O site intelligence@nytimes.com, de Nova York, publicou ontem o seguinte texto de Roger Cohen:
“O secretário da Defesa dos EUA, Robert Gates, passou a permitir fotos dos caixões de soldados americanos mortos no Iraque e no Afeganistão.
O invisível está emergindo na vida dos EUA, e o processo é doloroso. Estivemos vivendo numa terra do faz-de-conta.
A norma do Pentágono que proibia fotos dos caídos vigora desde a Guerra do Golfo, em 1991, mas só foi rigidamente cumprida a partir da Guerra do Iraque. Seu efeito é o de atenuar o impacto emocional da morte de quase 5.000 militares dos EUA em dois combates.
Essa fuga da realidade foi a pedra angular da política do ex-presidente George W. Bush, que via o serviço militar e o consumo como atos gêmeos de patriotismo. Para que este prosperasse, era necessário ocultar o pesado ônus daquele. O shopping perde a graça quando há sangue à vista.
Confio que a revisão de políticas do governo Busg foi concluída corretamente. Faz sentido que as famílias tomem essa decisão, não os governos. Alguns sempre quiseram tirar seu sacrifício da obscuridade. Seu desejo deveria ser respeitado.
Em geral, a opacidade sempre tem um preço. Ninguém imaginou, porém, que seria tão alto.
Se o custo das guerras agora pode se tornar visível para os EUA, o custo do respectivo surto consumista já o é. A dívida era desejável, a alavancagem era adorável, a cobiça era ótima.
O risco não existia mais, então para que a supervisão?
Sabemos que Bernard Madoff (acusado de operar um esquema fraudulento de pirâmides) não adquiriu qualquer título para seus clientes pelo menos nos últimos 13 anos.
Onde, durante esses 13 anos, estava a SEC (Comissão de Valores Mobiliários dos EUA)? Sumiu, como todas as agências reguladoras.
Uma grande ilusão está se dissipando e revela um abismo. Acho que quatro choques culturais -o fim da Guerra Fria, a globalização, a tecnologia digital e os ataques do 11 de Setembro- contribuíram para um estonteante momento norte-americano. Agora, ninguém sabe quanta toxicidade segue escondida, e por isso a economia continua degringolando.
O liquidante de Madoff foi honesto com os investidores. O liquidante da falência dos EUA, o presidente Barack Obama, também está tentando ser honesto. Tem o apoio do país, embora as medidas adotadas até agora sugiram certa confusão.
Uma importante fonte do governo disse sob anonimato ao "New York Times" que a política para os bancos se baseou "numa aceitação de que o futuro é incerto, mas que podemos planejá-lo sobre uma certa base". Certamente você pode levar essa declaração ao banco.
Tenho duas preocupações. A primeira é que a mexida revitalizadora no mercado americano esteja sendo desperdiçada conforme o super-resgate se espalha e entramos num período de governo inchado. A França é um país adorável, mas não quero que os EUA virem a França.
A segunda é que há um limite de realidade que as pessoas toleram. Já ficou claro como a ilusão é traiçoeira. Mas o realismo não diluído é insuportável. Obama está se debatendo como um executivo-chefe alertando para a "catástrofe". Ele deve dar um passo atrás, como um bom executivo-chefe, olhar ao futuro de médio prazo e falar mais de "possibilidade", tema da sua campanha.
Não esconda os fatos, mesmo que eles sejam dolorosos como os caixões envoltos em bandeiras na base aérea de Dover. Mas empregue a linguagem da esperança.”
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