Dilma Rousseff na festa dos 90 anos da ‘Folha’
Por Gilberto Maringoni
“Enquanto seus apoiadores acusam a mídia de ser golpista, governo prestigia e destina farta publicidade aos grandes meios de comunicação. Uma única edição de ‘Veja’ teria recebido cerca de R$ 1,5 milhão em anúncios oficiais. É preciso regular e democratizar as comunicações. Mas também é necessário deixar mais claro os interesses de cada setor nessa disputa.
No espaço de pouco menos de dois meses, dois ministros do governo Dilma foram fulminados por denúncias de atividades obscuras. Os demitidos foram os titulares do Esporte, Orlando Silva, e do Trabalho, Carlos Lupi. Os ataques partiram da grande imprensa, mais exatamente da revista ‘Veja’ e dos jornais ‘Folha de S. Paulo’ e ‘Estado de S. Paulo’. Logo, as matérias ganhariam o espaço avassalador das telas de TV, com destaque para o ‘Jornal Nacional’, da Rede Globo. No mesmo período, mas dois membros do primeiro escalão entraram na linha de tiro da mídia. São eles Mario Negromonte (Cidades) e Fernando Pimentel (Desenvolvimento).
Aliados do governo tentaram desqualificar não apenas as denúncias, mas os veículos que as difundem. Volta o debate de que estaríamos diante de mídia golpista, que não se conforma com a mudança de rumos operada no país desde 2003, que quer inviabilizar o governo etc. etc. Em parte têm razão.
A grande imprensa, por sua vez, viciou-se em acusar todos os que discordam de seus métodos de 'clamarem pela volta da censura'. Há muita fumaça e pouco fogo nisso tudo, mas faz parte do show. Disputa política é assim mesmo.
MANIQUEÍSMO
É preciso colocar racionalidade no debate sobre os meios de comunicação no país, para que não deslizemos para maniqueísmos estéreis. Vamos, antes, enunciar um pressuposto.
A grande imprensa brasileira está concentrada em poucas mãos. Oito empresas – Globo, Bandeirantes, Record, SBT, Abril, Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo e Rede Brasil Sul (RBS) – produzem e distribuem a maior parte da informação consumida no Brasil.
As corporações existentes há cinco décadas – Globo, Estado, Folha e Abril – apoiaram abertamente o golpe de 1964. Até hoje não explicaram à sociedade brasileira como realizam a proeza de falar em democracia tendo esse feito em sua história.
Entre todos os meios, a revista ‘Veja’ se sobressai como o produto mais truculento e parcial da imprensa brasileira.
Sobre golpismo, é bom ser claro. As classes dominantes brasileiras não se pautam pelas boas maneiras na defesa de seus interesses. Sempre que precisaram, acabaram com o regime democrático. Usaram para isso, à farta, seus meios de comunicação.
A IMPRENSA É GOLPISTA?
No entanto, até agora não se sabe ao certo porque essa mídia daria um golpe nos dias que correm. O sistema financeiro colhe aqui lucros exorbitantes. A reforma agrária emperrou. Grandes empresários possuem assento em postos proeminentes do Estado – caso de Jorge Gerdau Johannpeter – ou têm seus interesses mantidos intocados".
[OBS deste blog 'democracia&política': Será que 'o golpe', os ataques acirrados da mídia contra os governos Lula e Dilma, decorrem somente do fato de que a mídia ganhava ainda muito mais no governo demotucano neoliberal FHC e tinha atendidos pelo governo todos os seus interesses (isto é, os interesses dos grandes grupos financeiros e econômicos estrangeiros que a movem)? Será que o dinheiro advindo atualmente de anúncios do governo federal, por maior que seja, é relativamente pequeno frente aos recursos que recebe a mídia dos grandes grupos estrangeiros e, indiretamente, dos governos das grandes potências, especialmente dos EUA? Sobre isso, recordo um fato impressionante que foi completamente escondido pela nossa mídia: o ex-chefe no Brasil do “Federal Bureau of Investigation” (FBI) no período 1999-2003, declarou que “uma das importantes funções que a Embaixada dos EUA no Brasil tinha era influenciar, manipular, conduzir, controlar a imprensa brasileira, inclusive comprando-a para atender os nossos interesses” (depoimento dele à “Carta Capital” nos 283 e 284, de 24 e 31/03/2004). O estranho foi a imprensa brasileira calar completamente sobre aquelas bombásticas informações vazadas pelo alto funcionário norte-americano do FBI, de que a nossa mídia era frequentemente comprada pelos EUA. Não houve repercussão]. [Prossigamos com a artigo de Gilberto Maringoni:]
"Algumas peças não se encaixam na acusação de golpismo da mídia. Voltemos à revista ‘Veja’. Os apoiadores do governo precisam explicar porque a administração pública forra a publicação com vultosas verbas publicitárias, além de sempre prestigiarem suas iniciativas. Vamos conferir, pois está tudo na internet.
