sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

CONFLITO OU MASSACRE?

O site "Direto da Redação" postou ontem o seguinte texto do escritor e jornalista Urariano Mota:

“Recife (PE) - Qualquer manual de jornalismo ensina que em nome da imparcialidade, da honestidade, da igualdade, e de outras qualidades sem rima, o jornalista deve sempre ouvir os dois lados da notícia. Qualquer manual ensina que o repórter deve ouvir as duas versões, dar-lhes igual destaque, se deseja ser testemunha objetiva do que vê. Mas qualquer leitor sabe que tal exigência de manual é inalcançável. Nem tanto por ser próprio da natureza humana a parcialidade, mas porque é infinito o cinismo do grande mundo.

Para maior clareza do que acaba de ler, acompanhe o leitor o noticiário da Rede Globo sobre o massacre dos palestinos em Gaza. Massacre, não, desculpe, pelas notícias trata-se de conflito, guerra, ofensiva, e outros eufemismos que não doem na pele dos editores. No Jornal Nacional de 13.1.2009, este foi o relato:

"Tropas de Israel ampliaram os ataques aéreos na Faixa de Gaza, enquanto soldados avançaram pelas cidades do território. Mais de 970 palestinos morreram em 18 dias de conflito, quase um terço, crianças e adolescentes. Do lado israelense, são 14 mortos, quatro civis. A reportagem é do correspondente Alberto Gaspar:

Os bombardeios desta terça se concentraram na região da fronteira entre a Faixa de Gaza e o Egito. Foram 60 alvos. Os israelenses afirmam ter atingido cerca de 30 túneis que permitiriam o transporte de armas para o território.

As tropas terrestres estariam enfrentando resistência de militantes dos Hamas. Pelos menos 18 palestinos teriam morrido nos combates. Um balanço do Unicef aponta que 275 crianças e adolescentes morreram até segunda-feira pelos ataques israelenses”.

Se esquecemos, ou se não vemos, “ataques aéreos” em lugar de bombas atiradas sobre populações civis, se não somos informados de que “soldados avançaram pelas cidades do território” com munição condenada por organismos internacionais, se não vemos as idades dos mortos dos dois lados, a desproporção de números da notícia é justa e verdadeira. Mas é falsa. Devíamos anotar: é falsa! O mundo inteiro sabia, em 13.1.2009, que

“após 18 dias de ofensiva israelense, mais da metade dos mortos na faixa de Gaza é de mulheres, crianças e idosos. O número de mortos chegou ao menos a 935, com 280 crianças, 92 idosos (de ambos os sexos) e outras 97 mulheres. Segundo os dados, a soma de crianças, mulheres e idosos mortos atingiu 469, o que corresponde a 50,16% das mortes computadas”

Houve um pequeno engano de interpretação dos números, poderia ser dito. Mas no dia anterior, no mesmo Jornal Nacional, fomos brindados com enganos mais graves que o desses números:

“Mais um dia de bombardeios aéreos e de combates em terra entre tropas de Israel e militantes do Hamas. Estratégia de pressão total sobre o grupo islâmico. A meta israelense de neutralizar os pontos de lançamentos de foguetes ainda não foi atingida. Perto de 20 voaram em direção a Israel nesta segunda”.

Notem, pelo informado, assistimos a uma guerra, a uma luta entre Israel e palestinos em Gaza: pois os combates se dão entre adversários de equivalentes altura, número, poder e dinheiro. Perdão, quis dizer direitos. Pois assim é a notícia do G1, da Globo, dia 11:

“Em uma guerra em que bombas e mísseis são disparados em direção a áreas residenciais de ambos os lados, como as famílias comuns de Israel e Palestina fazem para se proteger? O G1 levantou com representantes dos dois lados do conflito a forma como a população civil escapa da tragédia que, literalmente, bate em sua porta”.

O ouvir os dois lados aqui alcança a sua maior hipocrisia e perversão. Quando um massacre se dá, quando um povo é cercado, quando crianças de Gaza morrem feito moscas, a imparcialidade manda dizer que mísseis são disparados de ambos os lados!

Ou como disse o Fantástico – o show da vida – de 11 de janeiro:

“A cerca de 10 quilômetros dali, no outro lado da fronteira, o brasileiro Fred Hajat dirige pelas ruas quase desertas de Ashkelon, em Israel. ‘Sair com carro nessa situação é um pouco perigoso, porque se cair algum foguete aqui não tem onde se proteger’, comenta o estudante Fred Haiat. A cidade tem sido alvo constante dos foguetes do Hamas, a facção palestina que controla a Faixa de Gaza”.

Mais imparcialidade? Mais dois lados impossível, conforme a reportagem do Fantástico no último domingo:

“A sirene toca em Ashkelon. É mais um foguete palestino”.”

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