quinta-feira, 3 de abril de 2014

OS BASTIDORES DA RENÚNCIA DE JÂNIO QUADROS



Inédito: os bastidores da renúncia de Jânio

Por Luis Nassif

"Algum tempo antes da renúncia de Jânio, o embaixador Walther Moreira Salles teve um encontro estranho com ele. Foi convidado, assim como a esposa Elisinha, para almoçar com o casal Jânio no Horto Florestal em São Paulo.

A conversa foi agradável, mas Walther foi surpreendido com o convite de Jânio, para que o acompanhasse em um cruzeiro marítimo ao redor do mundo. Como assim, se Jânio mal começara seu mandato?

O almoço custaria caro a Walther. Estendeu-se mais do que devia e deixou esperando, na antessala, um general irritado, Arthur da Costa e Silva. Walther desconfiou que um dos motivos para Costa e Silva tentar cassá-lo teria sido o amuo com a espera a que ficou relegado.

O objetivo de Jânio Quadros, quando articulou a renúncia, era a reforma constitucional. Com o choque da renúncia, não pretendiam implantar a ditadura, mas dispor de poderes iguais aos da Constituição francesa.

Esse objetivo ficou claro em um jantar na casa de Walther Moreira Salles, na Rua Marquês de São Vicente, na Gávea, com o Ministro da Justiça de Jânio, Oscar Pedroso D’Horta, conforme relato que colhi de Raphael de Almeida Magalhães, presente ao jantar.

No meio do jantar, o governador carioca Carlos Lacerda invadiu a casa transtornado, sem se fazer anunciar, pegou Pedroso D’Horta pelo braço e o levou à varanda. A chegada de Lacerda provocou reações variadas. Vários dos convidados não se davam com ele e retiraram-se em seguida. Para sorte dos anfitriões, o jantar estava terminando.

O nervosismo de Lacerda [da UDN, partido antecessor do DEM e PSDB em sua linha política] prendia-se aos problemas criados por seu filho Sérgio. Através da "Fundação Otávio Mangabeira", Sérgio havia recebido dinheiro dos banqueiros de bicho. O fato havia sido noticiado pela imprensa e Lacerda, através de Pedroso D’Horta, queria que Jânio o ajudasse a superar o problema.

Na conversa, Horta abordou, pela primeira vez, a falta de condições políticas de Jânio para conduzir as reformas econômicas. Lacerda ainda estava em lua-de-mel com Jânio. Todos seus pleitos haviam sido atendidos, o aval federal a empréstimos do BIRD, o acesso ao Fundo do Trigo, a transferência de patrimônio não utilizados dos Institutos de Previdência para o estado.

Mas era um caso raro. Em geral, Jânio não recebia parlamentares, não concedia.

- Como Jânio não transige com o Congresso, haverá a necessidade de a gente articular as eleições de 62 -- ponderou Horta. Ou então poderíamos retomar temas que você, Lacerda, falou em 1956 sobre Mendéz France.

Na época, a França estava sob terrível impasse político, decorrente do processo de tentativa de emancipação das colônias. Mendéz France pediu ao Parlamento delegação ampla de poderes. “Governar é escolher” dizia Mendéz France. Seus 6 meses de delegação constituíam-se em um clássico, um marco da política francesa da época.

Primeiro, solicitou 30 dias para fazer as pazes com a Tunísia. Mal sucedido, renunciaria. A paz foi assinada na véspera do vencimento do prazo. Depois, pediu delegação para efetuar as reformas financeira, administrativa e política, sempre com prazo e objetivos explícitos.

O sucesso de Mendéz France deixou na moda a questão da delegação de poderes. Por aqueles dias, o Congresso tinha votado lei de favores a funcionários públicos. Jânio vetou-a. O Congresso derrubou o veto. Sob esse impacto, Horta levantava a questão francesa e solicitava a Lacerda cópia dos artigos por ele escritos em 1956, quando defendeu a delegação de poderes na sucessão de Café Filho.

Dias depois, Jânio recebia Lacerda em Brasília. Lacerda deixou a mala do lado de fora da sala e, ao retornar da conversa com Jânio, viu a mala na guarita do guarda. Interpretou o gesto como falta de vontade de Jânio para resolver seus problemas. Quando Jânio apresentou a renúncia, pouco tempo depois, Lacerda invocou o jantar em casa de Walther para defender a tese de que o ato constituíra-se em uma tentativa de golpe de estado de Jânio.



Em que falhou a operação?

Tudo havia sido planejado. O vice-presidente Jango Goulart estava na China. Havia enormes resistências dos militares à sua posse. A ideia de Jânio era a de preparar a carta-renúncia, mas não formalizar. Esperava que, espalhando a informação de que pretendia renunciar, haveria um movimento espontâneo por sua volta, que lhe permitiria voltar nos braços do povo e conseguir do Congresso a lei delegada. Até o dia da renúncia – dia 25 de agosto, dia do Soldado – foi escolhido a dedo.

O chefe da casa militar era o general Pedro Geraldo de Almeida, mineiro genro do general Setembrino Carvalho, Ministro da Guerra do governo Arthur Bernardes. Pedroso comunicou a renúncia a ele, pediu que não divulgasse, contando que a versão se espalhasse. Não contava com a lealdade do general que, de fato, não contou.

O desmoronamento da estratégia janista deveu-se a Gustavo Capanema, do PSD mineiro. A carta foi entregue a Auro de Moura Andrade, presidente do Senado, e que não tinha fama de ser político muito habilidoso. Auro sugeriu:

- Vamos convocar o Congresso.
Capanema reagiu:
- Não, a renúncia é um ato unilateral. Vamos tomar conhecimento."

FONTE: escrito por Luis Nassif no "Jornal GGN"  (http://jornalggn.com.br/noticia/inedito-os-bastidores-da-renuncia-de-janio). [Trecho entre colchetes adicionado por este blog 'democracia&política'].

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