Li hoje no site “Terra Magazine”, do jornalista Bob Fernandes, o seguinte artigo de Mikhail Gorbatchev, publicado no jornal norte-americano “The New York Times”. O autor foi líder da extinta União Soviética de 1985 até o seu colapso em 1991. Laureado com o Prêmio Nobel da Paz em 1990, ele é atualmente o presidente da Fundação Internacional de Estudos Socioeconômicos e Políticos (A Fundação Gorbachev):
“À medida que a crise financeira e econômica global se torna mais profunda e mais severa, todos nós devemos repensar algumas questões fundamentais, inclusive o papel do estado. Já se pode prever que a abordagem ao papel do governo que prevaleceu durante as últimas décadas será invertida.
O ataque ao estado foi lançado há mais de 30 anos, com Margaret Thatcher e Ronald Reagan dando os primeiros tiros. Economistas, empresários e políticos apontaram os dedos para o governo como a fonte de quase todos os problemas da economia.
É verdade, havia muito a criticar sobre a forma como o governo funcionava. Naquela época, os eleitores tinham bons motivos para apoiar os políticos que prometiam limitar o papel da burocracia governamental e dar às empresas mais liberdade para crescer.
No entanto, havia algo mais atrás da crítica ao governo. O objetivo secreto refletia os interesses daqueles que, enquanto prometiam que a "maré cheia levantaria todos os barcos", estavam mais preocupados em dar liberdade ilimitada às grandes corporações, liberando-as de obrigações importantes com a sociedade e destruindo a rede de segurança social que protegia os trabalhadores.
A globalização introduziu uma nova fase no ataque ao estado, acirrando a competição nos mercados de produtos, serviços e mão-de-obra. Os princípios do monetarismo, da irresponsabilidade social e ambiental, e do superconsumo e dos hiperlucros como motores da economia e da sociedade foram posicionados como um padrão internacional.
O mundo foi forçado a assimilar o assim chamado Consenso de Washington, que refletia esses princípios.
Cada vez mais, o estado foi retirado de várias esferas do comércio e das finanças, deixando-os com praticamente nenhuma fiscalização. Uma após a outra, bolhas foram sopradas e, mais cedo ou mais tarde, estouraram - a bolha digital, a bolha do mercado de ações e as bolhas hipotecárias. Finalmente, as finanças globais como um todo se tornaram uma imensa bolha. No processo, pequenos grupos de pessoas criaram riquezas fabulosas para elas mesmas enquanto os padrões de vida da maioria das pessoas permaneceram, no melhor das hipóteses, estagnados. Quanto aos pobres do mundo, os compromissos para ajudá-los foram em grande parte esquecidos.
O enfraquecimento do estado permitiu a onda descontrolada de fraude financeira e corrupção. Ela foi responsável pela invasão, por parte do crime organizado, das economias de inúmeros países, e pela influência desproporcionada dos lobbies corporativos, que se transformaram em burocracias não-governamentais gigantescas com enormes fundos e influência política. Isso distorceu o processo democrático e prejudicou gravemente o tecido social.
Setembro de 2008 viu o começo de um colapso catastrófico de toda a estrutura. Este colapso está enterrando as economias das pessoas sob os escombros, derrubando a produção a uma taxa sem precedentes e deixando milhões sem emprego. Não é exagero dizer que a economia de cada país do mundo agora está ameaçada.
Mesmo assim, nós continuamos ouvindo daqueles que ainda acreditam nos poderes "curativos" mágicos dos mercados desregulamentados. Mas hoje, as pessoas não estão mais olhando para eles à procura de soluções. Elas esperam que seus líderes eleitos ajam. Esses líderes devem usar as ferramentas de intervenção governamental; nenhuma outra ferramenta está disponível.
Em um momento em que o tsunami econômico está ameaçando o sustento de centenas de milhões de pessoas, devemos reconsiderar a responsabilidade do estado pela segurança de seus cidadãos. Nós ouvimos argumentos contra o "estado paternalista" e contra a "segurança do início ao fim". Na verdade, o governo não pode ser todas as coisas para todas as pessoas. Mas ele deve pelo menos proteger as pessoas do banditismo financeiro do tipo que ele permitiu.
Os governos agora assumiram a responsabilidade de resgatar a economia. Ao enfrentar este desafio eles não devem permitir que quantias enormes de dinheiro dos contribuintes sejam gastas sem controle. O dinheiro não deve acabar nas mãos e bolsos daqueles que sempre querem "privatizar os lucros e nacionalizar os prejuízos".
Em um mundo global, precisamos simultaneamente limpar a bagunça em países individuais e ao mesmo tempo construir estruturas para governança de mais longo prazo em nível internacional. A primeira reunião de cúpula do G-20, realizada novembro passado em Washington, foi um começo. A composição do grupo mostrou uma nova conscientização da necessidade de uma união de forças sem precedentes.
Quero acreditar que líderes governamentais como aqueles no Grupo dos 20 - que se reunirão em Londres em abril para discutir a crise financeira - resolverão as questões urgentes e ao mesmo tempo criarão bases que possam permanecer de pé durante décadas.
Os desafios são realmente impressionantes: definir um novo papel para os governos e órgãos governamentais para regulamentar a economia, começar a construir economias que sejam menos militarizadas e que não se baseiem em superconsumo e hiperlucros, harmonizar preocupações morais e ambientais com crescimento econômico.
A tarefa é igual em magnitude ao desafio de afastar a ameaça de catástrofe nuclear que enfrentamos no fim da década de 1980. Aquele desafio foi enfrentado através de cooperação internacional e liderança coletiva sem precedentes que transcenderam estereótipos antiquados e colocaram os interesses comuns em primeiro lugar.”
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