‘Veja’ tem uma tiragem de 1.198.884 exemplares, auditados pelo IVC. Alega ter total de 8.669.000 leitores. Por conta disso, os preços de seus espaços publicitários são os mais altos entre a imprensa escrita. Veicular um reclame em uma página determinada sai por R$ 330.460. Já em uma página indeterminada, a dolorosa fica por R$ 242.200.
Quem anuncia em ‘Veja’? Bancos, a indústria automobilística, gigantes da informática, monopólios do varejo e… o governo federal. Peguemos um exemplar recente para verificar isso.
Na edição de 12 de outubro – que noticiou a morte de Steve Jobs – havia cinco inserções do governo federal. Os anúncios eram do Banco do Brasil (página dupla), do BNDES, do Ministério da Justiça, da Agência Nacional de Saúde e da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. Supondo-se que as propagandas não foram destinadas a páginas determinadas e que os preços de tabela foram efetivamente cobrados, teremos total de R$ 1.525.200.
Exato: em uma semana apenas, o governo federal destinou R$ 1,5 milhão ao semanário dos Civita, a quem seus aliados chamam de “golpista”.
PRESTÍGIO POLÍTICO
Há também o prestígio político que o governo confere ao informativo. Prova disso foi o comparecimento maciço de ministros de Estado e parlamentares governistas à festa de quarenta anos de ‘Veja’, em setembro de 2008. Nas comemorações, estiveram presentes o então vice-presidente da República, José Alencar, o ex-presidente do BC, Henrique Meirelles, o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, a então ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, o ex-ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, o ex-ministro da Justiça, Marcio Thomaz Bastos, o ministro da Educação, Fernando Haddad e a senadora Marta Suplicy (confiram em http://veja.abril.com.br/veja_40anos/40anos.html).
E entre julho de 2010 e julho de 2011, nada menos que seis integrantes dos altos escalões governamentais concederam entrevista às páginas amarelas da revista. São eles: Dilma Rousseff, Aldo Rebelo, Cândido Vaccarezza, Antonio Patriota, General Enzo Petri e Luciano Coutinho.
Nenhum demonstrou o desprendimento e a sensatez do assessor especial da presidência, Marco Aurélio Garcia (então presidente interino do PT). Ao ser convidado para conceder uma entrevista a Diogo Mainardi, em novembro de 2006, deu a seguinte resposta: “Sr. Diogo Mainardi, há alguns anos – da data não me lembro – o senhor dedicou-me uma coluna com fortes críticas. Minha resposta não foi publicada pela ‘Veja’, mas sim, a sua resposta à minha resposta, que, aliás, foi republicada em um de seus livros. Desde então, decidi não falar com a sua revista. Seu sintomático compromisso em não cortar minhas declarações não é confiável. Meu infinito apreço pela liberdade de imprensa não vai ao ponto de conceder-lhe uma entrevista”.
RBS, OLÍVIO E LULA
As relações ambíguas do governo e dos partidos da chamada base aliada com a grande mídia não se restringem à ‘Veja’.
Entraram para a história a campanha de denúncias e desgaste sistemático que os veículos da RBS moveram contra o governo de Olívio Dutra (1999-2003), do PT, no Rio Grande do Sul. Ataques sem provas, calúnias, mentiras e todo tipo de baixaria foi utilizada para inviabilizar uma gestão que buscou inverter prioridades administrativas. No auge dos ataques, em 2000, o jornal ‘Zero Hora’, do grupo, fez um ousado lance de marketing. Convidou Luís Inácio Lula da Silva para ser colunista regular. Até a campanha de 2002, o futuro presidente da República escreveu semanalmente no jornal, como se não tivesse relação com as ocorrências locais. Quando abriu mão da colaboração, Lula afirmou que o jornal prejudicava seu companheiro gaúcho. O jornal ganhou muito mais que o ex-metalúrgico nessa parceria. Ficou com a imagem de veículo plural e tolerante.
