investigação e desenvolvimento militar dos armamentos e material de guerra, estabelecendo acordos com universidades, institutos de pesquisas, um verdadeiro exército de cientistas. Para os observadores, aí está a raiz do “complexo militar-industrial” que iria desempenhar grande papel no pós-guerra, pois o engajamento da indústria foi um dos fatores do poderio americano durante e após a guerra.

A oportunidade de ampliar os meios de alcance social, decorrentes de medidas do “New Deal”, foi lamentavelmente perdida. Deixaram os americanos de lado a legislação antitruste, circunstância que permitiu a formação de oligopólios de várias naturezas. Por outro lado, não ocorreram aumentos do salário mínimo, sob pretexto de inflação; foi abandonado um plano de saúde formulado pelos liberais e congelados planos de seguridade social. Alguma coisa, contudo, sobreviveu a esse retorno ao mundo do “laissez-faire” americano, a exemplo do “momento keynesiano”, ou seja, das receitas para despesas públicas visando a incentivar o pleno emprego e o investimento.

QUASE 100 BILHÕES DE GASTOS

Em 1945, os gastos federais orçaram US$ 98 bilhões, o desemprego, existente com a desmobilização, praticamente foi muito reduzido e o país galgou novos níveis de produção e prosperidade. Os veteranos de guerra foram beneficiados com um conjunto de medidas, desde empréstimos para aquisição de moradias, inclusive pequenas explorações agrícolas, bolsas de estudo e pensões alimentícias. Foi excelente o retorno financeiro e social dessas medidas. Passados alguns anos, cerca de um terço da população, direta ou indiretamente foi favorecido pelas medidas. Em 1946, após a guerra, o “Fair Deal” foi um programa estatal de incremento da proteção social visando o pleno emprego, dotação de fundos públicos para a construção de moradias, incremento do salário mínimo e aumento dos benefícios destinados à seguridade social. Lamentavelmente, isso durou apenas cerca de vinte e anos.

Nos anos imediatos do pós-guerra, a inflação produziu conflitos entre os empregadores e os operários, consubstanciados no grande número de greves, organizadas pelos sindicatos (“unions”) para impedir que os trabalhadores sofressem os efeitos desastrosos que a inflação acarreta aos que vivem de salário.

As eleições para o Congresso de 1946 beneficiaram os republicanos pela primeira vez em mais de uma década, o que representou derrota do “New Deal”. O programa do novo Congresso, supondo que tivesse algum, observa o historiador Harold Faulkner, era, substancialmente, reduzir impostos, equilibrar o orçamento, restringir a organização e atividade dos sindicatos trabalhistas. Enfim, obter legislação que cerceasse a atividade sindical (“antilabor legislation”).

Deprimir a arrecadação no momento em que havia programa de rearmamento (“Guerra Fria”) e a responsabilidade pelo financiamento da Europa ocidental, soava como um despropósito, o bipartidarismo prossegue desajustando as perspectivas, não só pela intermitência das dissensões no Congresso, como pela alternância quase regular de republicanos e democratas nas eleições para o legislativo. Em 1948, a eleição congressual elege os democratas e seu propósito de reiterar os melhores momentos do “New Deal”. Segue-se, porém, em 1952, o retorno dos republicanos.

Depois da guerra, os Estados Unidos desempenharam o principal papel na ONU, especialmente através do “Economic and Social Council of United Nations”.

CONFERÊNCIA DE BRETTON WOODS

Na “Conferência de Bretton Woods”, em 1944, para a criação de um novo sistema monetário internacional, prevaleceu o plano dos Estados Unidos pelo qual todas as moedas dos países participantes seriam conversíveis em dólar. Porém, o dólar seria conversível em ouro à razão de 35 dólares a onça troy, apenas para os bancos centrais.

Decorre a predominância do dólar como moeda de reserva para o sistema monetário, situação que, a despeito do que ocorreu presentemente nesta crise de 2008-2011, ainda subsiste, apesar do claro enfraquecimento da economia dos Estados Unidos. A criação de organismos internacionais para esse propósito foi completada pela fundação do “International Bank of Reconstruction and Development”, o BIRD, com o objetivo de financiar os países atingidos pela destruição militar e emprestar aos estados que projetassem complementar o seu desenvolvimento. O “International Monetary Fund”, o famoso FMI, destinava-se a estabilizar as moedas e facilitar o comércio internacional. Em 1947, incluiu-se o GATT, um acordo sobre tarifas e comércio. Esses instrumentos tinham por propósito regular as relações internacionais, inexistentes até a época. A FAO, a UNESCO e outras instituições internacionais, foram criadas e, para todas elas, os Estados Unidos contribuíam com fundos majoritários.

