quarta-feira, 7 de novembro de 2012

ESQUEÇAM O QUE ESCREVI (além do que eu disse)

Who? Moi? Forget!

Por Antonio Lassance


FHC agora não fala mais, textualmente, em esquecer o povão. Pelo menos é o que se depreende da leitura de seu artigo "Hora de balanço" (publicado no último domingo, 4/11, em alguns jornais do País).

O ex-presidente diz:

"O PSDB, como escrevi tantas vezes, deve se dirigir aos mais pobres, mas também às classes médias, tanto às antigas como às camadas que aumentaram a renda, mas ainda não têm identificação social própria".

O "como escrevi tantas vezes" traz imediatamente à memória o artigo "O papel da oposição", publicado em 2011 na revista “Interesse Nacional”. Lá, expressa pensamento diametralmente oposto. O recado foi entendido à época como: esqueçam os pobres, pois eles estão irremediável vinculados ao PT. Concentrem-se na classe média, principalmente a classe C, que está crescendo e se tornando majoritária - portanto, tem votos suficientes para ganhar eleições.

De forma bastante categórica, o artigo de 2011 não deixava margem a dúvidas:

"Enquanto o PSDB e seus aliados persistirem em disputar com o PT influência sobre os "movimentos sociais" ou o "povão", isto é, sobre as massas carentes e pouco informadas, falarão sozinhos. Isso porque o governo "aparelhou", cooptou com benesses e recursos as principais centrais sindicais e os movimentos organizados da sociedade civil e dispõe de mecanismos de concessão de benesses às massas carentes mais eficazes do que a palavra dos oposicionistas, além da influência que exerce na mídia com as verbas publicitárias.

Sendo assim, dirão os céticos, as oposições estão perdidas, pois não atingem a maioria. Só que a realidade não é bem essa. Existe toda uma gama de classes médias, de novas classes possuidoras (empresários de novo tipo e mais jovens), de profissionais das atividades contemporâneas ligadas à TI (tecnologia da informação) e ao entretenimento, aos novos serviços espalhados pelo Brasil afora, às quais se soma o que vem sendo chamado sem muita precisão de "classe C" ou de nova classe média".
[...]

"É a esses que as oposições devem dirigir suas mensagens prioritariamente, sobretudo no período entre as eleições, quando os partidos falam para si mesmo, no Congresso e nos governos".

Impossível ser mais claro: o povão não é prioridade para o PSDB. A prioridade seria supostamente a classe C, ou "nova classe média". Esse era o recado.

Como a mudança de discurso vem na esteira de um balanço das eleições municipais de 2012, entende-se que, principalmente, o revés sofrido em S. Paulo pode ter falado mais alto. FHC talvez seja o primeiro a reconhecer que as derrotas amargadas em 2002, 2006 e 2010 foram mais que eventos episódicos. Pode ser que os tucanos, quae sera tamem, tenham começado a compreender que as perdas eleitorais sucessivas foram fruto não só da estratégia bem sucedida do PT quanto da orientação programática equivocada que o PSDB e seus aliados abraçaram no longo prazo. Equívocos que se reverberaram pelo Estado de S. Paulo e fragilizaram suas perspectivas de formar uma coalizão nacional mais competitiva nas próximas eleições presidenciais.

O ex-presidente agora inverteu a posição da classe C na equação tucana. Na frase exposta, essa classe deixou de figurar como "prioritária" para virar um "mas também". Mesmo assim, o balanço de FHC termina com um ato falho. Revela-se visão estratosférica e estereotipada da dita classe C. A frase sobre as "camadas que aumentaram a renda, mas ainda não têm identificação social própria" sugere que os emergentes são "ainda" pobres de espírito e andam órfãos em busca de quem lhes dê uma razão de ser. De novo, erram o alvo do problema a ser por eles enfrentado. Na verdade, quem de fato anda à cata de uma "identificação social própria" não é a classe média. É o próprio PSDB.”

FONTE: escrito por Antonio Lassance, cientista político e pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Artigo publicado no site “Carta Maior”  (http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=5845) [Imagem do Google adicionada por este blog ‘democracia&política’].

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