No mesmo ano, o ex-Ministro José Dirceu foi entrevistado pelo ‘Pasquim 21’, jornal lançado pelo cartunista Ziraldo. Naqueles tempos, as empresas de mídia enfrentavam aguda crise, por terem se endividado em dólares nos anos 1990. Com a quebra do real no final da década, os débitos ficaram impagáveis. Lá pelas tantas, Dirceu afirmou que salvar a ‘Globo’ seria uma “questão de segurança nacional”.
COMEMORANDO JUNTOS
As boas relações com a grande mídia se mantiveram ainda nas comemorações dos 90 anos da ‘Folha de S. Paulo’, em janeiro deste ano. Estiveram presentes à festa a presidente Dilma Rousseff – convidada de honra, que proferiu discurso recheado de elogios ao jornal – a senadora Marta Suplicy, colunista do mesmo, Candido Vaccarezza, líder do governo na Câmara, os ex-Ministros José Dirceu e Marcio Thomaz Bastos e o prefeito de São Bernardo, Luiz Marinho. A ‘Folha’ também recebe farta publicidade governamental, do Banco do Brasil, da Petrobrás, da Caixa Econômica federal, entre outras.
Nos momentos de dificuldade, dirigentes do governo procuram sempre a grande imprensa para exporem suas idéias. Foi o caso de Antonio Pallocci, em 3 de junho último. Acossado por denúncias de enriquecimento ilícito, o ex-Chefe da Casa Civil convocou o ‘Jornal Nacional’, para dar suas explicações ao público.
O mesmo Antonio Palocci – colunista da ‘Folha de S. Paulo’ entre 2009 e 2010 – dividiu mesas com Roberto Civita, Reinaldo Azevedo, Demetrio Magnoli, Arnaldo Jabor, Otavio Frias Filho e outros, em palestra no afamado ‘Instituto Millenium’, em março de 2010. A entidade congrega empresários do ramo e seus funcionários e se opõe a qualquer tipo de regulação em suas atividades.
Os casos de proximidade do governo e seus partidos com a imprensa são extensos. Uma das balizas dessas relações é o bolo da publicidade oficial. Segundo a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, a receita publicitária oficial em 2010 foi de R$ 1.628.920.472,60. Incluem-se aí os custos de produção e veiculação de campanhas, tanto da administração direta quanto indireta. Ressalte-se aqui um ponto: é legítimo o governo federal valer-se da publicidade para se comunicar com a população. A maior parte do bolo vai para os grandes grupos do setor.
No caso das compras de livros didáticos feitos pelo MEC, para as escolas públicas, o grande beneficiário é o ‘Grupo Abril’, que edita ‘Veja’.
RECLAMAÇÃO E DEMOCRATIZAÇÃO
Apesar de o PT, partido do governo, ter feito moção sobre a democratização das comunicações em seu último Congresso, que gerou seminário sobre o tema há poucas semanas, e do ex-ministro José Dirceu ter sido injustamente atacado recentemente pela ‘Veja’, é difícil saber exatamente que tipo de relação governo e partidos aliados desejam manter com os meios de comunicação. De um lado, como se vê, acusam a mídia de ser golpista. De outro, lhe dão todo o apoio.
Alguns petistas se especializam também em utilizar o espaço da mídia para suas disputas palacianas. O jornalista Amaury Ribeiro Jr., por exemplo, em seu bombástico ‘A privataria tucana’, insinua claramente que o atual presidente do PT, Rui Falcão, teria vazado informações dos bastidores da campanha de Dilma Rousseff, no primeiro semestre de 2010, para nada menos que a revista ‘Veja’. Jornalista, Falcão é o mesmo que capitaneou o seminário petista sobre regulação dos meios de comunicação.
Pode ser que petistas e governantes tenham medo da mídia. Mas não se pode é ter duplo comportamento no caso. Diante da opinião pública, falam uma coisa, enquanto agem de forma distinta na prática.
O ex-presidente Lula reclamou muito da imprensa em seu último ano de mandato. No entanto, “Não houve qualquer alteração fundamental no quadro de concentração da propriedade da mídia no Brasil entre 2003 e 2010”. Essa constatação é feita pelo professor Venício Lima em brilhante artigo, publicado no final de 2010.
As resoluções da ‘Conferência Nacional de Comunicação’, realizada em 2009, mofam em algum escaninho do Ministério das Comunicações. O ‘Plano Nacional de Banda Larga’, que deveria fazer frente ao monopólio das operadoras privadas, acabou incorporando todas as demandas empresariais. O projeto de regulação da mídia elaborado pelo ex-ministro Franklin Martins desapareceu da agenda.