Em 1947, a “Doutrina Truman” permitiu que os Estados Unidos se envolvessem militarmente na defesa de qualquer país que fosse ameaçado em sua liberdade. Na ocasião, havia uma disputa civil na Grécia (1941-1950) entre o “Exército de Liberação Nacional Popular”, controlado pelo Partido Comunista Grego e o governo conservador, apoiado pela Grã-Bretanha. Baseado nessa doutrina, os norte-americanos apoiaram o governo grego e lograram incorporar o país à OTAN em 1952. Idêntica intervenção militar foi decisiva para solucionar questões semelhantes na Turquia e nas Filipinas. Substancial mesmo foi o montante dirigido à China dos nacionalistas de Chang Kai Sheck que lutavam contra Mao Tse Tung.

Em 1948, o “Plano Marshal” iniciou a ajuda financeira a uma série de países europeus, exponencialmente a Alemanha, a fim de evitar a socialização e permitir aos EUA exportar para a Europa os excedentes de sua produção. Nos anos 1950 e 1960, os Estados Unidos aumentaram consideravelmente a emissão de dólares para financiar a sua expansão. O valor do dólar distanciou-se muito acima do preço oficial. Os bancos centrais, ante essa desvalorização da moeda americana, concordaram em não adquirir ouro no mercado livre a fim de manter o sistema garantido pelo dólar. A impressão de dólares prosseguiu lançando sombria perspectiva para os possuidores da moeda: a inflação.

Em 1971, com Richard Nixon, que renunciaria três anos depois, os Estados Unidos decidem abolir a conversibilidade do dólar em ouro ante a ameaça de que os bancos centrais vendessem seus dólares em troca do metal, o que implicaria na redução das reservas americanas. O sistema de “Breton Woods” se extingue. O empenho norte-americano por “Breton Woods” decorria do interesse pela ampla liberdade de intercâmbio, o livre comércio, sempre favorável ao grande empório do Ocidente, os Estados Unidos. Einchengreen afirma que, sem a ênfase no livre comércio, incluída nos artigos do acordo, teria sido improvável que o Congresso tivesse concordado em ratificar o documento.

Como não desconhecem os historiadores e economistas, somente com o início da 2ª Guerra Mundial os Estados Unidos retornaram ao pleno emprego, estimulado pelos déficits financiados pelo governo para a aquisição de armamento. O que não ocorreu pela recuperação da atividade econômica empresarial, muito desequilibrada na época. A paz , em 1945, acarretou a desmobilização de milhões de soldados, produziu queda na produção e o consequente aumento do desemprego. A partir de 1946, a situação se inverte aceleradamente. A despesa, o gasto público, aumenta para sustentar a modernização das instalações industriais e a construção de moradias. Concomitantemente, os Estados Unidos se transformam no maior exportador mundial de bens e de investimento de capitais para a Europa, sem menosprezar o “resto do mundo” como o classificam os economistas. Foram os anos dourados e felizes, pois muitos acreditaram na bem-aventurança e dela forjaram as suas esperanças no liberalismo que, para não parecer velho, chamou-se de “novo”.

Anos deslumbrantes dos “milagres econômicos

Os economistas, afirma Mattick, se derretiam à ideia de que sua “ciência” se revelava como a esperança do mundo. Apostava-se na decolagem dos países subdesenvolvidos que deviam fazer a lição de casa prescrita pelo FMI, no estilo dos “chicagos boys” de Pinochet. Alguns, mais açodados, abandonaram a esquerda rumo ao conforto e segurança da direita. Crise, nunca mais. O capital se desdobrava na sua eternidade para os que se libertavam de compromissos e esperanças que julgaram impossíveis.”

FONTE: escrito por Samuel Sérgio Salinas, sociólogo, jornalista e advogado, procurador de justiça aposentado do Estado de SP. Foi redator econômico do jornal “Gazeta Mercantil” na década de 1960. Artigo publicado no portal “Vermelho”  (http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=170692&id_secao=1) [imagens do Google adicionadas por este blog ‘democracia&política’]

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