Por fim, vale uma nota. Temerosos com a chegada das gigantes da telefonia produzindo conteúdo televisivo e radiofônico para o mercado doméstico, os grupos ‘Globo’, ‘Bandeirantes’, ‘Record’ e ‘SBT’ fizeram intensa pressão pela aprovação da lei 12.485. O governo cedeu. A nova norma garante reserva de mercado para as velhas empresas de comunicação, embora as teles possam atuar na distribuição. O conjunto seguirá como um dos clubes mais fechados do mundo.
Como se pode ver, o governo e seus partidos de sustentação convivem muito bem com a mídia como ela é. Têm muita proximidade e pontos de contato, apesar de existirem vozes isoladas dentro deles, que não compactuam com a visão majoritária.
Nenhum dos lados tem moral para reclamar do outro…”
FONTE: escrito por Gilberto Maringoni, jornalista, doutor em História pela FFLCH-USP e professor da Fundação Casper Líbero. É autor, entre outros, de ‘Ângelo Agostini – A imprensa ilustrada da Corte à Capital Federal, 1864-1910’ (Devir Livraria, 2011). Artigo especial para o portal “Viomundo” (http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/gilberto-maringoni-sobre-relacoes-ambiguas-com-a-midia.html) [imagem do Google adicionada por este blog ‘democracia&política’]
3 comentários:
Pepe Escobar: “Mensagem da América Latina ao Mundo Árabe”
09/12/2011, Pepe Escobar, Al-Jazeera, Qatar
Latin America’s message to the Arab world
Traduzido pelo Coletivo da Vila Vudu
FOTO > Olhem bem essa foto de 1970.
Essa moça de 22 anos está diante de um bando de inquisidores subtropicais, para ser interrogada.
Hoje presidenta do Brasil, Dilma Rousseff foi torturada em 1970 pela junta militar que governava o país [Ricardo Amaral]
Foi torturada com choques elétricos e sofreu simulação de afogamento – práticas que, para Dick Cheney, são apenas “interrogatório estimulado” – durante 22 dias.
E não cedeu.
Hoje, essa mulher, Dilma Rousseff, é presidenta do Brasil – aquele perene “país do futuro”, a 7ª maior economia do mundo (à frente de Grã-Bretanha, França e Itália), país-membro dos BRICS, mestre de um soft Power que vai além da música, do futebol e da alegria de viver.
Essa foto acaba de ser divulgada, como parte de uma biografia de Rousseff, exatamente quando o Brasil afinal cria uma Comissão da Verdade, para saber o que realmente aconteceu durante a ditadura militar (1964-1985). A Argentina já fez esse trabalho, bem antes do Brasil – julgando e punindo os inquisidores de uniforme sobreviventes.
Esse sábado, Rousseff estará em Buenos Aires, para a cerimônia de posse de Cristina Kirchner, reeleita presidenta da Argentina. Esses dois países chaves da América do Sul têm mulheres na presidência. Contem lá àquele Tantawi da junta que governa o Egito – ou àqueles exemplares paradigmáticos de democracia da Casa de Saud.
Essas coisas demoram...
Os egípcios talvez não saibam que os brasileiros tiveram de esperar 21 anos para livrarem-se de uma ditadura militar. Equivalentes de Dilma, a que não quebra e que se vê na foto dos anos 1970s, hoje da geração Google, estão lutando por melhor democracia, do Cairo a Manama, de Aleppo ao leste da Arábia Saudita.
Liberdade é o nome que se dá ao que resta quando já nada se tem a perder – além de tempo, muito tempo. No Brasil, uma verdadeira democracia estava começando a avançar, quando, em 1964, foi esmagada por um golpe militar ativamente supervisionado por Washington. O coma durou duas longas décadas.
Então, nos anos 1980s, os militares decidiram dar um pequeno passo, numa transição em ritmo de lesma, “lenta, gradual e segura” (segura para eles mesmos, claro) na direção de alguma democracia. Mas foi a rua – ao estilo da Praça Tahrir – que finalmente fez a coisa andar adiante.
O fortalecimento das instituições democráticas demorou mais uma década – e incluiu impeachment, por corrupção, de um presidente eleito. E passaram mais oito anos, para que um presidente eleito – o presidente Lula, imensamente popular, que Obama reverenciou como “o cara” – abrisse o caminho para Dilma Rousseff.
A estrada foi longa, até que um dos países mais desiguais do mundo – governado por séculos por uma elite arrogante e corrupta, que só tinha olhos para o Norte rico – afinal consagrasse a luta pela inclusão social como questão essencial da política nacional.
O progresso no Brasil foi semelhante ao de várias outras partes da América do Sul.
Semana passada alcançou-se um clímax parcial, quando a nova Comunidade dos Estados Latino-americanos e do Caribe (conhecida pela sigla CELAC, em espanhol), reuniu-se em Caracas. A CELAC começou como ideia luminosa ante a emergência – num novo sistema-mundo, como diria Immanuel Wallerstein – de uma nação latino-americana integrada, baseada na justiça, no desenvolvimento sustentável e na igualdade. Dois homens foram essencialmente importantes nesse processo: o presidente Lula do Brasil e o presidente Hugo Chávez da Venezuela. A visão desses dois convenceu todos, do presidente Pepe Mujica do Uruguai, ex-guerrilheiro, ao presidente do Chile, Sebastian Piñera, banqueiro.
Assim, hoje, em meio à crise agônica que consome o Norte Atlanticista, a América Latina surge como possibilidade de uma verdadeira “terceira via” (que nada tem a ver com o que Tony Blair inventou).
Enquanto a Europa – onde o Deus Mercado governa – constrói meios para miserabilizar cada vez os povos europeus, a América Latina acelera no seu impulso rumo a inclusão social cada vez mais ampla.
E, enquanto virtualmente todas as latitudes, do Norte da África ao Oriente Médio sonham com democracia, a América Latina pode, realmente exibir os frutos, duramente buscados, de suas conquistas democráticas.
Não percam o foco, não esperem presentes caídos do céu
A CELAC é aposta poderosa nas possibilidades do diálogo sul-sul. Será dirigida, nesse estágio inicial, por Chile, Cuba e Venezuela.
Pepe Mujica, presidente do Uruguai e ex-líder dos guerrilheiros Tupamaro, disse, muito claramente em Caracas, que a estrada, até que se alcance o sonho da integração latino-americana não será um mar de rosas. Inúmeras batalhas ideológicas ainda terão de ser lutadas, antes que tome forma algum projeto político e econômico amplo.
A CELAC complementa a UNASUL – União Latino-americana – que o Brasil domina. A UNASUR também está começando; por hora, é, essencialmente, um fórum.
E há também o MERCOSUL – mercado comum de Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai, ao qual, em breve, a Venezuela também se integrará. Em Caracas, Dilma e Cristina selaram a futura integração com Chávez.
O principal parceiro comercial do Brasil é a China; antes, foram os EUA. Em breve, a Argentina alcançará a posição de segundo principal parceiro comercial do Brasil – deixando os EUA para trás. O comércio dentro do MERCOSUL está crescendo rapidamente – e mais ainda crescerá com a incorporação da Venezuela.
Não que faltem obstáculos no caminho da integração. O Chile prefere acordos bilaterais. O México olha, sempre antes, para o norte – por causa do NAFTA. E a América Central está convertida em virtual satrapia dos EUA, por causa do CAFTA.
Mesmo assim, a UNASUR acaba de aprovar projeto estratégico crucialmente importante em termos geopolíticos: uma rede de 10 mil quilômetros de fibra ótica, administrada por empresas estatais locais, para livrar-se da dependência dos EUA.
Atualmente, nada menos que 80% do tráfego internacional de dados na América Latina viajam pelos cabos submarinos até Miami e a Califórnia – duas vezes a porcentagem da Ásia e quatro vezes a da Europa.
As taxas cobradas pela Internet na América Latina são três vezes mais caras que nos EUA. Nessas condições, é difícil falar de soberania e integração.
Washington – que exporta três vezes mais para a América Latina que para a China – está e terá de continuar focada em outros pontos: na Ásia, continente ao qual o governo Obama tanto se empenha para vender a agenda do “Século do Pacífico”.
A verdade é que Washington – como as várias direitas latino-americanas – nada tem a propor aos povos da América Latina, nem em termos políticos nem em termos econômicos. Portanto, cabe aos latino-americanos aperfeiçoar suas democracias, fazer avançar a integração regional e construir modelos de democracia social que se possam apresentar como alternativas ao velho neoliberalismo hardcore.
Por um desses truques do Anjo da História, de Walter Benjamin, talvez seja hora, agora, de os latino-americanos partilharem sua experiência com os irmãos e irmãs do Oriente Médio, no sul global.
Que a estrada é longa, é. Começa com uma moça de 22 anos, que não baixou a cabeça frente à ditadura e aos ditadores. E é caminho adiante, sem volta.
http://redecastorphoto.blogspot.com/2011/12/pepe-escobar-mensagem-da-america-latina.html
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